sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Jurista e Professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano explica como o Poder Judiciário pode estar sendo utilizado pelo grande Capital Internacional para estabelecer uma onda de autoritarismo da "mão invisível" pelo mundo



Pedro Serrano explica como capital internacional utiliza poder Judiciário para estabelecer autoritarismo no mundo. Este conteúdo está sendo organizado na Plataforma Brasilianas e fez parte do seminário de abertura da parceria do GGN com a PUC-SP

Do GGN:


Brasilianas: Judiciário pode estar facilitando autoritarismo da 'mão invisível'



Neocapitalismo gera novas formas de autoritarismo político no mundo
Do Brasilianas
Há uma guerra em andamento que transpassa os limites territoriais dos países, sua atividade é mais centrada nos bolsões de pobreza das nações fadadas ao pouco desenvolvimento onde, diariamente, centenas de corpos são derrubados pela bala de policiais ou detidos pela caneta de juízes.
Quem está por trás, dirigindo o conflito transnacional, é o mercado financeiro que, cada vez mais, tem se especializado em utilizar o poder Judiciário local em seu favor instaurando um novo regime de exceção, ou seja, anulando os efeitos dos direitos constitucionais que possam atrapalhar a livre circulação do capital.
A tese foi levantada pelo professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, durante sua participação no fórum Brasilianas - Saídas para o Brasil crescer, marcando o lançamento da nova plataforma do portal. O jurista argumenta que há uma disparidade na forma como a lei e as forças policiais são aplicadas nas diferentes regiões do país e isso explica porque a população carcerária no Brasil quadruplicou em 20 anos, chegando a 10% do total de brasileiros e, ainda, o aumento do número de mortes cometidas por policiais em grandes cidades como São Paulo, onde, em 2017, uma em cada três mortes violentas foi cometida por agentes da segurança pública.
Para entender a conclusão de Serrano, é preciso entender primeiro o que é um Estado de Exceção, sobretudo na concepção do jurista e filósofo político alemão Carl Schmitt. O teórico do nazismo defendeu o modelo de que as leis constitucionais e o direito do indivíduo poderiam ser suspensos por uma autoridade quando a integridade do Estado fosse ameaçada por um inimigo externo ou em decorrência de algum tipo de calamidade pública.
"O regime de exceção pressupõe uma ideia de soberania cuja a melhor forma de compreensão, como explica Schmitt, está na ideia do milagre da teologia. Como é que Deus se manifesta? Pela ruptura com a normalidade da natureza, na multiplicação do peixe sem passar pelos processos naturais da reprodução, na transformação da água em vinho", explica Serrano. Assim Schmitt propôs a ideia de um governante que pudesse unir a figura do legislador com a do soberano para melhor enfrentar o inimigo mesmo que para isso a normalidade das regras legais tivesse que ser rompida.  
O pensamento de Schmitt influenciou a ascensão do nazismo em seu país e do fascismo na Itália. "Interessante observar que, nesses dois casos, não ocorreram golpes no sentido formal (enfrentamento direto de forças armadas), foram golpes no sentido material, ou seja, utilizando-se da eleição, nazismo e fascismo acendem. Em seguida, aprovaram leis no parlamento confirmadas pelo judiciário que extinguiu de fato a democracia ampliando o poder do executivo", remonta Serrano.
As terríveis experiências desses modelos políticos levaram os países europeus a criarem constituições nacionais robustas no pós-guerra, na tentativa de obter "uma semente anti-fascista". Dessa forma, as novas regras constitucionais passaram a ter poder superior a qualquer ordenamento político ou demais formas jurídicas inferiores, como explica o jurista:
"A proposta foi de criar direitos e valores políticos e morais democráticos que não estariam mais sujeitos a decisão majoritária [da população, evitando assim a ditadura da maioria sobre minorias] e nem a manipulação de uma decisão judicial. A democracia, deixa de ser vista apenas como soberania popular e passa a ser vista também como proteção ao direito”,  reforça Serrano completando que, da mesma forma, as constituições incluíram artigos para evitar decisões políticas que colocassem em risco liberdades públicas e direitos sociais.
A Constituição brasileira de 1988 seguiu a mesma influência e também buscou estabelecer a semente do ‘anti-autoritarismo’, afinal o país acabava de sair de uma ditadura militar que durou mais de 20 anos. Mas algo na nossa história tem impedido a concretização de todos os direitos fundamentais propostos na Carta Magna. É nesse sentido que Serrano aponta para a atuação de um poder transnacional e que vem, cada vez mais, atuando com o auxílio do poder Judiciário.
"Me parece que o capitalismo [em desenvolvimento nas últimas décadas], conduzido pelo capital financeiro e tecnológico, está reproduzindo de forma virtual e cada vez mais rápida um mecanismo de poder e uma ameaça constante ao estado nacional", em outras palavras, prossegue o professor, a livre circulação do capital estaria elevando o seu domínio financeiro sobre outras relações de poder gerando novas formas de política.
"O mundo passa a ter uma governabilidade que nós podemos chamar de exceção, porque não há mais guerra como mecanismo entre estados. Esse guerra, na verdade, está se dando por mecanismos judiciais, transformando, por exemplo, forças armadas em forças policiais que ocupam territórios a título de garantia da paz e da segurança mundial, não mais de garantia à soberania nacional", destaca Serrano.
Segundo o pesquisador, uma das características desse novo sistema não é apenas garantir a existência de um contingente de mão de obra de reserva, mas também um contingente humano destinado à não participação social, sem direito ao desenvolvimento tecnológico e às formas de concentração de renda. “E isso exige a manutenção de um estado autoritário para esse controle social. Ou seja, eu deixou de tratar o ser humano como alguém que no campo político-jurídico tem direito aos mecanismos de proteção e passo a tratá-lo como inimigo”, pontua.
Na política
Serrano também identifica a instrumentalização do judiciário contra grupos políticos na América Latina destacando quatro exemplos. Primeiro no Paraguai com o golpe que levou a destituição de Fernando Lugo, em junho de 2012. "Deram duas horas de defesa para o presidente. A argumentação do Tribunal para fazer esse tipo de julgamento é que não era um julgamento criminal e sim administrativo. Então fui pegar um ato administrativo mais simples que tem no Paraguai que é uma multa de trânsito. Nesse caso você tem dez dias de defesa e cinco de recurso. Ou seja, você se defender de uma multa de trânsito é mais fácil do que defender um mandato popular", ressalta.
O outro exemplo foi a destituição do então presidente de Honduras Manuel Zelaya, em 2009. "Foi algo tão terrível quanto: por liminar mandaram prender o presidente da república, mas ao invés de ser com a polícia mandaram as forças armadas que o expulsaram do país, o que é vetado pela Constituição, impedindo a defesa dele". Tempos depois a Corte superior daquele país reconheceu a inconstitucionalidade de todo o processo, mas o mandato de Zelaya já tinha terminado.
Serrano considera que o impeachment da presidente Dilma Rousseff seguiu a mesma lógica de instrumentalização do judiciário subvertendo as regras constitucionais, lembrando que ao não conseguir encaixar os atos administrativos de Dilma com os crimes de responsabilidade fiscal, previstos na Constituição Federal, o que sobrou para os juristas que defenderam o impeachment foi dar legitimidade a decisão do Senado, como autoridade democraticamente constituída. "Só que resolver pela autoridade no pós-guerra é algo extremamente agressivo à esse pacto humanista que fundou as constituições", completa.
O professor destaca também o aparelhamento do judiciário na Venezuela. "Pesquisas minhas mostram que existem vários exemplos de processos penais de exceção contra opositores da direita. A instrumentalização é a mesma, ou seja, tratar como criminoso comum quem, na realidade, se procura perseguir politicamente através de processos penais mentirosos, onde a defesa não é ouvida, por exemplo".
O lawfare (guerra travada no campo jurídico), também pode atingir empresas importantes para a economia de um país.
Em outubro de 2014, por exemplo, um relatório divulgado pela consultoria Arko Advice informava que o SEC (Security Exchange Commission), órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, junto com o Departamento de Justiça americano começavam a investigar denúncias de corrupção na Petrobras.
Em fevereiro de 2015 o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot e uma equipe de procuradores da Lava Jato se dirigiram para os Estados Unidos onde participaram de reuniões com o Banco Mundial, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Agência Federal de Investigação (FBI) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em novembro de 2016 a Petrobras começou a ser julgada nos EUA por uma ação coletiva aberta por investidores daquele país, pedindo ressarcimento por perdas com a desvalorização da empresa após a Lava Jato.
Toda essa movimentação levou Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, cientista político reconhecido por dissecar a influência norte-americana na desestabilização de países, a declarar em entrevista ao Jornal do Brasil que "Moro e Janot" atuavam com os Estados Unidos contra o Brasil, argumentando: "Os prejuízos que causaram e estão a causar à economia brasileira, paralisando a Petrobras, as empresas construtoras nacionais e toda a cadeia produtiva, ultrapassam, em uma escala imensurável, todos os prejuízos da corrupção que eles alegam combater".
Democracia
Lembrando do jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, Serrano destaca que a democracia pressupõe uma sociedade dividida e com rivalidades.
"Não há sentido imaginar um regime democrático e não imaginar a existência de conflitos, e em essencial de conflito social. Democracia é um modo, um procedimento, que visa no Estado a paz com formas regradas de disputa, de pontos de vista de interesses, em que a decisão da maioria é o mecanismo final de conformação da decisão política, portanto mecanismo final que põe fim pacífico ao conflito", explica.
E foi dentro dessa concepção, e em em um ambiente de civilização judaico-cristã, que as constituições europeias foram desenhadas. "Os direitos humanos nada mais foram do que a secularização das ideias da pessoa do apóstolo Paulo. Essa ideia teológica foi secularizada em direitos que protegem a condição humana garantindo certa proteção política ao ser humano como tal", conclui.  
A plataforma Brasilianas, iniciada em parceria com a PUC-SP, propõe fomentar políticas públicas gestadas pelos principais debatedores da conjuntura política e econômica do Brasil tendo como foco central a redução das desigualdades. Acesse matérias de outros debates levantados no fórum que marcou o lançamento do projeto:

Um comentário:

  1. As multinacionais pagam autoridades judiciais, partidos, policiais federais para que seus interesses sejam mantidos ou estabelecidos.

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