Jornal GGN - Criada em 2005, a Universidade Federal do ABC (UFABC) já aparece em vários rankings nacionais e internacionais entre as melhores do país. O sucesso da instituição se explica pela sua proposta pedagógica diferenciada, orientada pela interdisciplinaridade e pelo contato dos alunos com o ambiente de pesquisa desde o início das aulas.
Reportagem de Luiz de Queiroz e Pedro Garbellini
A UFABC começa a se diferenciar pela organização. Ao invés de departamentos acadêmicos separados uns dos outros, a universidade possui três grandes centros, um para as áreas das ciências naturais e humanas, outro com as engenharias e ciências sociais e o terceiro com as disciplinas de matemática, computação e cognição.
Ao invés de oferecer cursos tradicionais com currículos definidos, a instituição dá duas opções iniciais para os alunos: fazer um bacharelado interdisciplinar em Ciência e Tecnologia ou um bacharelado interdisciplinar em Ciências e Humanidades. Durante três anos, o estudante tem uma formação mais generalista e, na medida em que escolhe as disciplinas que vai aprender, acumula créditos para continuar sua graduação em formações específicas a partir do quarto ano.
Ao todo, a graduação pode durar até cinco anos. Ao final do período o aluno pode conseguir duas certificações, a primeira do bacharelado interdisciplinar e a segunda de bacharelado de formação específica, licenciatura ou engenharia. Depois, ele pode continuar e fazer um mestrado acadêmico ou profissional, com duração de dois anos. E, enfim, um doutorado, com duração de três ou mais anos.
Nas duas pontas dessa formação, dois programas merecem destaque. Os estudantes recém-chegados podem participar do programa Pesquisando Desde o Primeiro Dia, no qual recebem bolsas de estudos (concedida às centenas com o orçamento próprio da universidade) para participarem desde o início da formação de projetos de pesquisa.
Por sua vez, os mestres que visarem o próximo grau de formação, podem optar por fazer um Doutorado Acadêmico-Industrial, no qual passam seis meses dentro de uma empresa conveniada tentando localizar desafios científico-tecnológicos que sirvam como base para o desenvolvimento de teses. Esse programa é totalmente financiado pelo CNPq e não tem nenhum custo para a universidade ou para a empresa.
Em 2014, o assunto foi detalhado pelo reitor da UFABC, Klaus Capelle, na 52ª edição do Fórum de Debates Brasilianas.org.
Além de explicar o modelo inovador da universidade, ele falou sobre os desafios que o Brasil enfrenta na área de pesquisa, trouxe exemplos internacionais e demonstrou que a inovação carece não apenas de empresas e universidades mais próximas umas das outras, mas de um robusto ecossistema de pesquisa e desenvolvimento.
A infraestrutura e o projeto acadêmico da UFABC
“Nós temos 552 professores, todos com título de doutor - a UFABC, hoje, é a única universidade brasileira cujo corpo docente é 100% composto por professores com título de doutor; 10 mil alunos, que é aproximadamente metade do que queremos; 26 cursos de graduação; 21 pós-graduações; dois campi próprios; quase 100 mil m² construídos; 142 mil m² ainda em construção ou contratação. A universidade nesses oito anos ganhou mais de 100 prêmios pela qualidade das suas atividades em pesquisa e já aparece como a primeira colocada em vários rankings. Tudo isso no período de oito anos.
Nós organizamos a UFABC, não em departamentos, mas em três grandes centros. Um centro que reúne todos os colegas da área das ciências naturais e humanas, um que reúne todos os colegas das engenharias e das ciências sociais e um que reúne os colegas da matemática, da computação e da cognição. De forma um pouco simplificada, podemos dizer que nós separamos o centro da descoberta, o centro da invenção e o centro da análise”.
Os bacharelados interdisciplinares e o avanço para formações específicas
“Da mesma forma que nossa estrutura acadêmica diverge completamente da estrutura de universidades tradicionais, nossa estrutura pedagógica também é completamente distinta. Já que nós não temos um departamento de biologia, de economia, de filosofia, nós também não oferecemos esses cursos como portas de entrada na universidade. Existem apenas duas portas de entrada na UFABC, que são dois bacharelados interdisciplinares, em Ciência e Tecnologia e em Ciências Humanas. O aluno recebe, em um período de três anos, uma sólida formação interdisciplinar, uma formação generalista em vez de ultra-especialista.
Essas são as portas de entrada. Ele inclusive pode sair por essas portas de entrada. Como são títulos reconhecidos pelo MEC, o aluno bacharel interdisciplinar pode entrar no mercado de emprego. Mas nós oferecemos também inúmeras carreiras mais tradicionais. Oito engenharias, 11 bacharelados, cinco licenciaturas e 21 pós-graduações. Então, tem duas portas de entrada, mas tem 47 portas de saída da UFABC”.
A integração entre ensino e pesquisa e a vivência no laboratório
“Durante toda essa fase da passagem do aluno pela universidade, nós tentamos integrar ensino e pesquisa. Temos inúmeros programas para isso na universidade, na graduação e na pós-graduação. O primeiro é o programa que nós chamamos Pesquisando Desde o Primeiro Dia, em que o aluno ingressante na universidade já é envolvido em projeto de pesquisa. Talvez ele não consiga realizar uma pesquisa de forma independente, mas isso não significa que ele não pode se beneficiar de uma vivência em um ambiente de pesquisa.
Então, nós damos, anualmente, centenas de bolsas para alunos ingressantes participarem de projetos de pesquisa. Em alguns casos, nós acabamos identificando grandes talentos. Nós já tivemos alunos desse programa PDPD que no primeiro ano da universidade realizaram uma pesquisa que foi premiada e que foi publicada em revistas internacionais”.
A garimpagem de projetos e o doutorado acadêmico-industrial
“No nível de pós-graduação, nós temos outro programa que hoje só existe na UFABC, que é o Doutorado Acadêmico-Industrial. O doutorado acadêmico tradicional é realizado na universidade. O diferencial do programa de Doutorado Acadêmico-Industrial é que o aluno passa seis meses em empresas conveniadas, em busca de um projeto, de um desafio científico-tecnológico digno de um doutorado em complexidade. Se ele identificar um projeto que vale ser transformado em doutorado, ele ingressa na universidade no curso de doutorado e desenvolve esse projeto em colaboração com a universidade e a empresa.
E o melhor é que não há custo para a universidade nem para a empresa. Esse programa é 100% financiado pelo CNPq. O aluno tem uma bolsa do CNPq na fase de garimpagem, e na fase do doutorado”.
As avaliações nacionais e estrangeiras da UFABC
“O MEC em 2012 avaliou mais de duas mil instituições de ensino superior. E a UFABC foi uma de apenas 27 que tiraram a nota máxima no índice geral de cursos. Isso na avaliação do Ministério da Educação coloca a UFABC nas melhores 1,3% de universidades do país.
O Leiden Ranking of Research Institutions é um rankeamento desenvolvido por uma universidade holandesa e eles olharam as 60 universidades brasileiras que mais produzem pesquisas. Dentro dessas 60, a UFABC é a primeira em colaborações internacionais, a segunda em quantidade de publicações entre os 10% mais citados em cada área e a quarta em quantidade média de citações por trabalho, que mede o impacto.
Uma outra metodologia foi aplicada por uma instituição espanhola, a Scimago, que analisou mais de três mil universidades internacionais, entre as quais estão dezenas brasileiras. E a UFABC emerge como a melhor universidade brasileira em vários indicadores, inclusive no indicador overall excellence, excelência geral”.
A responsabilidade de fazer pesquisa e o binário universidade-empresa
“É um diagnóstico comum e certamente muito correto que falta ao Brasil uma interação maior entre universidades e empresas. E há inúmeros instrumentos e inúmeros esforços para reduzir a distância entre os dois polos desse binário. E precisamos realmente de todos eles e mais.
Agora vamos ver o que acontece nos dois polos desse binário. A universidade, pela legislação brasileira, tem uma missão muito claramente definida: a missão das universidades é de realizar ensino, pesquisa e extensão. E a finalidade principal da universidade não tem como não ser o ensino. A universidade é em primeiro lugar uma instituição de ensino. Então, apenas uma pequena parte dos recursos financeiros e humanos da universidade pode ser dedicada à pesquisa.
Olhamos agora as empresas. A empresa é um ator econômico independente. A finalidade da empresa talvez dependa um pouco da sua filosofia econômica preferida, mas podemos dizer que a finalidade é dar lucro para os donos, produção de produtos, de bens e serviços para o cliente, dar emprego para os trabalhadores. Seja o que for sua resposta, ela não inclui pesquisa como atividade fim da empresa. Para a empresa, pesquisa é no máximo uma atividade meio. E mais uma vez a conclusão é a mesma: apenas uma pequena parte dos recursos financeiros e humanos da empresa pode ser dedicada à pesquisa”.
A estrutura de pesquisa em grande escala dos países de primeiro mundo
“Da mesma forma que o sistema americano, o alemão é um sistema de grande porte, cujo orçamento é comparável com o orçamento do sistema das universidades, e cujo volume de contratações é comparável com o volume de contratações das universidades.
Olhando agora mais uma vez o sistema brasileiro, percebemos que ele fica muito aquém, comparado com esses outros sistemas. Então, o desafio que o país tem, um dos muitos desafios que o país tem, é pensar em transformar esse binário universidade-empresa em um triângulo. Para realizar pesquisas estratégicas, complexas, de grande porte, nós precisamos dar mais visibilidade e mais recursos para os institutos de pesquisa”.
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