Se criticar Zelensky, é defesa de Putin. Se criticar Putin, é defesa do "imperialismo". A maior vítima da guerra é o jornalismo
A guerra Rússia x Ucrânia está sendo didática para expor como se dá o processo de formação de consensos na mídia nacional e global, impedindo o livre fluxo de opiniões.
Nem se fale de um irresponsável sem noção, como o presidente da Ucrânia, exibindo-se em entrevista coletiva, falando do seu heroísmo: “se não fosse o presidente da República, estaria na linha de frente com meus soldados”. Nada impediria que Volodymyr Zelenskyy fosse cumprir seu destino heróico na linha de frente. Caxias era comandante e foi para a linha de frente.
Mas ele joga o mundo em uma guerra sem futuro, destrói seu país, aumenta a pobreza mundial, pelos efeitos indiretos do conflito, para se apresentar como “herói” nos salões mundanos da mídia.
E expõe a mídia brasileira ao ridículo.
O vídeo abaixo mostra um episódio grosseiro, de Carlos Alberto Sardenberg “patrulhando” Guga Chacra, ambos comentaristas da Globonews.
Sardenberg é um defensor da autodeterminação dos povos, sem um pingo de sofisticação. Cada país é dono do seu nariz, independentemente das consequências de sua decisão sobre os vizinhos. Convenhamos: é um conceito tosco, que foi exaustivamente explorado na pandemia: uma pessoa tem o direito de não se vacinar, se pode afetar a saúde de outra? Ou seja, é um desafio intelectual acessível até ao senso comum.
Guga Chacra indagou o óbvio: quais as consequências quando a decisão individual de um país afeta os interesses (ou a segurança) de outro país e, no caso, o outro é um país militarmente mais forte? É o caso concreto da reação da Rússia à tentativa da Ucrânia de se filiar à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Daria uma bela discussão, inclusive sobre a necessidade de fortalecimento do multilateralismo. Mas foi imediatamente interrompido por Sardenberg, “acusado” de estar defendendo a Rússia.
O episódio, em questão, é ridículo. Mas repete didaticamente o clima que acometeu o país na ditadura militar e repetiu-se na ditadura civil imposta pela mídia nos últimos anos. É quando qualquer opinião contrária implica em risco para quem ousa ficar contra a unanimidade e se cria a síndrome do dedo-duro, o sujeito que se considera empoderado para delatar fraquezas políticas dos colegas.
No período da Lava Jato (tão amplamente apoiado pela Globo), imagine qualquer jornalista dos grandes veículos meramente colocando em dúvida a legalidade da operação. Seria “dedurado” implacavelmente, como foi Guga Chacra, e condenado ao desemprego.
Mas o caso transcende esse episódio ridículo.
Tome-se outro bom tema de discussão: o Itamaraty fez bem ou não em condenar a invasão, mas ser contra a aplicação de sanções econômicas mais severas contra a Rússia?
Tem-se, de um lado, a maioria absoluta dos países condenando a invasão e impondo guerra sem quartel à Rússia. Na outra ponta, dois países – a China e o Brasil do Itamaraty – condenando a invasão, mas deixando a porta aberta para futuras negociações. Como será possível resolver essa guerra sem uma mediação diplomática, sendo que o país agressor não pode ser simplesmente derrotado por ser a maior potência atômica do planeta?
É evidente que terá que haver uma mediação no final. E, havendo, quem serão os países mediadores? É tema para uma discussão rica, mais ainda se forem incluídas peças que faltam nas análises pedestres da mídia – o papel da China e de sua moeda, a rota da seda, a nova divisão geopolítica mundial etc. Por aí se percebe a complexidade do tema e a posição do Itamaraty, coerente com a tradição diplomática brasileira.
No entanto, há uma uniformização da discussão mesmo em outros canais, como a CNN, não submetidos ao patrulhamento primário de Sardenberg (o “patrulhador” da CNN é Boris Casoy, que se apresenta só de manhã). O jornalista que ousar fugir do pensamento binário estará perdido.
No início da discussão, há argumentos explicando a posição do Itamaraty. No final do dia, as opiniões estão uniformizadas.
Cria-se um clima generalizado de emburrecimento em todas as frentes. Não se pode criticar Zelensky para não parecer defesa de Putin. Na ponta esquerda, não se pode criticar Putin, para não fazer o jogo do “imperialismo”.
A maior vítima da guerra, então, é o jornalismo.
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