terça-feira, 8 de março de 2022

BBC News: Guerra na Ucrânia vem 'após décadas de alertas de que expansão da Otan poderia provocar Rússia'

 

    Entre outros, o diretor da CIA do governo Biden, William J. Burns, vem alertando sobre o efeito provocador da expansão da Otan na Rússia desde 1995.

  • Ronald Suny
  • The Conversation *
Tanque de guerra ucraniano

CRÉDITO,GETTY IMAGES

À medida que os combates se intensificam na Ucrânia, duas versões da realidade subjacente ao conflito apresentam uma divisão profunda, sem conceder qualquer fundamento à outra.

A visão mais difundida e familiar no Ocidente, particularmente nos Estados Unidos, é que a Rússia é e sempre foi um estado expansionista, e seu atual presidente, Vladimir Putin, é a personificação dessa ambição russa essencial: construir um novo império russo

"Isso foi... sempre sobre agressão pura, sobre o desejo de Putin por um império a qualquer custo", disse o presidente americano, Joe Biden, em 24 de fevereiro de 2022.

A visão oposta argumenta que as preocupações de segurança da Rússia são de fato genuínas — e que a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o leste é vista pelos russos como direcionada contra seu país.

Putin deixou claro por muitos anos que, se continuada, a expansão provavelmente enfrentaria uma séria resistência por parte dos russos, inclusive uma ação militar.

Esta perspectiva não é apenas dos russos; alguns especialistas influentes em política externa americana também compartilham dela.

Entre outros, o diretor da CIA do governo Biden, William J. Burns, vem alertando sobre o efeito provocador da expansão da Otan na Rússia desde 1995.

Foi quando Burns, então comissário político da embaixada dos EUA em Moscou, informou a Washington que "a hostilidade à expansão inicial da Otan é quase universalmente sentida em todo o espectro político interno aqui".

Otan avança em direção à Rússia

A Otan é uma aliança militar que foi formada pelos EUA, Canadá e várias nações europeias em 1949 para conter a URSS e a expansão do comunismo.

Agora, a visão no Ocidente é que não é mais uma aliança antirrussa, mas sim uma espécie de acordo de segurança coletiva destinado a proteger seus membros de agressões externas e promover a mediação pacífica de conflitos dentro da aliança.

Reconhecendo a soberania de todos os estados e seu direito de se aliar com o estado que desejarem, a Otan aceitou ao longo do tempo solicitações das democracias europeias para aderir à aliança.

Polícia na Ucrânia

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,

Policial patrulha ruas na Ucrânia

Ex-membros do Pacto de Varsóvia estabelecido pelos soviéticos, que era uma versão soviética da Otan, também ingressaram na Otan na década de 1990, juntamente com três ex-repúblicas soviéticas — Estônia, Letônia e Lituânia — em 2004.

A visão ocidental é que o Kremlin deve entender e aceitar que as atividades da aliança, entre elas simulações de guerra repletas de tanques americanos encenadas em estados bálticos próximos e foguetes posicionados na Polônia e na Romênia — que os EUA dizem serem direcionados ao Irã — não representam de nenhuma forma uma ameaça à segurança russa.

Várias advertências sobre a reação da Rússia

A elite russa e a opinião pública em geral há muito tempo se opõem a tal expansão, ao posicionamento de foguetes americanos na Polônia e na Romênia e ao armamento da Ucrânia com arsenal ocidental.

Quando o governo do presidente americano Bill Clinton tomou medidas para incluir a Polônia, a Hungria e a República Tcheca na Otan, Burns escreveu que a decisão era "prematura, na melhor das hipóteses, e desnecessariamente provocativa, na pior".

"Enquanto os russos se consumiam em ressentimento e se sentiam em desvantagem, uma crescente tempestade de teorias de 'punhaladas pelas costas' rodopiava lentamente, deixando uma marca nas relações da Rússia com o Ocidente que perduraria por décadas", completou.

Em junho de 1997, 50 especialistas renomados em política externa assinaram uma carta aberta a Clinton, dizendo: "Acreditamos que o atual esforço liderado pelos EUA para expandir a Otan… é um erro político de proporções históricas" que "perturbaria a estabilidade europeia".

Em 2008, Burns, então embaixador americano em Moscou, escreveu à secretária de Estado, Condoleezza Rice: "A entrada da Ucrânia na Otan é a mais brilhante de todas as linhas vermelhas estabelecidas pela elite russa (não apenas Putin). Em mais de dois anos e meio de conversas com os principais atores russos, desde aqueles que se escondem nos recantos sombrios do Kremlin aos críticos liberais mais ferrenhos de Putin, ainda não encontrei ninguém que veja a Ucrânia na Otan como algo além de um desafio direto aos interesses russos".

Respondendo à insegurança da Rússia

Há diferentes desfechos para a crise atual, dependendo se você considera que sua causa é o imperialismo russo ou o expansionismo da Otan.

Se você acha que a guerra na Ucrânia é obra de um imperialista determinado, qualquer ação que não seja derrotar os russos vai parecer uma política de apaziguamento, ao estilo do Acordo de Munique de 1938, e Joe Biden se tornará o execrado Neville Chamberlain, o primeiro-ministro britânico que cedeu às demandas de Hitler por território na Tchecoslováquia apenas para se ver enganado, enquanto os nazistas marchavam para a guerra.

Mas, se você acredita que a Rússia tem preocupações legítimas em relação à expansão da Otan, então a porta está aberta para discussão, negociação, compromisso e concessões.

Um militante da autoproclamada República Popular de Donetsk

CRÉDITO,REUTERS

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Um militante da autoproclamada República Popular de Donetsk

Tendo passado décadas estudando a história e a política russa, acredito que, na política externa, Putin geralmente agiu como um realista, avaliando de forma não sentimental e amoral a dinâmica de poder entre os Estados.

Ele busca possíveis aliados dispostos a considerar os interesses da Rússia — recentemente, encontrou um aliado deste tipo na China — e está disposto a recorrer à força armada quando acredita que a Rússia está ameaçada.

Mas, às vezes, ele também agiu com base em suas predileções ideológicas, o que inclui suas histórias inventadas sobre a Rússia.

E, ocasionalmente, agiu impulsivamente, como ao anexar a Crimeia em 2014, e precipitadamente, como em sua desastrosa decisão de invadir a Ucrânia.

A anexação da Crimeia após a revolução pró-democracia de Maidan na Ucrânia em 2014 combinou tanto um imperativo estratégico para manter a base naval do Mar Negro em Sebastopol, quanto uma justificativa nacionalista, após o fato, para trazer o berço imaginário do cristianismo russo e uma conquista histórica dos czares de volta ao redil da "terra natal".

A sensação de insegurança de Putin diante de uma Otan muito mais poderosa é genuína, mas durante o atual impasse sobre a Ucrânia, suas declarações recentes se tornaram mais febris e até paranoicas.

Normalmente um racionalista, Putin agora parece ter perdido a paciência e se deixa levar por suas emoções.

Putin conhece história o suficiente para reconhecer que a Rússia não se expandiu no século 20 — perdendo partes da Polônia, Ucrânia, Finlândia e leste da Turquia após a revolução de 1917 —, exceto por um breve período antes e depois da Segunda Guerra Mundial, quando Stalin anexou as repúblicas bálticas e pedaços da Finlândia e territórios unidos de entre guerras da Polônia com a Ucrânia soviética.

O próprio Putin ficou traumatizado com a desintegração da União Soviética em 1991, a perda de um terço de seu antigo território e metade de sua população. Em um instante, a URSS desapareceu, e a Rússia se viu muito mais frágil e vulnerável às grandes potências rivais.

Muitos russos concordam com Putin e sentem ressentimento e humilhação, além de ansiedade em relação ao futuro. Mas, em sua maioria, eles não querem a guerra, dizem pesquisadores e analistas políticos russos.

Líderes como Putin, que se sentem encurralados e ignorados, podem atacar. Ele já ameaçou com "consequências militares e políticas" se a Finlândia e a Suécia, atualmente neutras, tentarem se juntar à Otan.

Paradoxalmente, a Otan colocou em risco pequenos países na fronteira da Rússia, como aconteceu com a Geórgia em 2008, que desejam se juntar à aliança.

É de se perguntar — como fez o diplomata americano George F. Kennan, o pai da doutrina de contenção da Guerra Fria que alertou contra a expansão da Otan em 1998 —, se o avanço da Otan para o leste aumentou a segurança dos estados europeus ou os tornou mais vulneráveis.

* Ronald Suny é professor de história e ciência política na Universidade de Michigan, nos EUA.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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