Jesus de Nazaré foi um judeu de um obscuro lugarejo da Galileia, ao norte, área menos prezada pelos judeus das grandes cidades da Judeia ao sul que, propondo a mudança de atitudes para a implantação do Reino de Deus na Terra, ensinava sobre igualdade entre as pessoas e justiça social, com enfática defesa dos oprimidos e desprezados pela sociedade, não se furtando a criticar a hipocrisia dos auto proclamados representantes religiosos do judaísmo. Enquanto distante dos grandes centros, a mensagem causava desconfiança nas autoridades político e religiosos da Judeia, então sob jugo romano. Mas a crescente popularidade de Jesus e seu discurso de igualdade iriam levar a uma atitude de perseguição e, por fim, a custas de mentiras e lawfare, à sua execução. Seu legado, contudo, não desapareceu com a sua morte e serviu de base à união de degredados sociais e não-privilegiados do Império até que este mesmo império, por uma questão de oportunismo politico, adotou oficialmente a religião construída sobre a figura de Jesus, adaptando-a à seus interesses, constituindo uma classe de teólogos que se atrelariam ao poder tradicional, distorcendo a mensagem original para justificar, novamente, as desigualdades sociais (o quel, infelizmente, ainda ocorre, e de forma intensa e midiática).
Este é um resumo do que se sabe sobre o Jesus Histórico e sobre esses (talvez poucos) dados historicamente estabelecidos o grupo do Porta dos Fundos, em seu especial de Natal "Teocracia em Vertigem", disponível no YouTube, constrói uma inteligente crítica que, de uma só vez, resgata (ao menos em parte) a pouco conhecida faceta do Jesus crítico social de sua época, mostra a permanência da hipocrisia religiosa atrelada a estruturas de poder para manter o privilégio de uma minoria já poderosa e rica e, ao mesmo tempo, faz destes fatos históricos o espelho do desastre que se abateu sobre o Brasil a partir do movimento e associação das elites nacionais com fundamentalistas, especialmente evangélicos midiáticos (nem todos os evangélicos são radicais fundamentalistas), mas também da ala super conservadora da Igreja Católica (sintomaticamente crítica feroz do Papa Francisco, um reformador contrário à muito da estrutura tradicional da Igreja), e de uma classe média autoritária, racista (de classe e de cor da pele) e dos interesses poderosos de setores do Mercado Financeiro e da geopolítica do atual império, todos unidos por um jogo midiático, político e jurídico, para destruir a democracia para impor os males do neoliberalismo, abrindo alas ao crescimento do fascismo com a trágica eleição de um representante deste movimento para presidência do país (e que, diante de uma pandemia, prefere tirar o imposto de importação de armas que estabelecer planos de vacinação para toda a população e ainda faz irônico descaso das vítimas do Covid-19).
Claro, a resistência dos representantes religiosos e políticos que ganham poder e dinheiro com a atual situação não gostaram da ideia do especial deste ano, como também não gostaram do do ano passado quando, após uma serie de críticas e processos judiciais, chegaram a incentivar e aplaudir que a sede do grupo Porta dos Fundos fosse fascisticamente atacado por coquetéis molotov, sendo um dos suspeitos do ataque, Eduardo Fauzi, que fugiu, sido preso na Rússia e extraditado para o Brasil tendo prisão preventiva decretada. O mesmo aconteceu agora, desde que foi divulgado o projeto. Tanto a bancada da Bíblia quanto líderes evangélicos adentraram com petições na justiça contra o novo especial de Natal do Porta dos Fundos, mas os pedidos foram, finalmente, negados pelo STF. Além de atentar para a liberdade de expressão (que eles tanto exigem para si mesmos contra outras religiões e contra a esquerda), a proposta crítca do especial não arranha, ao contrário, resgata a importância histórica de Jesus de Nazaré tendo, como pando de fundo, tanto a sua realidade na palestina do século I quanto a surreal história recente de um país contaminado por uma "grande mídia" privada nas mãos de políticos e enxarcada pelos próprios interesses econômicos em detrimento dos de uma nação inteira... Não sem motivo o título do especial lembra o de Petra Costa, que concorreu ao Oscar 2020, "Democracia em Vertigem", que mostra o sujo processo do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016....
O especial merece ser visto e refletido, acima de polêmicas e paixões distorcidas, como um documento e crítica social que, quem sabe, pode ajudar a despertar consciências acima das instituições meramente humanas e resgate, ao mesmo tempo, a espiritualidade que une e a Democracia que transforma injustiças em um pouco mais de igualdade entre pessoas de uma mesmo povo e história....
Quando se olha o horizonte da fé, da espiritualidade sob um outro ângulo, onde, nesta investida, tenta-se desmistificar o ontem e o hoje, teem-se posta a mesma quadra histórica que o Cristo 'passou'. E, em face disto, os ancestrais dos que hoje vendem o templo e a fé, corrompem os mandamentos (por assim dizer) e seguem sua sina de "crucificar" a plebe ignara.
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