O desmanche do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes de ele ser, de fato, implantado em sua plenitude.
Teologia da Prosperidade contra Teologia da Libertação do Crédito
por Fernando Nogueira da Costa
A Constituição brasileira de 1988
consagrou o ideário da universalização das políticas sociais no Brasil.
As condições fiscais exigidas para chegar a um universalismo eram
apresentadas como impossíveis de ser implementadas. Ao depender do FMI,
nos anos 90, submeteu-se às regras do Consenso de Washington.
Privilegiavam os interesses dos capitais financeiros internacionais e
eram avessas a quaisquer políticas sociais.
A crise nas finanças
públicas é contraposta aos direitos constitucionais adquiridos. A
reforma do Estado, proposta por neoliberais, é apresentada como
justificativa para os atender através da prestação de serviços privados.
O desmanche do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes de ele
ser, de fato, implantado em sua plenitude.
O governo sob hegemonia do Partido da
Social Democracia Brasileira, fundado por intelectuais influenciados
pela socialdemocracia europeia, juntou neoliberalismo e lançamento de
alguns diminutos programas de distribuição de renda. Eles foram
iniciados por egressos do desenvolvimentismo latino-americano como José
Serra na Saúde e Paulo Renato de Souza na Educação, ambos ex-professores
da UNICAMP.
Posteriormente, no
social-desenvolvimentismo do Partido dos Trabalhadores, fundado por
lideranças sindicais, religiosas da Teologia da Libertação, movimentos
sociais e militantes intelectuais de esquerda, esses programas sociais
foram reunidos e expandidos em escala muito maior pelo governo Luís
Inácio Lula da Silva. Sob a combinação de política de crédito público e
política social ativa houve mudança qualitativa e quantitativa. O
programa Bolsa Família, inspirado na ideia da Renda Básica da Cidadania,
no Brasil, foi implementado pela esquerda.
Aqui-e-agora, assistimos o confronto
da Teologia da Prosperidade contra a Teologia da Libertação. Esta é uma
corrente teológica do catolicismo, nascida na América Latina, depois do
Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín. Parte da premissa de o
Evangelho exigir a opção preferencial pelos pobres.
É considerada como um movimento
apartidário e inclusivo de teologia política. Engloba várias correntes
de pensamento. Elas interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em
termos de uma libertação de injustas condições econômicas, políticas ou
sociais.
Ela foi descrita pelos seus
proponentes como uma reinterpretação analítica e antropológica da fé
cristã, tendo em vista dos problemas sociais. Seus adversários a
descrevem como uma mistura de marxismo, relativismo e materialismo
cristianizado.
A maior parte dos teólogos da
Libertação é favorável ao ecumenismo sem fé dogmática. Em contrapartida,
a Teologia da Prosperidade é uma doutrina religiosa cristã protestante
ou reformista. Defende a bênção financeira ser o desejo de Deus para os
cristãos. Promete a fé, o discurso positivo e as doações para os
sabidos-pastores permitirem aumentar a riqueza material do fiel.
A doutrina interpreta a Bíblia como
um contrato entre Deus e os humanos: “se os humanos tiverem fé em Deus,
Ele irá cumprir suas promessas de segurança e prosperidade”.
Seus defensores ensinam a doutrina
ser um caminho para a dominação cristã da sociedade. Buscam impor seus
valores inclusive a ateus. A doutrina enfatiza a importância do
empoderamento pessoal, propondo a vontade de Deus é ver seu povo
enriquecido.
A expiação (reconciliação com Deus) é
interpretada de forma a incluir o alívio das doenças e da pobreza.
Estas são vistas como maldições a serem quebradas pela fé. Acredita-se
atingir isso através da visualização e da confissão positiva. Isso
costuma ser professado em termos contratuais e mecânicos. Dessa maneira,
um povo pobre e ignorante visualiza a farsa do estado de transe. E
sente o pertencimento à comunidade.
Algumas igrejas evangélicas se
dedicam, particularmente, aos ensinamentos sobre o dízimo. Fazem um
discurso positivo de, com base na fé, ser possível a qualquer um o
enriquecimento. Basta ter devoção – e compartilhar o dinheiro ganho com o
pastor.
Igrejas adeptas Teologia da
Prosperidade pregam a transferência parcial de sua posse de dinheiro aos
pastores. Seus conselhos são enganosos.
A Teologia da Prosperidade tem sido
criticada por líderes dos movimentos pentecostal e carismático, assim
como de outras denominações cristãs. Eles argumentam ela ser
irresponsável, promover a idolatria ao “Santo Dinheiro” e contrariar às
escrituras, conforme a leitura “autêntica” feita por eles.
Paradoxalmente, os aliados à Teologia
da Prosperidade creem no “milagre da multiplicação do pão”, mas
condenam a multiplicação da moeda via crédito público! Mostram
desconhecer o que se trata de alavancagem financeira do setor público. Por que combatem a libertação do crédito?
Para economistas adeptos da Escola
Austríaca, a concessão de crédito, seja aos empreendedores, seja aos
consumidores, defendida por keynesianos como um santo remédio para a
cura da depressão, teria efeito contrário. Tal “demanda artificial”
meramente adiaria o ajuste das contas. Os ultraliberais criticam o uso
de “estimulantes não naturais” antes, durante ou depois de uma crise. Em
economia de livre-mercado, há de deixar o tempo efetuar uma cura
permanente através de sacrifício dos pecadores.
Para esses pregadores, só cabe
resignação e baixar a expectativa de rendimentos para ser empregado. Não
há caminho fácil para sair de uma recessão. Em longo prazo, o livre
mercado restauraria o equilíbrio, onde todos estariam empregados. Há só
dois problemas no mundo: os insolúveis e os solucionáveis por si só…
Os Bancos Centrais teriam de adotar
uma política monetária cautelosa, durante a oscilação ascendente do
ciclo, para mitigar a depressão vindoura. E aí resistir às propostas
bem-intencionadas, mas perigosas, de lutar contra a recessão com “um
pouco de inflação de crédito”. Crédito, indo além da poupança, provoca
desequilíbrio da demanda agregada face à dada capacidade produtiva. A
Lei de Say – a oferta criar a própria demanda – é um dogma para a Escola
Austríaca.
Ludwig von Mises, no livro “Ação Humana: Um Tratado de Economia”,
opina: “Os excêntricos e os demagogos consideram o juro como o produto
de maquinações sinistras de exploradores desalmados. Essa antiga aversão ao juro
tem sido plenamente reavivada pelo intervencionismo moderno. Tem-se
mantido fiel ao dogma de uma das principais atribuições de um bom
governo é diminuir a taxa de juro o mais possível, ou aboli-la
inteiramente. Todos os governos de hoje estão fanaticamente
comprometidos com políticas de dinheiro fácil.”
Critica os hereges por “louvar as
virtudes da expansão creditícia desenfreada e difamar qualquer oponente
como um mal-intencionado defensor dos interesses egoístas dos
usurários”.
Afirma: “os movimentos ondulatórios a afetarem o sistema econômico, a recorrência de períodos de boom
seguidos de períodos de depressão, são a consequência inevitável das
reiteradas tentativas de diminuir a taxa bruta de juro do mercado por
meio da expansão do crédito. Não há meio de evitar o colapso final de um
boom
provocado pela expansão de crédito. A única alternativa possível é
entre uma crise em curto prazo, provocada pela decisão voluntária de não
se expandir mais o crédito, e uma catástrofe final e total do sistema
monetário, mais tarde.”
Na pregação de von Mises, as
reiteradas tentativas de alcançar a prosperidade pela expansão do
crédito, responsáveis pelas flutuações cíclicas da atividade econômica,
se devem à popularidade gozada pelo crédito. Segundo a Doutrina da
Poupança Forçada, resulta em inflação. Esta corrói os salários reais,
diminuindo o poder aquisitivo dirigido ao consumo. Em consequência,
eleva-se a poupança nominal.
“O boom
é considerado como estímulo aos negócios, à prosperidade e ao
progresso. Sua consequência inevitável, o ajuste das condições à
realidade do mercado, é considerado como crise, declínio, estagnação,
depressão.”
Sob a influência de Ludwig von Mises,
a Secretaria da Política Econômica (SPE) adota seu evangelho: “o
elemento perturbador provém dos maus investimentos e do excesso de
consumo no período do boom. Esse boom artificial está condenado ao fracasso.”
Na Nota Informativa sobre “má alocação de recursos (misallocation)”, a SPE afirma, sem apresentar nenhuma evidência empírica:
“As políticas de direcionamento de
crédito implementadas no período 2010-2016 elevaram a ‘ineficiência
alocativa’ de duas maneiras: a) aumentaram o poder de monopólio das
‘campeãs nacionais’, destruindo outras firmas menores e mais produtivas;
e b) direcionaram investimentos a firmas e setores menos produtivos.
Assim, a redução do direcionamento de crédito é primordial para a
redução da misallocation no Brasil”.
Ainda sofre a ilusão espalhada pela
narrativa da “caixa-preta do BNDES”. Apesar de ela ter sido desmascarada
por consultoria internacional.
A SPE deveria pelo menos examinar a pauta de exportação brasileira concentrada em sete commodities:
complexo de soja (17%), petróleo (11%), minério de ferro (9%), complexo
carnes (7%), açúcar (5%) e café (2%). Mais da metade se deve aos
setores das “campeãs nacionais” beneficiárias do crédito direcionado
pelo BNDES e Banco do Brasil. Vale exporta 10%, Petrobras, 5,5%, Bunge
Alimentos, 3%, Cargill Agrícola, 2,5%, JBS, 2%, Louis Dreyfus, 2%, ADM
2%, BRF 2%, EMBRAER, 1,5%, Samarco Mineração 1,3%, ou seja, essas dez
“campeãs nacionais” exportam quase 1/3 do total. Petrobras (87%) e
Eletrobrás (7%) concentram 94% do investimento estatal. Vão colocar
empresas evangélicas em seu lugar?! Essa hipotética isonomia em
“alocação de recursos” é mera demagogia.
ESCOLA AUSTRÍACA (MISES E HAYEK) |
ESCOLA KEYNESIANA (KEYNES) |
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Leia os outros artigos da série:
Parasita e o Hospedeiro, por Fernando Nogueira da Costa
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Ciclo: Intervalo entre Duas Crises” (2019; download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/).
E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
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