segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Vanessa Bárbara, no Estadão, discorre sobre o modismo fascista (midiaticamente fomentado) do ódio



  Outro dia, minha mãe foi levar comida para os moradores de rua que vivem aqui no bairro. Estava conversando com eles quando passou um carro bem devagarzinho e o motorista gritou, enfurecido: “Leva pra casa!”. 


Coxinhas vs. Petralhas


VANESSA BARBARA - O Estado de São Paulo


Parece que expressar o ódio agora é moda. Qualquer cidadão pacato, homem de família e cumpridor das leis pode virar bicho quando vê algo de que discorda: tenta atropelar um ciclista só por estar na ciclovia que ele desaprova, diz que tinham que ter matado todo mundo em 1968, invade velórios só para ofender, deseja que a presidente morra de câncer e faz votos de que a família da cronista seja esquartejada.
Nada contra discordar de quem pensa diferente e dialogar de forma respeitosa, o problema é quando vem o desprezo. Em seguida, o ódio - instantâneo e avassalador, desses que acabam por botar fogo em índio, atirar em haitianos e agredir homossexuais com lâmpadas. 
As redes sociais viraram um campo de batalha aberto, com parentes cuspindo uns nos outros e ameaças de morte pipocando às claras. Como se a simples existência da diferença fosse uma ameaça suficiente para decidirmos aniquilá-la. 
Lembrei de um dos segmentos do filme argentino Relatos Selvagens, no qual um homem com um automóvel blindado tenta ultrapassar o motorista de um carro velho na estrada. Este, por algum motivo, decide impedir a passagem.
Quando o cara do blindado por fim ultrapassa, grita pesados insultos enquanto acelera. Só que, mais à frente, o pneu fura e ele é obrigado a parar. O motorista de trás o alcança. Desafia o homem a repetir os xingamentos. O rico se tranca no carro e tenta chamar a polícia.
Começa ali uma briga surreal em que o insultado defeca no para-brisas do outro e tenta destroçar o vidro com uma chave de roda. O mais abonado decide jogar o carro do rival num barranco e depois tenta atropelá-lo. Por fim, seu carro também cai na vala e ele fica preso. O outro entra pelo porta-malas com um pé de cabra e é recebido a golpes de extintor de incêndio. O motorista do blindado tenta escapar e se enforca no cinto de segurança. Os dois carros explodem. 
Trata-se de uma fábula que se encaixa com perfeição no Brasil de hoje, e é onde iremos parar se continuarmos chamando uns aos outros de escória, vagabundo e corja. 
São muitos os sinais de que perdemos o controle e a empatia; basta entrar nos comentários dos sites de notícias. Em uma matéria sobre o papa, alguém vituperou contra o MST. Em outra sobre a medalha Fields, alguém falou em ditadura bolivariana. Em uma notícia sobre o assassinato de um policial, enumeram casos de violência da PM; em outra sobre a execução de um garoto negro, enumeram casos de mortes de policiais. Vejo pessoas comemorando execuções, desdenhando do sofrimento alheio, maltratando, insultando e formando grupos de linchamento. 
Vamos todos acabar carbonizados, puxando o cabelo uns dos outros. 

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