Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Foi devido ao poder econômico de grandes construtoras dos edifícios na orla marítima e, muito provavelmente, de empresários de Shoppings que pretendem ainda lucrar rios de dinheiro sob a proteção da Prefeitura de João Pessoa - a mesma que liberou alvarás para construção desordenada de espigões ao redor do Aeroclube da Paraíba, a única escola de aviação civil do Estado em pleno funcionamento, com 70 anos (47 dos quais no atual terreno) -, que vimos no último dia 22 a ocorrência de um dos mais gritantes atos de vandalismo, oficioso e ilegal, por parte do poder executivo de um município: a destruição, na calada da noite, da pista do aeródromo da cidade, pertencente ao Aeroclube da Paraíba.
Tal ação violenta se fez com base em uma liminar provisória, dada por um juiz estadual - portanto, incompetente para judiciar o caso, que já estava entregue à justiça federal - e que dava a posse, sem permitir a destruição do patrimônio, do terreno à prefeitura. Absurda liminar que foi derrubada pelo próprio presidente do Tribunal de Justiça do Estado, horas mais tarde, reforçada com a tutela antecipada dada ao Aeroclube em ação ratificada pela Justiça Federal na manhã seguinte. A violência praticada foi objeto de reportagens de telejornais da Rede Globo e da Rede Bandeirantes, fora as matérias impressas em jornais de todo o Brasil.
O problema
Os alvarás "camaradas" às construtoras que cobiçam a área do Aeroclube foram dadas, nos últimos 30 anos, em troca de certas "regalias" ao poder público local, começando ao tempo que a região era pouquíssimo valorizada e povoada, mas que prometia breve se tornar nobre. Nos últimos nove anos, contudo, a prefeitura licenciou alvarás para espigões com altura superior ao permitida em áreas ao redor de aeródromos e isso levou a justiça a pedir a retirada de um destes edifícios recentemente. Só que as construtoras entraram em um acordo com a prefeitura, inclusive doando dinheiro para a campanha eleitoral de 2010.
Agora, a prefeitura da cidade de João Pessoa, sob o comando de Luciano Agra, um prefeito que está no poder sem ter sido diretamente eleito (assumiu após a saída do titular para ser governador), arquiteto vinculado às construtoras que há anos pensa em assenhorar-se do terreno do Aeroclube, aproveitou-se de despacho da 7ª Vara da Fazenda Pública da comarca da capital – que era provisória e poderia, portanto, ser derrubada, como de fato ocorreu - para invadir a citada instituição e destruir imediatamente a pista de pouso e decolagens, durante a noite, prendendo no local cerca de 40 aeronaves, entre aviões, ultraleves e helicópteros, no último dia 22, inclusive um avião responsável pelo transporte de medicamentos pra cidades do interior. Horas depois, a estranha e, diante dos preparativos anteriores, suspeita liminar que dava a posse do terreno à prefeitura foi caçada pelo presidente do Tribunal da Justiça, determinando o retorno da posse ao Aeroclube, como é de direito. Contudo, a destruição da pista, com prejuízos da ordem de 2 milhões de reais, já havia sido efetuada, o que prova o fato de que, quando há interesses de sedimentar o ganho da especulação imobiliária e enriquecer ainda mais as gananciosas construturas, o dinheiro do contribuinte é utilizado para proveito de poucos.
Tanto é assim que, reiteremos mais uma vez, além da decisão do provisória do juiz ter sido cancelada na mesma noite do vandalismo oficioso da prefeitura - na calada da noite e impedindo a aproximação da imprensa - pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado, também a Juíza Federal da 3ª Vara, Cristina Maria Costa Garcez, deferiu pedido de tutela antecipada formulado em ação de rito ordinário ajuizada pelo Aeroclube da Paraíba, impedindo qualquer ato administrativo e/ou judicial que dê seqüência ao Decreto Municipal Expropriatório, garantindo à direção do aeródromo o funcionamento de suas atividades autorizadas pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil -, até o julgamento final da ação que transcorre na Justiça Federal.
A juíza assevera que na localidade supracitada funciona como base operacional para pousos e decolagens de diversas aeronaves comerciais de pequeno e médio portes e de aeronaves de socorro aéreo - as chamadas "UTIs no ar". Expõe que, nesse local, encontra-se uma pista de pouso e decolagem (aeródromo), com uma escola formadora de pilotos e paraquedistas para reserva da força aérea. Realça que esta é a única escola de aviação civil do Estado da Paraíba em pleno funcionamento, utilizando aeronaves cedidas pela ANAC especialmente para a formação de pilotos, possuindo o Aeroclube o certificado federal de "aeronavegabilidade" também expedido pela ANAC.
O Aeroclube da Paraíba é classificado como aeroporto/aeródromo público e, portanto, equiparado a bem público federal. De forma legitima, o problema criado pela própria Prefeitura foi levado pela Direção do Aeroclube para a Justiça Federal bem antes do ataque terrorista do dia 22, por meio da competente ação, já que a Lei reconhece os aeródromos como bens de interesse da União. Portanto, qualquer liminar de outra esfera que não a Federal deveria ser tomada como ineficaz. Mas a prefeitura, em resposta, ajuizou ação de desapropriação imediata não na Justça Federal, mas na Justiça Comum Estadual, requerendo a imediata imissão na posse do aeródromo. O magistrado João Batista Vasconcelos, mesmo cientificado da ação intentada anteriormente na Justiça Federal, achou que mesmo os avisos da ANAC de que a desaprpopriação era inconstitucional não cabiam ao caso, que o juogamento deveria se dar na esfera da Justiça Comum (o que não é o caso) e concedeu a liminar inicial e provisória à favor da Prefeitura. Contudo, segundo o próprio Juíz em entrevistas depois do ato de vandalismo praticado, a liminar não permitia a destruição do patrimônio do Aeroclube.
Os fatos da Violência e Truculência
A estranha liminar provisória (portanto, sujeita à anulação) foi concedida na terça-feira, 22 de fevereiro, por voltadas 17h e 30min, mas bem antes disso, por volta das 15 horas, tratores já estavam estacionados ao lado do Aeroclube, o que aponta para o fato de que a truculência já estava orquestrada.
Assim que a liminar de 1º Instância foi expedida, quase imediatamente oito viaturas da polícia militar, 3 da Guarda Civil e os 7 tratores da prefeitura se dirigiram ao aeródromo, entraram no aeroclube, romperam a cerca e começaram a destruir mais de 1,1Km de pista asfaltada, deixando as aeronaves estacionadas sem possibilidade alguma de decolagem, dentre elas, uma que distribuía remédios para o interior do Estado, e mais as 3 aeronaves de instrução pertencentes a ANAC e uma da UTI no ar. Note-se que aguarda municipal e a PM foram orientadas a deixar os manifestantes e a imprensa longe do evento, que deveria seguir sem testemunhas. Apesar disso, a instrutora de paraquedismo, Andressa Amaral, pôs em risco a prória vida ao ficar em frente a um dos tratores usados novandalismo oficioso da Prefeitura, sob as ordens de Luciano Agra, e as fotos e vídeos de sua ousadia correram o país e o mundo (transmitada pela Rede Globo, pela Rede Bandeirantes e pela Internet).
O lado irônico do caso é que neste aeródromo, cuja pista foi tão covardemente destruida, situa-se o único posto para abastecimento com gasolina aeronáutica do estado. Isso que deixou o avião do Governo do Estado (cujo atual ocupante foi o anterior prefeito que iniciou toda essa celeuma e apoiou Agra nesse terrorismo) também preso no solo, só que no aeroporto Castro Pinto, que o aeroporto oficial da capital, uma vez que não dispõe de combustível suficiente para ir abastecer em Recife ou Natal.
A utilidade pública do Aeroclube
A juíza Federal que anulou a desapropriação pela prefeitura destaca, baseada nos documentos, ser o Aeroclube o único aeródromo alternativo de pouso emergencial de pequenas e médias aeronaves ao fluxo do Aeroporto Castro Pinto, localizado nos municípios vizinhos de Bayeux e Santa Rita.
Destaca que, em várias situações em que o Aeroporto Castro Pinto é fechado para pousos e decolagens de aviões de pequeno e médio porte, a orientação e alternativa utilizada é a indigitada pista do Aeroclube da Paraíba.
Noticia ser o Aeroclube da Paraíba utilizado diariamente como pista de pouso e decolagem para exercícios militares nacionais, também ali funcionando o único posto de combustíveis do Estado da Paraíba que comercializa gasolina (e não querosene) para a aviação civil, denominado AVGAS.
Aduz também a juíza que o Aeroclube autor abriga em suas dependências, gratuitamente, uma Base de Apoio da 4ª Companhia da Polícia Militar da Paraíba. Assenta que, a despeito de tudo o que foi dito, a administração atual do Município demandado tem o Aeroclube da Paraíba como "uma espécie de câncer" para a cidade de João Pessoa, seja porque não concorda com a sua permanência no local há mais de setenta anos de efetivos serviços prestados, seja porque tem pretensões imobiliárias outras mais vantajosas e mais rentáveis para a construção civil nos bairros do Bessa, Jardim Oceania e adjacências.
A hipocrisia por trás da violência
O Aeroclube é uma sociedade civil sem fins lucrativos, aberta ao público - todos podem frequentar e todos podem se associar. A mensalidade de associado é de apenas 70 reais, mas não precisa ser sócio para estar lá. Por várias vezes a direitoria pediu à prefeitura que se construisse pistas de Cooper e mesmo pequenas praças para uma maior integração do Aeroclube com seu entorno social. Nunca foi atendido.
Como reflete Dércio Alcântara, "Luciano disse que tem pressa na construção do Parque Ecológico, pois existe uma meta a cumprir que determina a criação de 10 parques até o final do ano que vem. Mas a pressa dele é só no parque do Bessa. Nesse 'parque' tem coelho e dos grandes."
Ora, se a desculpa é o interesse público, porque não revitalizar o centro histórico de modo efetivo? Se o prefeito quer o bem público, que acelere a recuperação de praças históricas, de escolas, que ponha bondes e minimize o inferno do trânsito na capital paraibana. Se a questão é ambiental, porque a prefeitura não move um dedo sequer para questionar o poderoso dono da Manaíra Shopping que ergueu seu prédio em cima do mangue e continua a expandi-lo em local de proteção ambiental não muito longe do Aeroclube, e cujo sistema elétrico é visto por alguns como altamente perigoso? Se a questão é a urbanização, que o prefeito calce as ruas de bairros pobres, alagadas pelas chuvas e que se tornam criadoras de mosquitos, e não destrua pistas de utilidade pública até mesmo federal. Que tal tapar uma cratera que inferniza os moradores do conjuntos dos Funcionários? Se quer reativar o esporte e o lazer, transforme a Bica no belo parque que um dia já foi, ajude a revitalizar e recuperar o histórico Clube Astréa (que, se ainda ativo, seria o mais antigo do Brasil) e que tanto bem fazia com os “Jogos da Primavera” e seus cursos de volley, futubel e natação. Revitalize-se as construções históricas do Porto do Capim e adjacências, com seus prédios centenários. Até mesmo vizinho ao poderoso Manaíra Shopping a comunidade do Bairro São José pena por falta de infra-estrutura e urbanização. Mas claro, nada disso conta, afinal, políticos são sempre bem financiados por construtoras e empresas de transportes há anos...
Fala-se agora em que o parque terá um teatro para 2.500 pessoas. Bem, levando-se em conta que o querido Teatro Santa Rosa, centenário, está esquecido, o Espaço Cultural, sucateado, a Estação Ciência, subutilizada; a Orquestra Sinfônica, desmantelada e tem ainda um Centro de Convenções no papel para ser construído, não parece estranho esse “teatro” surgir tão repentinamente? E haverá dinheiro suficiente para tal obra faraônica surgida do IPTU de todos, a maioria não moradora do Bessa e que precisa de outros serviços a tenção mais urgente da prefeitura? A utilidade seria mesmo para todos? Afinal, a maior parte da população da capital não mora no Bessa e a maior parte dos moradores do Bessa não estão no entorno do Aeroclube, sendo que dos que existe mesmo uma divisão de opiniões entre os vizinhos do aeródromo sobre a retirada do mesmo. De fato, em uma pesquisa da TV Cabo Branco constatou-se que é uma minoria que deseja a retirada do Aeroclube, e estes quase sempre são usuários de um condomínio fechado, um verdadeiro bairro dentro do bairro, ou de alguns dos edifícios de luxo de políticos e empresários. Melhor, pois, é maquiar o que está por trás dos "altos" interesses com uma roupagem social, mesmo que isso tenha de fazer o retrocesso de retirar um aeródromo de formação de pilotos para a aviação civil, o que é útil aos que pretendem viajar de avião e é de serventia municipal, estadual e federal.
Desde a tarde desta Quarta-feira (23) que o Aeroclube da Paraíba, pelo absurdo ocorrido, já não consta mais nas cartas (mapas) aéreas internacionais e nos GPS’s de todo o mundo. A informação é do presidente do Aeroclube da Paraíba, Rômulo Carvalho, que se encontra em Brasília, onde deve se reunir com o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, nesta quinta-feira (24), para tratar dos problemas envolvendo a desapropriação do aeródromo. Os diretores do Aeroclube informam que
"o aeródromo SNJO (Aeroclube da Paraíba) consta de todas as cartas aeronáuticas, sistemas de vôo das aeronaves e todos os GPS do mundo. A paralisação abrupta de nossa pista de pouso poderia causar acidentes aéreos e uma desorganização no espaço aéreo paraibano, pois se trata de alternativa de pouso do Aeroporto Castro Pinto e único posto de combustível AVGAS do Estado da Paraíba, fazendo paralisar as atividades a aviação de pequeno e médio porte."
O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei n.º 7.565, de 19 de dezembro de 1986, expressamente no Artigo 38 que “os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica, embora não tenha a União a propriedade de todos os imóveis em que se situam”.
O Artigo 26 do mesmo código, afirma que “aeródromo é toda área destinada a pouso, decolagem e movimentação de aeronaves”, classificados em civis e militares. Os civis podem ser públicos ou privados. Ou seja: O Aeroclube de João Pessoa é protegido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e é considerado propriedade, mesmo que indireta, da União, não podendo os interesses de empresários, empreiteras e construtoras, consubstanciados no lobby sobre vereadores e prefeitos, dispor ao bel prazer da anulação do mesmo.
Isso quer dizer que a competência para qualquer decisão que cause alterações no Aeroclube tem que vir da esfera federal. Só a União pode interferir e não o Governo do Estado, nem Prefeitura de João Pessoa.
E o prefeito que detém o poder sem nunca ter tido mais de um voto da população ainda diz, ditatorialmente, mostrando sua real face: "Os dias do Aeroclube estão contados". Para quem se diz de pensamento socialista - e que não é e não tem, pois é um arquiteto de carreira que participou de projetos de espigões e, na prefeitura, foi ligado a vários gestores neoliberais anteriores, tendo historicamente muito boas relações com as já ditas construtoras -, a prática mostra não apenas uma adulação e abertura à pressão de empreiteras e construtoras de burgueses, como traços de ditador.
Bravo ao ilustre administrador por ter deixado a Paraíba novamente em atenção nacional... por algo tão nocivo à sua imagem, transformando o vandalismo oficioso em motivo de piada nacional.
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