sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Fundamentalismo Cristão
Frei Betto
O fundamentalismo sempre existiu nas tradições religiosas. Ele consiste em interpretar literalmente o texto sagrado, sem contextualizá-lo, extraindo deduções alegóricas e subjetivas como a única verdade universalmente válida. Para o fundamentalista, a letra da lei vale mais que o Espírito de Deus. E a doutrina religiosa está acima do amor.
Escolas do Sul dos EUA, e também no Estado do Rio de Janeiro, rejeitam os avanços científicos resultantes das pesquisas de Darwin e ensinam que o homem e a mulher foram criados diretamente por Deus. Tal visão fundamentalista nem sequer reconhece que Adão, em hebraico, significa “terra”, e Eva, “vida”. Como os autores hebreus do Antigo Testamento não raciocinavam com categorias abstratas, à semelhança da gente simples do povo, o conceito ganhou plasticidade no “causo” de Adão e Eva.
Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um “altruísta”. Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles!
Há muitos fundamentalismos em voga, desde o religioso, que confessionaliza a política, ao líder político que se considera revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes. O mais próximo de nós, brasileiros, é o que vigora no governo dos EUA, convencido de que promove o bem contra as forças do mal, utilizando armas letais no extermínio do povo iraquiano e tratando os homossexuais como doentia aberração da natureza.
Uma das melhores conquistas da modernidade é a separação entre a Igreja e o Estado. Nada de papas coroando reis, como na Idade Média, ou de presidentes consagrando a nação ao Sagrado Coração de Jesus, como há poucas décadas ocorria na Colômbia.
Certa vez perguntei a Fidel por que em Cuba o Estado e o Partido eram confessionais. Ele estranhou: “Como confessionais?” “Sim, expliquei, pois são oficialmente ateus. E negar a existência de Deus é tão confessional como afirmá-la.” Mais tarde, o Estado e o Partido Comunista cubanos tornaram-se laicos, assim como todos os estados e partidos modernos.
Reger a vida política a partir de preceitos religiosos é um desrespeito a quem professa outra religião ou nenhuma. Isso não significa que um cristão deva abrir mão de suas convicções e dos valores evangélicos. Mas ele não deve esperar que todos reconheçam a natureza religiosa de sua ética. E nem queira impor a sua fé como paradigma político.
Há que cuidar também para evitar o fundamentalismo laicista, de quem julga que religião é uma questão privada, sem dimensão social e política. Afinal, todos os cristãos são discípulos de um prisioneiro político... O fundamentalismo laicista, que sempre relegou a religião à esfera da superstição, é danoso por estimular o preconceito e não reconhecer que milhões de pessoas têm em sua fé o paradigma de suas convicções e práticas. Corre-se o risco de repetir o erro dos antigos partidos comunistas, que exigiam dos novos militantes profissão de fé no ateísmo.
Reforçam o fundamentalismo cristão todos os que são indiferentes ao diálogo inter-religioso e consideram a sua igreja como a única verdadeira intérprete dos mandamentos e da vontade divinos. Por isso, é importante estabelecer os critérios éticos que propiciam a base sobre a qual as diferentes igrejas e religiões devem dialogar e somar esforços. São eles: a ética da libertação num mundo dominado por múltiplas opressões; a ética da justiça nessa realidade estruturalmente injusta; a ética da gratuidade nessa cultura mercantilista onde imperam o interesse e o negócio; a ética da compaixão num mundo marcado pela dor de tantas vítimas; a ética da acolhida, já que há tantas exclusões à nossa volta; a ética da solidariedade numa sociedade fortemente competitiva; a ética da vida num mundo ameaçado pelos sinais de morte na natureza e nos pobres.
O fundamentalismo é irmão gêmeo do moralismo. E o moralista é capaz de ver o mosquito no olho alheio, como observou Jesus, sem atinar para a trave no próprio olho. No caso de certos políticos imperiais, quem sabe a solução para a paz seja considerar a guerra um atentado ao pudor...
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