quinta-feira, 13 de maio de 2021

Yanomamis sob ataque de garimpeiros ilegais e o risco de uma nova chacina

 

Yanomamis sob ataque e o risco de nova chacina

Ontem, tiroteio em território indígena de Roraima deixou cinco feridos – e elevou a tensão entre aldeias e garimpeiros. Lideranças alertam órgãos públicos e pedem proteção. Áudios apontam uso de “facção armada” para atacar aldeias

No ISA

Tiroteio na manhã desta segunda-feira (10/5) deixa cinco pessoas feridas e garimpeiros ameaçam retaliação. Hutukara pede às autoridades que atuem “com urgência para impedir a espiral de violência contra a comunidade Yanomami de Palimiu”

Uma série de áudios transmitidos nesta segunda-feira 10/5 em grupos de WhatsApp de garimpeiros, que atuam dentro da Terra Indígena Yanomami, indica a escalada da tensão entre os invasores e as comunidades indígenas. As conversas apontam para a movimentação de uma “facção” fortemente armada com “fuzis e metralhadoras” no Rio Uraricoera, região mais invadida por garimpeiros em toda a Terra Indígena, localizada entre os estados de Roraima e Amazonas.

Garimpo conhecido como “Tatuzão do Mutum”, no rio Uraricoera, TI Yanomami. Crédito Divulgação

A Hutukara Associação Yanomami denunciou um tiroteio ocorrido na manhã desta mesma segunda-feira 10/5, quando sete embarcações de garimpeiros atracaram na comunidade do Palimiú e deram início ao ataque contra os indígenas. A ação deixou ao menos cinco pessoas feridas na comunidade. Quatro garimpeiros e um indígena, de raspão, foram baleados. Os áudios do grupo de garimpeiros, contudo, dão conta ainda de um grande número de vítimas (leia transcrição abaixo) que, felizmente, não foram confirmados. “A informação de oito mortos não procede, falei agora por radiofonia com a liderança do Palimiu e os parentes estão protegidos”, relata Dário Kopenawa Yanomami, diretor da Hutukara Associação Yanomami.

De acordo com Dario, houve tiroteio em conflito aberto “por cerca de meia hora”. As embarcações dos garimpeiros saíram rio acima e ameaçaram voltar para vingança, diz a liderança indígena. Em ofício enviado ao Exército, à Polícia Federal, à Funai e ao Ministério Público Federal, a Hutukara pede aos órgãos que atuem “com urgência para impedir a continuidade da espiral de violência local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiu”.

As comunidades Yanomami do Palimiu, no médio curso do Rio Uraricoera, estão situadas nas proximidades das estruturas da Missão construída em 1966 pela equipe da Missão Evangélica da Amazônia (MEVA). Atualmente a região abriga 937 pessoas, distribuídas em cerca de quinze comunidades.

O Rio Uraricoera é uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal de ouro na TI, e não é de hoje. Entre 1987 e 1989, estima-se que mais de 2 mil balsas de garimpo trafegavam por esse rio. A primeira grande invasão garimpeira aconteceu entre o fim dos anos 1980 e 1990, afetando enormemente a vida dos Yanomami e Ye’kwana que viviam ali. Com a retomada das invasões, especialmente após 2019, o rio se consolidou como uma das principais rotas de entrada e abastecimento dos garimpos ilegais da TIY. Hoje, as comunidades indígenas estão cercadas pelos garimpeiros.

A logística do garimpo no Rio Uraricoera tem se tornado, cada vez mais, dependente do acesso fluvial, razão pela qual os Yanomami do Palimiu assistiram nos últimos anos os seus portos serem invadidos ilegalmente por milhares de garimpeiros, que trafegam livremente pelo curso do rio, com o objetivo de levar insumos e combustível para as áreas de exploração ilegal rio acima.

Histórico recente de conflitos

Há 10 dias, em 30 de abril de 2021, a Hutukara encaminhou carta para a PF, Funai e MPF, informando a essas instituições de um conflito armado ocorrido entre Yanomami e garimpeiros na comunidade de Palimiu. No ocorrido, os indígenas pedem apoio dos órgãos públicos para que ações fossem tomadas de modo a garantir sua segurança. Na carta, a Hutukara alerta para a possibilidade da violência escalar, com consequências graves. Leia aqui

Dois meses antes, em 1º de março de 2021, a Hutukara já havia encaminhado outra carta para a PF informando sobre um conflito ocorrido na comunidade de Helepe, também às margens do Rio Uraricoera, em que um grupo de oito garimpeiros teria abordado a comunidade e atirado contra um indígena, iniciando um conflito que resultou na morte de um garimpeiro e em um indígena ferido. Na ocasião, os garimpeiros em retirada já ameaçavam retaliações.

Leia abaixo a transcrição dos áudios transmitidos nesta segunda-feira 10 de maio em grupo de garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami:

Áudio 1
“Fala aí meus amigo. Pois é, meus amigo. Alguém me informa aí o que tá acontecendo no [Rio] Uraricoera?”

Áudio 2
“Rapaz, o negócio aqui vai pegar. Tá descendo uma canoa aqui da Facção. Mais de vinte homens armados, lá para os Americano [apelido de Missão Evangélica na Terra Indígena Yanomami], que tomaram os óleo deles aí. Tá os [motores] 75 [HP] aqui. Bem perto do flutuante. Vai descer agora, tudo com metralhadora, fuzil, os caralho aí. Vão descendo pros Americano lá. O negócio vai pegar. Se eles matarem 10, 15 índios, o negócio pega aqui dentro. E a gente tem de ficar pila, cabreiro por aqui. Eles estão descendo, estão bem aqui pertinho, onde era o barraco da Roseli, bem aqui do Piuí. Daqui a pouco, eles descem aí.”

Áudio 3
“Rapaz, Patrick, aqui deu BO, dos cabra desceram lá… Chegaram nos Americano [apelido de Missão Evangélica na Terra Indígena Yanomami] lá, foi atirando. Tem gente baleada para todo lado. Chegou aqui dois baleado já. E lá diz que tem um bocado de índio baleado […]”

Áudio 4
“Desceu hoje foi duas canoa, duas canoa com home tudo armado. Chegaram num contaram a história, metendo fogo. Já chegou gente baleado pra todo lado. Diz que lá o negócio tá feio. Lá o tiroteio tá grande.”

Áudio 5
“Mas eu ia descer amanhã. Tô arrumado… Já tô arrumado para descer, esperando a canoa. Mas agora como é que desce? Tá vindo meio mundo de homem aí, tudo armado lá, […], terminar de matar os índio. Aí, quem é que desce? Ninguém desce mais.”

Áudio 6
“É mais de 500 índio. Tudo encapuzado, tudo armado. É uma guerra. Vai ser um tiroteio monstro.”

Áudio 7
“Inda agora, parou uma canoa aqui. Nós vamo pensar que é dos índio. Já ia correndo… O negócio vai ficar feio.”

Áudio 8
“Alguém tem informação das pessoas que desceram para confrontar com os índios, e os índios lá, o que que houve?”

Áudio 9
“[…] É mais certeza que amanhã ou hoje mesmo o aviaozão roda aí.”

Áudio 10
“Hein, foi a galera da Facção todinha. Morreu um… Informação que tá tendo aqui… que morreu um, da Facção. E tem dois baleado. E lá morreu parece que oito índios. E tem pra mais de dez baleado.”

Áudio 11
“Ó, tô falando com dois meninos que tava na canoa lá. Ele tá pedindo, para espalhar aí, pros canoeira não passar hoje lá não. Porque não sabe o que os índio vão querer aprontar. Quem tiver subindo com carga é para avisar, no Estreitinho, entendeu? No Korekorema. É para canoeiro não passar lá não. Pra ninguém confiar nesses índio lá, não. Dois menino da canoa, lá, [carinha] da canoa. Mandou [recado] para mim, pedindo: para avisar isso aí.”


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