segunda-feira, 6 de maio de 2019

“Universidade pode ser espaço de balbúrdia, mas nunca será o espaço da barbárie”. A resposta de um reitor ao obscurantismo de Bolsonaro e Weintraub


Em evento na Ufes, João Carlos Salles, reitor da UFBA, respondeu a medidas do governo Bolsonaro



Por Vitor Taveira
Presente no evento de comemoração dos 65 anos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) respondeu em discurso aos anúncios do governo federal sobre cortes de 30% nas universidades.
A UFBA foi uma das três primeiras instituições que seriam atingidas pelos cortes anunciados pelo ministro Abraham Weintraub, depois estendidos para todas as outras. “A universidade é um projeto de longa duração. Não é um projeto de governo, é projeto de estado, é uma aposta que nós todos fazemos num espaço que seja avesso à ignorância, que seja avesso à violência, ao atraso, ao preconceito”, declarou diante do público que lotou o Teatro da Ufes, nessa quinta-feira (2).
O reitor afirmou que os cortes representam sufocar a instituição e que as razões inicialmente alegadas de fraco desempenho acadêmico não procedem, já que pelo contrário, as instituições apontadas vão todas muito bem nesse sentido. No Ranking Universitário Folha, por exemplo, que considera fatores como ensino, pesquisa, mercado, inovação e internacionalização, tanto a UFBA como a Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB) figuram entre as 20 melhores posicionadas entre todas instituições de ensino superior do país.
“Tive que estranhar que algum governo, algum servidor público pudesse invocar como razão para um corte algo que tivesse minimamente a imagem de uma retaliação, de uma agressão ideológica. Temos que estranhar que alguém seja capaz de fazer isso. Não posso acreditar porque isso é claramente não corresponder aos padrões mínimos da moralidade pública”, apontou João Carlos Salles.
Professor e doutor em Filosofia, ele também questionou o anúncio do ministro posteriormente repercutido pelo presidente Jair Bolsonaro de estudar reduzir investimentos em áreas como Filosofia e Sociologia. “Nossas instituições conjugam múltiplos saberes. Agredir uma área é agredir a própria ideia de universidade, é amesquinhar a ideia de universidade. Mas por que Filosofia e Sociologia são especialmente atacadas? Talvez porque seja nossa tarefa indagar, perguntar, não apenas pela verdade, mas por quais os critérios da verdade, em que dados se apoiam, que evidências tem”, disse.
Vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Salles ainda respondeu sobre a acusação do ministro de que as universidades promovem “balbúrdia”. “O que temos na Universidade Federal da Bahia é liberdade de expressão, temos democracia. Temos eventos, sim, com presença dos movimentos sociais, afinal de contas, nossa universidade é aberta, é pública”.
Mesmo as tentativas posteriores de desmentir ou acertar o discurso por parte do governo, alegando que o recurso das universidades federais seria investido no ensino básico, foram consideradas como parte de um pensamento dicotômico e limitado pelo reitor da UFBA. “Não há nenhum confronto entre o interesse do ensino superior e o interesse da educação básica. Na nossa universidade formamos aqueles profissionais que vão trabalhar na educação básica. Investir na educação básica é também investir no ensino superior. Estamos diante de uma aposta da sociedade em seu futuro, uma aposta entre aqueles que reconhecem ou não a universidade pública, gratuita e de qualidade, como um patrimônio de nossa sociedade”.
Por fim, João Carlos Salles até brincou com a palavra balbúrdia, que disse que daria um belo nome para uma chapa concorrente a um Diretório Acadêmico. Depois de passar dias questionando o uso da palavra, considerou que “começou a soar doce a palavra”, quando no 1º de maio, Dia do Trabalhador, professores e pesquisadores postaram fotos nos seus afazeres profissionais ironizando as declarações do ministro.
“Balbúrdia é um dos termos que somos capazes de ressignificar e admitir o seguinte: a festa faz parte da vida universitária, é cultura. Somente pessoas que odeiam cultura, festa, podem rejeitar nossa balbúrdia. Só quem não conhece o diálogo entre as ciências, a confrontação de gerações que ocorre no espaço da universidade pode ver indecência em nossa balbúrdia. A nossa universidade pode ser espaço de balbúrdia, porque ela nunca será o espaço da barbárie”, concluiu sob efusivo aplauso das autoridades e público presente.

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