quarta-feira, 1 de junho de 2016

As “relações carnais” dos golpistas, por Osvaldo Bertolino


Tudo parece, hoje em dia, andar cada vez mais depressa. Que o diga, entre tantos outros, o presidente da Republica golpista e interino, Michel Temer. Ainda não faz três semanas que ele assumiu o posto usurpado no Palácio do Planalto e já começam a ser feitas perguntas do tipo: “Será que seu governo já deu errado?” Os motivos dessa dúvida construída em tempo recorde estão, aparentemente, na súbita constatação de que Temer não tem legitimidade para governar, além de ser incapaz de resolver com um golpe único e certeiro a crise econômica do Brasil e do mundo. Foi o que se viu na semana passada, quando ele anunciou seu pacote de medidas econômicas.

O presidente mal tinha acabado de falar e analistas sem o rótulo de chapa-branca e quem mais tenha tido oportunidade de dar opinião séria expediam sentenças sumárias de condenação ao conteúdo, à forma e à eficiência das medidas anunciadas. Mesmo assim, são iniciativas que ainda não respondem ao que o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, disse quando anunciou oficialmente que seu correligionário, Aloysio Nunes (PSDB-SP), será o líder do governo no Senado: aproximar o governo da agenda tucana. Temer já havia anunciado que entre as suas prioridades no Congresso estavam duas pautas do PSDB — o projeto de novas regras de governança para os fundos de pensão e estatais, de viés privatista, e a proposta que tira a exclusividade da Petrobras nos leilões do pré-sal.

“Relações carnais” com Washington

Temer vai se aproximando cada vez mais do tucanato, respondendo a uma espécie de ultimato na linha de que ou ele faz muito depressa um novo pacote, e desta vez ainda mais neoliberal, ou o seu governo está morto. Algo que ajude a criar o ambiente psicológico que atribua a crise ao governo temporariamente afastado pelo impeachment golpista e ao prolongado ciclo da crise mundial, com suas quedas concretas da produção e do consumo e, sobretudo, a depredação do mercado de trabalho — a crise é tragicamente real para quem perdeu o emprego e não pode marcar uma reunião no BNDES para discutir a reestruturação de seu capital com a professora e presidente da instituição, Maria Silvia Bastos Marques.

Uma a linha já totalmente definida pelo tucanato no governo golpista, com José Serra à frente das relações exteriores, vai desligando rapidamente as conexões do Brasil com os polos emergentes da economia mundial para voltar a alinhar-se em “relações carnais” a Washington, como pregou o chanceler argentino Guido di Tella no auge da histeria neoliberal na América do Sul, e com a banca multilateral e a Wall Street. Contudo, neste que é descrito como o pior momento da economia moderna os polos repudiados por Serra mostram que neles nunca houve um número tão grande de gente vivendo livre da pobreza — 2,5 bilhões de pessoas nos países emergentes, como lembrou a revista The Economist.

Teste de perguntas e respostas

No Brasil, especialmente, o avanço é notável. Pela primeira vez em 500 anos de história, os não-pobres — ou seja, os que chegaram aos degraus iniciais da chamada “classe média” — são a clara maioria da população. Quando o ciclo progressista engrenou, não havia um entendimento satisfatório do que essas mudanças significavam, mas era indiscutível que o Brasil ingressara numa era de avanços. Muitas empresas começaram a operar com a cabeça na nova realidade que se formava. A Petrobras, por exemplo, anunciou a aceleração do ritmo de construção de refinarias, investimentos que realizaria com seus recursos e sua capacidade de obter crédito; não fez isso por ser estatal, mas por uma lógica de negócio segundo a qual o mercado continuaria querendo comprar gasolina e óleo diesel. Tudo em meio à farsa do “mensalão”. Mas aí veio a “Operação lava Jato”. E veio o golpe.

Para ter uma ideia de como será para a economia brasileira, na vida real, o governo golpista pode ser útil a aplicação de um modesto teste de perguntas e respostas:

O dólar vai continuar valorizado para estimular as exportações?

A inflação se manterá no mesmo patamar em que esteve durante os últimos treze anos?

É possível ter certeza de que o governo golpista não vai elevar os juros a patamares de Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan caso a inflação recomece?

Os investimentos privados na economia, tanto nacionais como estrangeiros, vão aumentar nos próximos anos, em comparação com o volume registrado nos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?

As propostas de mudanças na legislação trabalhista e previdenciária, jogando o peso da crise nas costas dos trabalhadores, serão abandonadas?

Os índices de redução do desemprego, de concentração de renda e de miséria vão continuar caindo?

Para responder ao teste pode-se escolher entre um cenário bom e um cenário ruim — ou, eventualmente, alguma coisa no meio, que, no fim das contas, acaba também sendo ruim. Se a resposta para a maioria dessas perguntas for sim, ninguém precisa ficar estressado: o Brasil será melhor que o de hoje. Se a maioria das respostas for não, temos o cenário ruim — e põe ruim nisso. A escolha entre essas duas hipóteses é livre. O que não é possível, mesmo com toda a boa vontade do mundo, é achar que pode dar certo um governo incapaz de responder positivamente a maior parte das questões expostas na lista sugerida.

Mistura de rancor e arrogância

Os fatos objetivos disponíveis até agora não dão motivos lógicos para se cravar respostas “sim” nesse teste. A menos que os mais fieis aliados de Temer revelem com ações concretas, e desde já, que abandonaram a visão que têm há anos da economia brasileira e mudaram de maneira radical o seu entendimento a respeito de como construir um país mais próspero e mais justo, todos os problemas centrais que o Brasil tem agora continuarão a se agravar. É só uma questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, provavelmente mais cedo, as realidades vão começar a cobrar decisões objetivas do novo governo — e aí se verá qual governo, de verdade, o golpe construiu. A trilha atual revela que os golpistas serão mais ou menos o que tem sido desde sempre — e o que se pode esperar é a “desconstrução”, para usar uma palavra da moda, dos governos Lula e Dilma.

Ao longo dos últimos treze anos, os tucanos e todos os seus aliados mais representativos vêm tentando demonstrar que Lula e Dilma foram os piores governantes que a humanidade já conheceu desde Calígula — tudo o que eles fizeram foi 100% errado, não havendo nada, absolutamente nada, de certo, do primeiro ao último dia dos seus mandatos. Essa é a maneira como os golpistas procedem com qualquer ponto de vista diferente do seu, numa mistura de rancor, arrogância e falta de educação que serve de prévia para o que pode vir por aí. Infelizmente, é doença que não tem cura. Faz parte do DNA da direita — e não há Rede Globo que consiga mudar isso. Como não mudaram de ideologia, é lógico que vão lidar com as principais questões do país de maneira exatamente oposta à que foi adotada por Lula e Dilma.

Osvaldo Bertolino
No O Outro Lado da Notícia

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