domingo, 5 de julho de 2015

Carta aberta de uma jovem a Dilma Rousseff


   “Quando vejo os olhares que te lançam e a forma que falam de você, lembro-me de quantas vezes enquanto eu falava, homens me olhavam com aquele mesmo olhar de desprezo. E quantas vezes falaram de mim de forma desrespeitosa e cruel. Lembro da insegurança que sinto quando vou falar em público, lembro de como eu me sinto ao falar em espaços que eu sei que todos acreditam não ser meu. Eu me lembro o quanto é dolorido e difícil”.
(Adaptado do blog da Revista Fórum e do site Câmara em Pauta. O Texto da estudante Julia Dworkin foi reproduzido integralmente e pode ser acessado no seu facebook).

A semana que passou ficou marcada por ofensas à presidenta Dilma Rousseff. Durante visita à Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a petista foi xingada por dois brasileiros, filhinhos de papai, admiradores de Bolsonaro, que a chamaram publicamente de “vagabunda” e “terrorista”. Enquanto isso, no Brasil, viralizaram pelas redes fotos de adesivos nos quais Dilma aparece de pernas abertas.
Em meio à atmosfera de ódio e machismo criada pelas agressões fascistas, a estudante Julia Dworkin (foto) escreveu, em seu facebook,  uma carta aberta à presidenta, oferecendo-lhe sua solidariedade e apoio.

O texto, publicado no Facebook no último dia 1º, já foi compartilhado mais de 3.700 vezes. Confira:
Dilma.
Eu vou falar diretamente com você. Sei que você não vai ler isso aqui, mas eu gostaria de ter uma conversa com você, de mulher pra mulher.
Eu não sou petista. Atualmente, me encontro recém-incluída no debate político, mas eu já sei que discordo demais de muitas políticas do PT. Me considero de esquerda e minha oposição em nada se parece com a oposição exercida pela direita conservadora e hipócrita do Brasil. Essa oposição que não gosta de ver pobre comprando carro e empregada doméstica com direitos. Minha oposição se deve à outras coisas, mas não vim falar delas. Só iniciei essa introdução porque essa não será uma conversa sobre política. Será uma conversa sobre você.
Eu lembro quando você se elegeu em 2010. Na época, eu não entendia absolutamente nada de política e nem sequer votei em você. Mas eu lembro do que eu senti quando te vi com a faixa presidencial pela primeira vez. Eu lembro que mesmo eu não sabendo exatamente o que aquilo significava, eu fiquei feliz. Eu fiquei confusa, estranhei bastante, mas ver alguém que poderia ser minha mãe representando o Brasil, fez com que eu me sentisse mais próxima à tudo.
Você começou a fazer parte da minha vida. O fato de você ser mulher fez isso: eu me sinto próxima de você. Quando falo de política e de você, me sinto falando de alguém que eu conheço e convivo. E isso não se deve ao PT e eu não me sentia assim com o Lula ou com nenhum outro político. É estranho, né? Eu não sei explicar. Mas pela primeira vez, eu me interessava quando a figura de representatividade máxima falava na televisão. Eu gosto de te ver. Adoro ver você falar na televisão. Nas últimas eleições, eu adorava ver televisão e ouvir sua voz.
Essa semana te vi na televisão. Você estava abatida e com um semblante triste. Pudera.
Eu nunca vi um presidente do Brasil passar pelo que você passou. Eu sequer imagino o que você está sentindo depois de tantas adversidades, humilhações, escárnios e críticas oportunistas. Nem mesmo o FHC, e eu lembro vagamente de que ele era odiado por todo mundo na época.
Mas eu não vi o tipo de coisa que vejo as pessoas fazendo com você. Eu não vi adesivos desrespeitosos, vaias, charges absolutamente machistas e que ignoram totalmente sua posição nesse país. E eu imagino o que você deve estar passando. Você é uma mulher que representa uma país machista e que está em crise. Eu tenho plena consciência que você sabia o que tava por vir, mas isso não quer dizer que você tenha que aguentar sozinha. Até porque você não está sozinha e suas companheiras estão além da política. Como eu.
Vim aqui te dizer Dilma, que apesar das divergências políticas que tenho com o governo, eu te admiro profundamente. Admiro sua história e sua postura. Admiro sua coragem. E ouvir você falar me emociona, todas as vezes. Quero te dizer que eu sofro e choro com você todas as vezes que te atacam de forma pessoal, cruel e criminosa. Dói em mim. Toda vez que me deparo com esses ataques, sempre penso em como você está se sentindo ao ver aquilo. E penso em todas as vezes que isso já aconteceu comigo e com as mulheres que eu gosto, não em nível nacional, mas ainda assim. Quando vejo os olhares que te lançam e a forma que falam de você, lembro-me de quantas vezes enquanto eu falava, homens me olhavam com aquele mesmo olhar de desprezo. E quantas vezes falaram de mim de forma desrespeitosa e cruel. Lembro da insegurança que sinto quando vou falar em público, lembro de como eu me sinto ao falar em espaços que eu sei que todos acreditam não ser meu. Eu me lembro o quanto é dolorido e difícil. E seu rosto abatido não mente.
Seu rosto abatido da última semana me representa. Representa todas as mulheres atacadas, agredidas, silenciadas e humilhadas nesse país.
Seu rosto da última semana me lembra o quanto mulheres pagam mais caro.
Eu me preocupo com você, irmã. Minha admiração por você está para além do governo ou do momento que estamos vivendo.
Porque apesar de QUALQUER COISA, foi você que ao colocar aquela faixa de presidenta do Brasil disse pra mim que eu PODERIA CHEGAR LÁ. Você disse pra todas as mulheres que aquilo era possível. Que nós existimos. E toda a sua coragem diante dos ataques machistas e desumanos nos diz: Não só existimos. Como RESISTIMOS e SOBREVIVEMOS. Você é parte da nossa história.
E isso nunca NINGUÉM vai te tirar. E eles nunca entenderão o que isso representa pra mim e pra muitas outras mulheres desse país. E nós jamais esqueceremos de você. E também não esqueceremos do que fizeram contigo, do desrespeito e da falta de humanidade. Não vamos esquecer do último dia da mulher, quando um jornal colocou a representante máxima desse país de joelhos em uma charge. Não vamos esquecer isso, pois foi um recado para todas nós.
Você não tá sozinha Presidenta e eu vim te dizer que você deve sempre lembrar quem você é. Nunca abaixe a cabeça. Não deixe que esses dias muito duros te façam esquecer que você é uma sobrevivente, uma mulher, mãe, avó, filha e a primeira mulher que disse pra nós: “um dia pode ser você”.
Obrigada.

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