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luisnassif, sab, 11/05/2013 - 12:21
Por JC
Do blog do Porfirio
Pedro Porfirio
Elite
corporativista teme que mudança do foco no atendimento abale o sistema
mercantil de saúde
A virulenta reação
do CFM (Conselho Federal de Medicina) contra a vinda de 6 mil médicos cubanos para trabalhar em
áreas absolutamente carentes do país é muito mais do que uma atitude
corporativista: expõe o pavor que uma certa elite da classe médica tem diante
dos êxitos inevitáveis do modelo adotado na ilha, que prioriza a prevenção e a
educação para a saúde, reduzindo não apenas os índices de enfermidades, mas
sobretudo a necessidade de atendimento e os custos com a saúde.
Essa não é a
primeira investida radical do CFM e da AMB (Associação Médica Brasileira)
contra a prática vitoriosa dos médicos cubanos entre nós. Em 2005, quando o
governador de Tocantins não conseguia médicos para a maioria dos seus pequenos
e afastados municípios, recorreu a um convênio com Cuba e viu o quadro de saúde
mudar rapidamente com a presença de apenas uma centena de profissionais daquele
país.
A reação das
entidades médicas de Tocantins, comprometidas com a baixa qualidade da medicina
pública que favorece o atendimento privado, foi quase de desespero. Elas só
descansaram quando obtiveram uma liminar de um juiz de primeira instância
determinando em 2007 a imediata “expulsão” dos médicos cubanos.
No Brasil, o apego
às grandes cidades
Neste momento, o
governo da presidente Dilma Rousseff só está cogitando trazer os médicos
cubanos, responsáveis pelos melhores índices de saúde do continente, diante da
impossibilidade de assegurar a presença de profissionais brasileiros em mais de
um milhar de municípios, mesmo com a oferta de vencimentos bem superiores aos
pagos nos grandes centros urbanos.
[Dos 371 mil
médicos brasileiros, 260 mil estão nas regiões Sul e Sudeste]
E isso não acontece
por acaso. O próprio modelo de formação de profissionais de saúde, com quase
58% de escolas privadas, é voltado para um tipo de atendimento vinculado à
indústria de equipamentos de alta tecnologia, aos laboratórios e às vantagens
do regime híbrido, em que é possível conciliar plantões de 24 horas no sistema
público com seus consultórios e clínicas particulares, alimentados pelos planos
de saúde.
Mesmo com consultas
e procedimentos pagos segundo a tabela da AMB, o volume de clientes é
programado para que possam atender no mínimo dez por turnos de cinco horas. O
sistema é tão direcionado que na maioria das especialidades o segurado pode ter
de esperar mais de dois meses por uma consulta.
Além disso,
dependendo da especialidade e do caráter de cada médico, é possível auferir
faturamentos paralelos em comissões pelo direcionamento dos exames pedidos como
rotinas em cada consulta.
Sem compromisso em
retribuir os cursos públicos
Há no Brasil uma
grande “injustiça orçamentária”: a formação de médicos nas faculdades públicas,
que custa muito dinheiro a todos os brasileiros, não presume nenhuma
retribuição social, pelo menos enquanto não se aprova o projeto do senador
Cristóvam Buarque, que obriga os médicos recém-formados que tiveram seus cursos
custeados com recursos públicos a exercerem a profissão, por dois anos, em
municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões
metropolitanas.
Cruzando
informações, podemos chegar a um custo de R$ 792 mil para o curso de um aluno
de faculdades públicas de Medicina, sem incluir a residência. E se
considerarmos o perfil de quem consegue passar em vestibulares que chegam a ter
185 candidatos por vaga (UNESP), vamos nos deparar com estudantes de classe
média alta, isso onde não há cotas sociais.
Um levantamento do
Ministério da Educação detectou que na medicina os estudantes que vieram de
escolas particulares respondem por 88% das matrículas nas universidades
bancadas pelo Estado. Na odontologia, eles são 80%.
Em faculdades
públicas ou privadas, os quase 13 mil médicos formados anualmente no Brasil não
estão nem preparados, nem motivados para atender às populações dos grotões. E
não estão por que não se habituaram à rotina da medicina preventiva e não
aprenderam como atender sem as parafernálias tecnológicas de que se tornaram
dependentes.
Os chanceleres Bruno Parrilla (à esq.), de Cuba, e o brasileiro Antonio Patriota, na coletiva que anunciou o acordo
Concentrados no
Sudeste, Sul e grandes cidades
Números oficiais do
próprio CFM indicam que 70% dos médicos brasileiros concentram-se nas regiões
Sudeste e Sul do país. E em geral trabalham nas grandes cidades. Boa parte da
clientela dos hospitais municipais do Rio de Janeiro, por exemplo, é formada
por pacientes de municípios do interior.
Segundo pesquisa encomendada
pelo Conselho, se a média nacional é de 1,95 médicos para cada mil habitantes,
no Distrito Federal esse número chega a 4,02 médicos por mil habitantes,
seguido pelos estados do Rio de Janeiro (3,57), São Paulo (2,58) e Rio Grande
do Sul (2,31). No extremo oposto, porém, estados como Amapá, Pará e Maranhão
registram menos de um médico para mil habitantes.
A pesquisa
“Demografia Médica no Brasil” revela que há uma forte tendência de o médico
fixar moradia na cidade onde fez graduação ou residência. As que abrigam
escolas médicas também concentram maior número de serviços de saúde, públicos
ou privados, o que significa mais oportunidade de trabalho. Isso explica, em
parte, a concentração de médicos em capitais com mais faculdades de medicina. A
cidade de São Paulo, por exemplo, contava, em 2011, com oito escolas médicas,
876 vagas — uma vaga para cada 12.836 habitantes — e uma taxa de 4,33 médicos
por mil habitantes na capital.
Mesmo nas áreas de
concentração de profissionais, no setor público, o paciente dispõe de quatro
vezes menos médicos que no privado. Segundo dados da ANS (Agência Nacional de
Saúde Suplementar), o número de usuários de planos de saúde hoje no Brasil é de
46,6 milhões e o de postos de trabalho em estabelecimentos privados e consultórios
particulares, 354 mil.Já o número de habitantes que dependem exclusivamente do
SUS (Sistema Único de Saúde) é de 144 milhões de pessoas, e o de postos
ocupados por médicos nos estabelecimentos públicos, 281 mil.
A falta de
atendimento de saúde nos grotões é um dos fatores de migração. Muitos
camponeses preferem ir morar em condições mais precárias nas cidades, pois
sabem que, bem ou mal, poderão recorrer a um atendimento em casos de
emergência.
A solução dos
médicos cubanos é mais transcendental pelas características do seu atendimento,
que mudam o seu foco no sentido de evitar o aparecimento da doença. Na
Venezuela, os Centros de Diagnósticos Integrais espalhados nas periferias e
grotões, que contam com 20 mil médicos cubanos, são responsáveis por uma
melhoria radical nos seus índices de saúde.
Cuba é reconhecida
por seus êxitos na medicina e na biotecnologia
Em sua nota
ameaçadora, o CFM afirma claramente que confiar populações periféricas aos
cuidados de médicos cubanos é submetê-las a profissionais não qualificados. E
esbanja hipocrisia na defesa dos direitos daquelas pessoas.
Não é isso que
consta dos números da OMS (Organização Mundial de Saúde). Cuba, país submetido
a um asfixiante bloqueio econômico, mostra que nesse quesito é um exemplo para
o mundo e tem resultados melhores do que os do Brasil.
Graças à sua
medicina preventiva, a ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais
baixa da América e do Terceiro Mundo — 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959,
quando do triunfo da revolução) — inferior à do Canadá e dos Estados Unidos. Da
mesma forma, a expectativa de vida dos — 78,8 anos (contra 60 anos em 1959) — é
comparável a das nações mais desenvolvidas.
Com um médico para
cada 148 habitantes (78.622 no total) distribuídos por todos os seus rincões
que registram 100% de cobertura, Cuba é, segundo a OMS, a nação melhor dotada
do mundo neste setor.
Segundo a New
England Journal of Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há
muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito,
totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados,
seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu
resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os
EUA”.
O Brasil forma 13
mil médicos por ano em 200 faculdades: 116 privadas, 48 federais, 29 estaduais
e 7 municipais. De 2000 a 2013, foram criadas 94 escolas médicas: 26 públicas e
68 particulares.
Formando médicos de
69 países
Em 2012, Cuba, com
cerca de 13 milhões de habitantes, formou em suas 25 faculdades, inclusive uma
voltada para estrangeiros, mais de 11 mil novos médicos: 5.315 cubanos e 5.694
de 69 países da América Latina, África, Ásia e inclusive dos Estados Unidos.
Atualmente, 24 mil
estudantes de 116 países da América Latina, África, Ásia, Oceania e Estados
Unidos (500 por turma) cursam uma faculdade de medicina gratuita em Cuba.
Entre a primeira
turma de 2005 e 2010, 8.594 jovens doutores saíram da Elam (Escola
Latino-Americana de Medicina). As formaturas de 2011 e 2012 foram excepcionais
com cerca de oito mil graduados. No total, cerca de 15 mil médicos se formaram
na Elam em 25 especialidades distintas.
Isso se reflete nos
avanços em vários tipos de tratamento, inclusive em altos desafios, como
vacinas para câncer do pulmão, hepatite B, cura do mal de Parkinson e da
dengue. Hoje, a indústria biotecnológica cubana tem registradas 1.200 patentes
e comercializa produtos farmacêuticos e vacinas em mais de 50 países.
Presença de médicos
cubanos no exterior
Desde 1963, com o
envio da primeira missão médica humanitária à Argélia, Cuba trabalha no
atendimento de populações pobres no planeta. Nenhuma outra nação do mundo, nem
mesmo as mais desenvolvidas, teceu semelhante rede de cooperação humanitária
internacional. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros
profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países.
No total, os
médicos cubanos trataram de 85 milhões de pessoas e salvaram 615 mil vidas.
Atualmente, 31 mil colaboradores médicos oferecem seus serviços em 69 nações do
Terceiro Mundo.
No âmbito da Alba
(Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), Cuba e Venezuela
decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha humanitária continental
com o nome de Operação Milagre, que consiste em operar gratuitamente
latino-americanos pobres, vítimas de cataratas e outras doenças oftalmológicas,
que não tenham possibilidade de pagar por uma operação que custa entre cinco e
dez mil dólares. Esta missão humanitária se disseminou por outras regiões
(África e Ásia). A Operação Milagre dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15
países da América Central e do Caribe. Em 2011, mais de dois milhões de pessoas
de 35 países recuperaram a plena visão.
Quando se insurge
contra a vinda de médicos cubanos, com argumentos pueris, o CFM adota também
uma atitude política suspeita: não quer que se desmascare a propaganda contra o
regime de Havana, segundo a qual o sonho de todo cubano é fugir para o
exterior. Os mais de 30 mil médicos espalhados pelo mundo permanecem fiéis aos
compromissos sociais de quem teve todo o ensino pago pelo Estado, desde a
pré-escola e de que, mais do que enriquecer, cumpre ao médico salvar vidas e
prestar serviços humanitários.
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