quinta-feira, 4 de julho de 2013

Zygmunt Baumann e o que há de errado na concepção atual de felicidade



Zygmunt Bauman , trecho do Capítulo 1 - O que há de errado com a felicidade?  -  do livro "A Arte da Vida"
E, no entanto, essa pergunta é feita por Michael Rustin,(1) assim como o foi anteriormente, e com certeza o será no futuro, por pessoas preocupadas - e Rustin explica o motivo: sociedades como a nossa, movidas por milhões de homens e mulheres em busca da felicidade, estão se tornando mais ricas, mas não está claro se estão se tornando mais felizes. Parece que a busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se mostrar responsável pelo seu próprio fracasso. Todos os dados empíricos disponíveis indicam que, nas populações das sociedades abastadas, pode não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo de uma vida feliz, e maior felicidade!
A íntima correlação entre crescimento econômico e maior felicidade é amplamente considerada uma das verdades menos questionáveis, talvez até a mais autoevidente. Ou pelo menos é isso que nos dizem os líderes políticos mais conhecidos e respeitáveis, seus conselheiros e porta-vozes - e que nós, que tendemos a nos basear nas opiniões deles, ficamos repetindo sem pausa para refletir ou pensar melhor. Eles e nós agimos no pressuposto de que essa correlação é genuína. Queremos que eles ajam com base nessa crença de modo ainda mais resoluto e enérgico - e lhes desejamos sorte, esperando que seu sucesso (ou seja, aumentar nossas rendas, o dinheiro à nossa disposição, o volume de nossas posses, bens e riquezas) melhore a qualidade de nossas vidas e nos torne mais felizes.
Segundo praticamente todos os relatórios de pesquisa examinados e resumidos por Rustin, "as melhoras nos padrões de vida em nações como Estados Unidos e Grã-Bretanha não estão associadas a um aumento - e sim a um ligeiro declínio - do bem-estar subjetivo". Robert Lane descobriu que, apesar do imenso e espetacular aumento das rendas dos americanos nos anos do pós-guerra, a felicidade por eles declarada era menor.(2) E Richard Layard concluiu, a partir de uma comparação de dados transnacionais, que embora os índices de satisfação com a vida declarados cresçam amplamente em paralelo com o nível do PNB, eles só crescem de modo significativo até o ponto em que carência e pobreza dão lugar à satisfação das necessidades essenciais, "de sobrevivência" - e param de subir, ou tendem a decrescer drasticamente, com novos incrementos em termos de riqueza.(3) No todo, só uns poucos pontos percentuais separam países com renda média per capita anual entre 20 mil e 35 mil dólares daqueles situados abaixo da barreira dos 10 mil dólares. A estratégia de tornar as pessoas mais felizes aumentando suas rendas aparentemente não funciona.
Por outro lado, um indicador social que até agora parece estar crescendo de modo espetacular paralelamente ao nível de riqueza - na verdade, tão rapidamente quanto se prometia e esperava que aumentasse o bem-estar subjetivo - é a taxa de criminalidade: roubos a residências e de automóveis, tráfico de drogas, suborno e corrupção no mundo dos negócios. E cresce também uma incômoda e desconfortável sensação de incerteza difícil de suportar, e com a qual é ainda mais difícil conviver permanentemente. Uma incerteza difusa e "ambiente", ubíqua mas aparentemente desarraigada, indefinida e por isso mesmo ainda mais perturbadora e exasperante...
Essas descobertas parecem profundamente decepcionantes, considerando-se que precisamente o aumento do volume total de felicidade "do maior número de pessoas" - um aumento provocado pelo crescimento econômico e por uma ampliação do volume de dinheiro e crédito disponíveis – foi declarado, durante as últimas décadas, o propósito principal a orientar as políticas estabelecidas por nossos governos, assim como as estratégias de "política de vida" colocadas em prática por nós mesmos, seus súditos. Também serviu de régua principal para medir o sucesso e o fracasso de políticas governamentais, assim como de nossa busca da felicidade. Poderíamos até dizer que nossa era moderna começou verdadeiramente com a proclamação do direito humano universal à busca da felicidade, e da promessa de demonstrar sua superioridade em relação às formas de vida que ela substituiu tornando essa busca menos árdua e penosa, e ao mesmo tempo mais eficaz. Podemos perguntar, então, se os meios indicados para se alcançar essa demonstração (principalmente o crescimento econômico contínuo, tal como mensurado pelo aumento do "produto nacional bruto") foram escolhidos erroneamente. Nesse caso, o que exatamente estava errado nessa escolha?
1. Ann Rippin, "The economy of magnificence: Organiza-tion, excess and legitimacy", Culture and Organizationn.2, 2007, p. 115-29.
2. Max Scheler, "Das Ressentiment im Aufbau der Mora-len", in Gesammelte Werke, vol.3, Berna, 1955, aqui citado segundo a edição polonesa, Ressentyment i Moralnosc, Czy-telnik, 1997, p.49.
3. Ibid.,p.41.

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