sexta-feira, 9 de março de 2012

Fernando Pessoa: Do Contraditório como Terapêutica de Libertação (trecho)




Segue trecho de uma reflexão do poeta português Fernando Pessoa:

   Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre permanentemente coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser imutável é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
   A coerência, a convicção, a certeza absoluta são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. 
    Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de flexibilizar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predileções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.

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