quinta-feira, 1 de março de 2012

Para entender a Crise Econômica, 2ª Parte




- Apesar do alerta, todos foram enganados?

- Todos os gurus do neoliberalismo, com o senhor Allan Greenspan à frente, diziam: “o que é preciso é o mercado agir sozinho, nada do Estado regulamentando, nada de intervenção, nenhuma instituição do Estado é mais eficiente que o mercado”. Disseram isso ao Brasil (e FHC assinou embaixo, daí o desmonte do Estado brasileiro configurado nas privatizações) e disseram isso no Congresso americano. O que é bom para o capital financeiro é bom para o mundo. E na audiência no Congresso, o presidente da instituição disse ao Greenspan: “o senhor com essa ideologia nos prejudicou e estamos todos a pagar um preço alto. O senhor não tinha meios para evitar essas consequências?” Respondeu Greenspan: “Não, eu pensava que o não intervir era a melhor opção”... O que levou à réplica óbvia do presidente da instituição: “Então, parece que o senhor se enganou” e o Greenspan, guru nos neoliberais, finalmente disse: “Tenho de reconhecer”.

- E é ainda em Marx que se encontra a melhor explicação para a crise?

-  Eu penso que Marx ainda é o melhor autor que compreendeu o capitalismo. Sem chegarmos ao Marx não compreendemos nada do que se passa. Essa é uma crise tal qual Marx caracterizou as crises do capitalismo. É uma crise que resulta de contradições profundas do capitalismo. Quanto mais o capitalismo estiver livre do Estado, como sonham os neoliberais, e das pressões externas – como o desaparecimento da União Soviética – mais ele se convence que pode tudo.

- Como o fim da União Soviética contribuiu para esse assoberbamento ainda maior do capitalismo?

- O capitalismo se convenceu que tinha sua eternidade garantida. Dizia-se entre os neoliberais estupidamente que a queda do Muro de Berlim marcava “o fim da História”. Passou-se a permitir ao capital todas as liberdades, inclusive, as liberdades que matam, bem como aquilo que o próprio Keynes já havia descrito: o capitalismo tem dois vícios fundamentais, ou produz duas contradições fundamentais: Gera situações de desemprego involuntário e dá origem a desigualdades insuportáveis. E essas duas contradições são bastante prejudiciais ao desenvolvimento da própria economia...

- Que desigualdades são essas?

- As desigualdades de rendimento, as desigualdades de rendas. São duas contradições fundamentais. Essa desigualdade do rendimento só tem se acentuado nos últimos anos e de certa forma pode-se afirmar que a crise foi programada.

- Esse problema começou a se agravar quando?

- Há uns 20 anos, por toda a parte, a ideologia neoliberal vinha procurando reduzir o salário real dos trabalhadores (veja-se aqui no Brasil que o aumento do salário mínimo, um dos menores do mundo, traz a crítica de partidos neoliberais, como o PSDB e do empresariado neoliberal e da mídia atrelada a estes), contrariando toda a teoria econômica do século XVIII. Há estudos da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da ONU, da OCDE, além de inúmeros estudos científicos de diversos autores, todos mostrando que as desigualdades têm se acentuado, não só entre os países, mas até mesmo dentro de cada país, inclusive nos mais ricos.

- E não se pode ignorar a importância do trabalho na economia, seja qual for o seu estágio de desenvolvimento...

- É claro que aqui há uma falta de compreensão enorme de que o capitalismo não leva a sério a grande massa da população. E que são os trabalhadores que têm que comprar o que se tem para vender. Essa é a contradição: diminuir o salário de quem é comprador, porque se não venderem não há lucro, não há mais-valia em termos marxistas. Se se esgota, se se reduz o poder de compra dos trabalhadores, está cavada a tumba do capitalismo porque a produção fica sem destino.

- Esse rebaixamento dos salários também se verifica no primeiro mundo?

- Isso também se verifica nos Estados Unidos. Em função da “desterritorialização”  industrial, o capitalismo, em seu afã do lucro máximo, fugiu para todas as chinas possíveis do mundo produtivo. Uma prova disso é que nos últimos anos, o PIB, mantém-se, mas as estatísticas de desemprego são crescentes, porque o crescimento econômico pelas vendas de produtos fabricados em outro0s países não traz o crescimento do emprego interno exatamente porque as atividades industriais não estão mais nos Estados Unidos. O que se verifica é o crescimento do setor terciário (comércio e serviços) com salários muito baixos, em profissões marginais. Isso tudo se vê na Europa, nos Estados Unidos, em toda a parte. A crise se resume a isso: o desvio das poupanças para fins meramente especulativos em prol de uns poucos e, com isso, o fomento da desigualdade de renda e, portanto, da diminuição do poder de compra da população.

- Aliás, grandes industriais americanos sempre defenderam o fortalecimento do poder de compra de seus trabalhadores...

- O próprio Ford comentou: “eu preciso que meus próprios trabalhadores comprem meus próprios automóveis, senão em qualquer dia não poderei mais vende-los.” Num tempo de produção em série, em massa, é preciso um consumo de massa. Não se pode viciar as pessoas apenas em endividar-se, porque numa altura dessas as pessoas não podem pagar.
- Como a Europa mantendo essa consciência crítica deixou-se contaminar?
- Ai é que está: a Europa, atualmente, não tem essa consciência crítica. Quem tem sou eu e eu não sou a Europa. Eu creio que a União Europeia acabou sendo a maior obra do mundo neoliberal. Os tratados estruturantes da União Europeia reproduzem, infelizmente, os dogmas mais fundamentais de toda a falida ideologia neoliberal. Basta irmos ao Banco Central Europeu, sobretudo a partir do tratado de Maastricht com a criação da EU, do sistema europeu de bancos centrais, da moeda única e do chamado pacto de estabilidade e crescimento, que impõem limites em termos de inflação, dívida publica e termos de déficit das contas públicas.

- O senhor se referiu ao Banco Central europeu. O que é que o distingue dos demais?

- O nosso BC europeu é o mais independente de todo o mundo e seus estatutos estão centrados nos tratados europeus, o que significa que só podem, em teoria, ser alterados através de acordo entre os 27 estados membros da UE o que, segundo muita gente, é o maior crime que já se cometeu, pois impede mudanças urgentes. Os estatutos do BC europeu são a coisa mais neoliberal que se pode conceber. O Banco Central Europeu, por conta de seus estatutos, não pode emprestar dinheiro ou garantir dívidas ou de nenhum modo ajudar efetivamente países em dificuldades.

- O que fez o BC europeu, então?

- Emprestou dinheiro aos Bancos Privados a 1% de juros e estes emprestaram aos Estados – Grécia, Portugal, Irlanda – a 10%, 12%, 13%.

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