sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A Intolerância Evangélica e o avanço do obscurantismo




Carlos Antonio Fragoso Guimarães



"A história é um profeta com o olhar voltado para trás: Pelo que foi e contra o que foi anuncia o que será"

Eduardo Galeano

"Ai de vós, hipócritas: porque rodeais o mar e a terra para fazerdes um seguidor! E depois de o teres feito, o fazeis em dobro ainda mais digno do inferno do que vós!"

Jesus Cristo

Não há muito tempo, no máximo uns 50 anos, o mundo vivia uma expectativa primaveril de esperanças... Surgia a revolução das mentalidades dos anos 60... A Terra era azul, os Beatles davam seus primeiros passos rumo à elaboração de lindas canções.... Leonard Bernstein levava a música clássica aos jovens... Estes, lendo e vendo filmes "cabeça" aderiam à crítica de uma sociedade aparentemente "certinha" mas que promovia desigualdades sociais, raciais e políticas, e começaram a ir às ruas questionar as imposições de uma guerra do Vietnã, de uma divisão entre brancos e negros, entre ricos e pobres.... No lado espiritual, jovens padres e pastores esclarecidos desenvolviam a bela e libertária Teologia da Libertação e levaram esperança e educação à comunidades esquecidas ou desprezados pelo status quo tradicional dominante. Havia um clima de frescor e esperança no ar... o futuro parecia glorioso...

Mas as utopias acabaram... A revolução das mentalidades foi solapada pela reação conservadora e pela insidiosidade do capitalismo e os yuppies, financiados pelos bancos e pelos conservadores, passaram por cima dos ideais dos anos 60 a início dos 80.... Vieram os Reagans, as Teatchers, os Bushes.... Wall Street tomou conta de tudo e de todos.... O Mundo, em vez de mais humano com a tecnologia, ficou mais mecanicista, mais frio... O Neoliberalismo reduziu pessoas a entes consumidores e produtores... As pessoas só valem pelo seu poder de compra e nada mais. Empregados deixaram de ser gente para serem entes descartáveis na produção. As utopias cairam.... e a liberdade sói se torna válida se for para o consumo... Pensar por si só é desanconselhado, na prática, pela mídia.... Daí uma fome de ser "guiado", de que digam o que fazer, de que digam o caminho mais fácil para ser "salvo", senão aqui, em algum outro lugar.... Daí, então, o retorno dos fundamentalismos.... a estupidez mais explícita a tomar o poder no mundo. O que começou como manifestação espontânea e jovial das pessoas foi tomado pelo mercado e transformado em produtos fabricados para o consumo. A mídia passou a dar voz a "especialistas" que pretensamente sabem mais do que os demais. Ninguém quer mais a liberdade de ser autônomo e, assim, responsável por seus próprios atos e escolhas, aceitando por ocerência a liberdade da convivência entre diferentes. O sucesso alienador dos evangélicos no Brasil mostra que as pessoas querem as coisas ouvir as coisas mais infantis e fórmulas prontas que prometam "vitória", "sucesso", "riqueza" fácil, o que indica que poucos querem usar a cabeça e ter uma espiritualidade realmente espiritual acima e além das mesqunharias das religiões institucionalizadas. Estas, pregando o exclusivismo e a intolerância começam a desconsiderar a democracia e a ciência (especialmente Darwin e a Lei, não mais teoria, da evolução das espécies. Sobre as tentativas evangélicas de imporem "aulas" que questionam a teoria de Darwin, clique aqui).

A liberdade e democracia implicam maturidade e tolerância, implica a aceitação do pensamento diverso ao meu, a possibilidade de se aceitar mesmo traços suaves e uma relativização entre o bem e o mal. A estupidez, não: ela é definida, maniqueísta, dualista, exclusivista, briguenta. A burrice não tem fraturas. A burrice alivia - o erro é sempre do outro. Esta é a burrice da imbecilidade de que fala Arnaldo Jabor: a burrice que dá mais ibope, é mais fácil de entender, a que dá mais dinheiro por ser mais “comercial”. A imbecilidade burra parece até uma forma perversa de “liberdade”. É a multiplicação da ignorância pelos novos "doutores da Lei" vendedores de ilusões, dos "pastores" dos valores, das vendas, das quinquilharias e dos dízimos a alienarem as pessoas, transformando-as em agentes infernizadoras das demais que não engolem esta mesma imbecilidade. É, enfim, a burrície rica e politicamente poderosa que destrói eventos contrários, abertos, tolerantes, como o Encontro da Nova Consciência, pelo encontro do ódio disfarçado de religião evangélica no tal Encontro para a Consciência Cristã....

A Paraíba esteve na vanguarda do pensamento sistêmico integrativo e tolerante com seu pioneiro Encontro para Nova Consciência, evento macro-ecumênico e filosófico que reune pensadores de diversas vertentes espirituais e científicas para a torca sadia de idéias e de convívio fraterno, verdadeiro exemplo de tolerância e paz. O evento se destaca por congregar, no mesmo espaço e de forma fraterna, pessoas de diferentes tradições espirituais e religiosas, cientistas e céticos em uma partilha de diálogo e de idéias enriquecedoras para todos. Pois bem, este bem sucedido evento passou a ser atacado e solapados pelos fundamentalistas evangélicos que, com sua bancada na câmara e na assembléia, passou a desviar recursos para um evento paralelo deles, chamado de Encontro para a Consciência "Cristã". Esta surgiu, nas  palavras de um de seus fundadores, como meio de refutação do primeiro. É a lógica do vírus que destroi o diferente para se reproduzir. Vejamos o brilhantismo intelectual e moral de um destes pastores reacionários em discurso encontrado no site do movimento-seita da "consciência 'cristã' ":


É verdade que o evento emerge dentro do contexto do Nordeste do Brasil, especificamente na cidade de Campina Grande, no momento em que se realizava o VIII Encontro Esotérico intitulado Encontro para a Nova Consciência - Uma Cultura Emergente, como os organizadores a denominaram. Houve nesta conjuntura uma grande preocupação relacionada ao destino da Igreja Cristã Evangélica, pois ninguém havia se levantado até aquele momento para refutar e comparar em nível de reflexão teológica e apologética cristã os ensinos perniciosos que submergia a comunidade campinense como um todo atingindo já naquela época 48 eventos paralelos.

A perplexidade e angústia já haviam chegado ao coração de muitas pessoas reivindicando da Igreja Evangélica de Campina Grande uma tomada de posição firme quanto à invasão esotérica em nossa cidade. A princípio não se sabia como fazer para criar uma estratégia eficaz, não somente para combater os ensinos distorcidos da Nova Era, como também trazer diretrizes seguras para a comunidade quanto aos ensinos de uma Teologia Cristã sadia. Aconteceu somente em fevereiro de 1999 o I Encontro Para
a Consciência Cristã quando os alunos do Instituto Teológico Superior de Missões - ITESMI, sob a nossa direção, que dirigíamos pela orientação e urgência do Espírito Santo de Deus, aceitaram o desafio de enfrentar não somente as dificuldades de recursos financeiros, mas também de recursos humanos.

No início houve crítica, falta de compreensão e de ajuda por parte de muitos, porém, não era hora de olhar para as circunstâncias e sim exercer a fé em Deus que opera nas coisas impossíveis. Aí entra a disponibilidade do homem. Por isso, quero destacar a pessoa do pastor Euder Faber Guedes Ferreira, que nos instantes decisivos, acreditou plenamente na visão de Deus, que estava brotando, e largou seu emprego secular para se dedicar integralmente à grande causa prioritária do Reino de Deus. Quero trazer à memória de nossos caros leitores que foi muito difícil para implantarmos o I Encontro Para a Consciência Cristã, no entanto, o milagre aconteceu.

Não obstante, a razão do Encontro Para a Consciência Cristã não somente abrange a cidade de Campina Grande em seu contexto esotérico de evento anual, mas prepara a igreja contra os falsos ensinos que se alastram em nosso território nacional e também em outras regiões do mundo ocidental e oriental. O pluralismo religioso será certamente o maior desafio da Igreja Cristã neste novo milênio. Não temos dúvidas que por trás de tudo isto está o Império da religião ecumênica liderada pelo seu grande mentor, o Anticristo.
 


É esta, portanto, a qualidade do discurso fundamentalista atual: a da imbecilidade narcísica e exclusivista, enfim, de quem não tolera o diferente e se faz de profeta e salvador apenas para calar as poucas dúvidas ainda existentes na sua cabeça cada vez mais vazia, dizendo que quem pensa livremente pensa com o diabo, enquanto seus discursos levam seus cofres a encherem de "doações", dízimos e pagas diferencidas.... Já vimos isto antes e ainda vemos em outras culturas e aqui mesmo. Já vimos Reverendos Moons, Jim Jones, TFPs ou, aqui mesmo e mais recentemente, o casal da Renascer, as práticas mercantis de um Edir Macedo e um Silas Mafalaia, o racismo preconceituoso e golpista de um Jair Bolsonaro ou as ações de um Pastor Mefistofélico (que até dava grande apóio ao tal encontro da "consciência cristã").

Eles pensam deter a verdade e acham poder engarrafar a divindade em garrafas mágicas a serem comercializadas e quando os atos hipócritas saltam aos olhos e perdem qualquer lógica argumentativa, pensam encerrar o assunto dizendo que os que questionam estão com o diabo, no final o melhor aliado para situações de cheque em que eles se possam achar (o que prova que eles são bem menos monoteístas do que apregoam, posto que aceitam a existência de algo que compete com o próprio Deus). E Deus, para eles, é algo que se possa possuir. No caso, de um modo tão mesquinho e exclusivista quanto eles. Sobre isso bem fala o pensador Rubem Alves:


Dizendo-me religioso os outros logo pensam que sou adepto de alguma religião, alguma igreja institucionalizada. Eles imaginam que as religiões e as igrejas são semelhantes aos supermercados: lugares onde a gente vai se abastecer de mercadorias sagradas, pagando por elas. Para eles, ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas ou pertencer a religiões seria o mesmo que dizer que me abasteço de verduras, frutas, legumes, carnes, leite, cereais sem fazer compras.

Daí não entenderem que eu possa ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas. De fato, eu não pertenço a grupo religioso algum. Meus sentimentos nada têm a ver com igrejas e rituais religiosos. Talvez eu devesse simplesmente dizer que sou místico sem religião. Se os religiosos disserem que isso não é possível, que é preciso ter uma religião, eu lhes direi que não há indicações de que Deus tenha concordado em se tornar numa mercadoria a ser distribuída com exclusividade pelos seus supermercados religiosos. Deus é livre como o Vento pelo menos foi isso que Jesus disse. Claro que há religiões que dizem que o Vento só pode ser obtido engarrafado. Elas se acreditam como distribuidoras de Vento engarrafado. Uma religião que afirme que o sagrado é um monopólio seu está dizendo que ela conseguiu engarrafar o Vento, que ela conseguiu por o Vento sob seu controle. E isso é idolatria. Os teólogos medievais sabiam que o finito não pode conter o infinito, e que o espírito que vive está acima e além de textos escritos em uma época que não é a nossa e que precisam ser contextualizados para se perceberem o que possuem de espiritual.

Mas são bem poucos os que têm maturidade espiritual para pensar assim. Infelizmente o retrocesso avança rumo a uma nova etapa de obscurantismo relgioso, da letra que mata o espírito que vivifica (sobre o problema do fundamentalismo literal biblicista, clique aqui).


Neste sentindo, será que estas plavras de Jesus, que transcrevemos de Mateus23:24-28, endereçadas aos hipócritas de todos os tempos, também não se fariam mais atuais hoje, especialmente pelos que se consideram os únicos "cristãos" reais?
Condutores cegos! que coais um mosquito e engolis um camelo.

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de iniqüidade.

Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo.

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.

Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.

Este, enfim, é o mundo bizarro do fundamentalismo onde impera a imbecilidade capitalista, cujo espírito é tão entrelaçado com a ética evangélica (e suas muitas prvisões fajutas de fim do mundo)que se multiplica pela falta de senso crítico através de promessas imediatistas e pela sedução superficial midiática que, infelizmente, campeia mais e mais... até quando, meu Deus? Até quando?

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