quarta-feira, 15 de julho de 2020

Reflexões Sobre a Presença Retrógrada dos Evangélicos na Politica Brasileira, por Marcos Vinicius de Freitas Reis


 "Essa mudança de perspectiva dos pentecostais, se deu pelo fato de tais políticos acharem que a estrutura do arcabouço burocrático estatal poderia oferecer condições para a expansão de suas Igrejas e, assim, diminuir a hegemonia do catolicismo na sociedade brasileira, além de aprovar leis de cunho moralistas de acordo com a doutrina de suas instituições religiosas, a exemplo da proibição do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo."

Jornal GGN:
Agência Brasil

Religião e Sociedade na Atualidade

Reflexões Sobre a Presença dos Evangélicos na Politica Brasileira

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

No governo de Figueiredo (1979-1985 ), foram acentuados os sinais de fracasso das medidas econômicas adotas pelos militares no decorrer da ditadura brasileira. A economia brasileira deparou-se com: inflação elevada, aumento da dívida externa, arrocho salarial (perda do poder de compra da maioria da população), desemprego e aumento dos problemas sociais. Ressaltamos que o país mobilizou-se na campanha pelas Diretas Já. Vários segmentos sociais da população brasileira, órgãos de comunicação e outras instituições vão às ruas protestar contra a administração dos militares e reivindicar a volta das eleições diretas para a Presidência  da República, assim como a volta da democracia. Paralelamente a isso, inicia-se o movimento suprapartidário em favor da aprovação da emenda constitucional denominada Dante de Oliveira, que restabeleceria a eleição direta para a Presidência da República. Mas a emenda foi derrotada na Câmara dos Deputados por não alcançar o número mínimo de votos para ser aprovada.
Gradativamente, elementos importantes para constituir uma democracia foram sendo adotados pelas elites brasileiras: tivemos a ampliação da liberdade de expressão partidária, religiosa, anistia a presos políticos, eleições livres e diretas para diversos cargos públicos, permissão de segmentos sociais a se organizarem em associações e sindicatos.
Para que a redemocratização fosse finalizada, fez-se necessária a elaboração de uma nova Constituição para o Brasil. Para isso, foi realizada uma Assembléia Nacional Constituinte (ANC), composta por deputados e senadores e presidida pelo ex-deputado federal Ulysses Guimarães, que culminaria, em 1988, na promulgação da nova Constituição do Brasil.
No decorrer das discussões proferidas na ANC para a formulação das novas leis brasileiras formou-se o “Centrão”. Constituído por uma parcela dos parlamentares do PMDB, pelo PFL, PDS e PTB, além de outros partidos menores, este segmento foi apoiado pelo poder Executivo e representante das tendências mais conservadoras da sociedade, e conseguiu influir decisivamente na regulamentação dos trabalhos da Constituinte e no resultado de votações importantes, como a duração do mandato de Sarney (estendido para cinco anos). A maioria dos parlamentares vinculada à bancada evangélica teria sua atuação na ala conservadora do famoso “Centrão”  e reviveria a Confederação Evangélica Brasileira (CEB), com o intuito de conseguir recursos financeiros das repartições públicas para investir na atuação política desses congressistas evangélicos. Uma característica que marcou a ANC foi que vários setores da sociedade foram estimulados a dar sua contribuição. Esses grupos puderam influenciar nas decisões dos constituintes e, assim, reivindicar seus interesses. Um dos grupos que mais se destacou na atuação da Assembléia Nacional Constituinte foi o evangélico. Vários representantes de Igrejas Evangélicas foram eleitos. Freston (1993) enumera alguns dos principais políticos religiosos que se destacaram entre 1987 e 1992: o ex-Deputado Federal Arolde de Oliveira (PFL-RJ), da Igreja Batista, o ex-Deputado Federal Daso Coimbra (PMDB-RJ), ligado à Igreja Congregação Cristã, o ex-Deputado Federal João Fagundes (PDS-RS), membro da Igreja Metodista, o ex-Deputado Federal Rubens Dourado (PTB- RJ), pertencente à Igreja Presbiteriana, e a atual Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ), vinculada à Igreja Assembleia de Deus.
Esses políticos evangélicos participaram das mais variadas comissões que foram criadas na Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração da Constituição de 1988. A concentração desses políticos deu-se em duas comissões: Família, do Menor e do Idoso e Ciência, Tecnologia e Comunicação. A primeira, como o próprio nome já nos diz, tratava de assuntos relacionados a políticas públicas para as famílias, à questão da criança e dos idosos, e a segunda temática estava relacionada aos meios de comunicação e ao desenvolvimento tecnológico. Percebemos, portanto, que há interesse da bancada evangélica pelos assuntos pertinentes à família e aos meios de comunicação. O interesses desse grupo religioso por estes temas deu-se pelo objetivo da conquista de concessões de rádio e TV para suas igrejas e da aprovação de temas ligados à família patriarcal.
A partir desses interesses, concluímos que vários desses políticos evangélicos praticavam atitudes fisiológicas e se autoproclamavam fisiologistas. O autor recorre ao episódio da discussão sobre a ampliação do mandato de cinco para seis anos do presidente Sarney. Este, para obter a maioria dos votos no Congresso Nacional para aprovação desta lei, fez um acordo com a “bancada evangélica”. O Governo Federal daria concessões de rádios e TV para esses grupos religiosos expandirem suas atividades evangelizadoras e, em contrapartida, o grupo deveria votar favoravelmente a esta lei. Tal fato repercutiu amplamente nos principais meios de comunicação da época, sujando a imagem dos políticos pentecostais.  Essa prática fisiologista ressalta que o fato de os políticos evangélicos terem aceitado este acordo reforça a estratégia dessas igrejas para atrair mais adeptos por meio dos veículos de comunicação.
Por mais que a maioria dos congressistas evangélicos defendessem temáticas conservadoras e se reunissem esporadicamente para traçar estratégias conjunta de atuação nas comissões, podemos observar que a atuação desses parlamentares não foi feita de forma homogênea. Havia aqueles que tinham posições mais esquerdistas, a exemplo de Benedita da Silva, que defendia interesses dos homossexuais e a legalização do aborto. Outro assunto que foi muito polêmico e dividiu a bancada evangélica foi a questão da reforma agrária. Fonseca (2002) salienta que vários políticos se posicionaram contrários à questão por se tratar de uma bandeira católica e, caso fosse aprovada, poderia representar dificuldades no crescimento dos evangélicos no Brasil, uma vez que poderia diminuir o êxodo rural.
Fazendo um balanço geral da atuação dos evangélicos na ANC, mediante as divergências perante os diversos temas, concluiu que houve avanços na legislação no quesito liberdade religiosa: a maioria se posicionava contra a prática do aborto, contra os benefícios para a comunidade homossexual e a censura.
No que diz respeito à representação dos evangélicos na Câmara dos Deputados, nas eleições de 1986, os evangélicos tiveram uma representação e atuação significativa na arena política. Nesse ano, foram eleitos 33 Deputados Federais evangélicos. Em 1990, foram eleitos 22. Em 1994, foram 31, chegando a 53 Deputados Federais nas eleições de 1998. Em 2000, houve um total de 59 Deputados Federais. Em 2002, conseguiram eleger-se 73. Em 2006, elegeram-se 43 e, em 2010, 64. Para as eleições majoritárias, os evangélicos apoiaram Iris Rezende (PMDB-GO), que conseguiu ser eleito para o governo do Estado de Goiás (tentou ser candidato à Presidência da República nas eleições de 1989, mas perdeu as prévias internas no PMDB – seu partido até então), apoiaram Collor nas eleições presidenciais em 1989 e outros políticos no Estado do Rio de Janeiro (Antony Garotinho (PR) e Marcelo Crivella (PRB)).
Podemos classificar em cinco fases a presença dos evangélicos na política nacional. A primeira é de 1946 a 1951, guiada pelo pastor metodista Guaracy Silveira. A segunda fase foi de 1951 a 1975, com predomínio dos presbiterianos. A terceira fase foi de 1975 a 1987, organizada pelos batistas. A partir de 1987 até 1990 foram os políticos da Assembleia de Deus e, de 1990 até os dias atuais, temos um pluralismo de evangélicos na política. Com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
As igrejas pentecostais, até a década de 1980 possuíam uma postura apolítica. Ou seja, estavam preocupadas com seus projetos evangelizadores, empreendedores e midiáticos. Porém, em 1986, formou-se a primeira bancada evangélica no Congresso Nacional. Ideologicamente, eram diferentes e pertencentes a diversas Igrejas, havendo pequena maioria da Assembleia de Deus e suas bases eleitorais diferentes. Eram conhecidos como “políticos de Cristo”, e representavam os interesses de suas Igrejas. Esses políticos têm origem social nas camadas populares e, como candidatos oficiais de Igrejas, sua atuação parlamentar sempre possui vínculo com essa base e as filiações estão em diversos partidos.
Essas igrejas, para conseguirem voto dos seus fiéis, lançaram o slogan “Irmão vota em Irmão”. A partir desta frase, os templos evangélicos orientavam seus membros a votarem em pessoas que suas respectivas igrejas apoiavam. A justificativa dada era a de que esses candidatos eram os mais preparados para levar novamente a moralidade à política brasileira. Em outras palavras, os eleitores evangélicos são instruídos a depositarem sua confiança em políticos que, teoricamente, defenderiam os interesses da doutrina professada nas instâncias públicas. Este discurso foi uma maneira de os políticos religiosos formarem, e posteriormente, consolidarem uma base eleitoral a partir do apoio de lideranças evangélicas, que, em troca, exigiriam benefícios públicos para suas denominações religiosas.
Essa mudança de perspectiva dos pentecostais, se deu pelo fato de tais políticos acharem que a estrutura do arcabouço burocrático estatal poderia oferecer condições para a expansão de suas Igrejas e, assim, diminuir a hegemonia do catolicismo na sociedade brasileira, além de aprovar leis de cunho moralistas de acordo com a doutrina de suas instituições religiosas, a exemplo da proibição do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ressaltamos que três foram as motivações que ocasionaram a participação dos evangélicos na política brasileira no final do século XX. A primeira delas foi a “Descoberta da sua forma social”, ou seja, pelo aumento do número de adeptos. A segunda foi a “Busca de legitimidade e prestígio social”, com o intuito de expansão de seus templos e influência sobre os diversos setores da sociedade. E, por  último, “o acesso ao poder  para  facilitar  a evangelização/proselitismo”. Segundo este autor, os evangélicos se intitulam como perseguidos, discriminados, mal compreendidos pelos meios de comunicação e marginalizados, e vêem o acesso à política como forma de reverter esta imagem. Nas eleições de 1989, os evangélicos entraram com força total. Criticaram Lula, candidato à Presidência pelo PT, por ter como meta de governo a implantação do comunismo, perseguição às Igrejas pentecostais, acabar com a liberdade religiosa e de expressão e reconduzir o catolicismo como religião oficial do país. Por outro lado, Collor era visto comohomem de Deus, honesto e culto . Em 1994, os evangélicos se dividiram no apoio a Lula e a FHC em 1998, apoiaram a reeleição de FHC e, em 2002, no primeiro turno, apoiaram Garotinho, no segundo, Lula.
Em 1990, surge, no meio evangélico, o Movimento Evangélico Progressista (MEP), com o intuito de mudar o perfil do político evangélico. Tinha a imagem de corrupto e fisiologista. Este movimento fomentava a imagem de um parlamentar que era conservador em aspectos teológicos e progressista na arena política, constituindo-se um bloco informal e suprapartidário.
Outro órgão que foi criado em 1991 para combater a imagem fisiológica dos evangélicos foi a Associação Evangélica Brasileira (AEVB). Fonseca (2002) afirma que a AEVB lançou o documento “Decálogo do Voto Ético”, que fornecia subsídios para o público evangélico  nas eleições para a escolha dos candidatos dos diversos cargos do executivo e do legislativo sem a predileção por candidato ou partido especifico, e se posicionando claramente contra o clientelismo e o fisiologismo. A IURD não aceitou os direcionamentos da AEVB e criou um organismo paralelo (com o apoio da Igreja Assembléia de Deus), chamado Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB), para disputar espaço com a AEVB. No entanto, a CNPB não conseguiu a mesma evidência social e visibilidade no meio evangélico para a mediação de assuntos políticos nas instâncias públicas e teve a sua presença esvaziada.
Neste contexto, a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1970 pelo Bispo Edir Macedo, apresentou um crescimento significativo de políticos eleitos para diversos cargos apoiados pela sua Igreja. O sucesso eleitoral da IURD se deu pelo modelo corporativista “candidatura oficial”. Seus representantes são escolhidos pelas lideranças da igreja e usam os cultos, meios de comunicação e grandes eventos religiosos para propaganda eleitoral e marketing político. Outra estratégia adotada é dividir a cidade em pequenos distritos e cada distrito será destinado para um candidato da igreja fazer propaganda. Dessa forma, nenhum entra no distrito do outro e elegem-se vários políticos na mesma legislatura. Os políticos estão distribuídos em vários partidos e, com ampla força eleitoral, possuem grande poder de barganha junto aos partidos quando necessitam de algo.
Ressaltamos que os políticos dessa igreja são conhecidos como tementes a Deus, honestos e preocupados com os pobres. A Igreja, com seu apoio institucional, sua influência e apelo entre os fiéis, ajuda os políticos na obtenção de votos. O candidato torna-se conhecido ou reafirma sua boa imagem junto ao público. Em outras palavras, o sucesso da IURD nas eleições deve-se ao seu fortalecimento institucional, uso intensivo da mídia e discursos religiosos sobre os problemas sociais do Brasil, alegando que o país precisa de uma nova moral no meio público, combater a corrupção, resgatar a cidadania e expulsar o mal da política (que seriam os políticos ladrões e os métodos ilícitos de administração). Para isso, o bem seria representado pelos políticos da IURD que conduziriam o Brasil para a moralização da vida pública e o seu desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, o voto iurdiano é ressignificado. Não é apenas um ato da cidadania do brasileiro, mas sim uma arma que as pessoas possuem para vencer os maus políticos e eleger os políticos de Cristo.
Outra estratégia muito adotada pelo iurdianos é o fato de seus políticos fazerem parte do jogo político para lutarem contra o diabo que está aprovando leis e usando o dinheiro público para que a sociedade não tenha progresso e não diminua as desigualdades sociais.
Salientamos que esse discurso sobre a ética da atuação dos políticos na esfera política marcou as estreitas relações entre IURD e o PT a partir das eleições de 2000. Nas atividades religiosas desta Igreja, em alguns veículos de comunicação eram proferidos discursos que afirmavam que o Partido dos Trabalhadores era sinônimo da ética, de pessoas que iriam lutar contra a corrupção e o fisiologismo, elaborar projetos de lei e políticas públicas parar diminui a desigualdade social dos brasileiros.
O modelo bem-sucedido de “fazer política” da Igreja Universal do Reino de Deus tem sido adotado pelas mais diversas denominações religiosas. A cada eleição, pastores e leigos – apoiados pelas suas respectivas igrejas – têm se filiado aos mais variados partidos políticos em busca do sucesso eleitoral. Essa adesão cada vez maior de Igrejas Evangélicas ao processo eleitoral e, consequentemente, ao seu sucesso, está relacionada com mudanças do panorama religioso vivenciado no Brasil nas últimas décadas.
Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: marcosvinicius5@yahoo.com.br

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