sexta-feira, 8 de maio de 2020

O "Brazil".... O País da delicadeza perdida... e/ou da Liberdade suspeita.... pelo jurista e Prof. Geraldo Prado


Aquele País da delicadeza perdida, de que nos fala Chico Buarque de Holanda, Chico também um "suspeito" defensor da liberdade, País que fora controlado e massacrado por uma ditadura civil-militar, entre 1964 e meados dos 80, não se reencontrou com a liberdade em 88.

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O País da delicadeza perdida... ou o País da liberdade suspeita

Um dia nossos netos olharão para o passado e o cenário deste início de século XXI, tanto no Brasil como no resto do mundo, lhes parecerá desolador.
Somos hoje a sociedade da liberdade suspeita. Advogados e defensores públicos que requerem a liberdade de seus clientes e patrocinados, que lutam por ela, são suspeitos. Promotores de Justiça e Procuradores da República que não se deixam açular são suspeitos.
Magistrados que deferem a liberdade são suspeitos. Delegados de Polícia que restituem ao preso ilegal a liberdade são suspeitos.
Ainda quando a prisão ilegal, como método e estratégia de atuação de nossas agências de repressão, é confessada, reparar a ilegalidade configura uma atitude suspeita.
E a suspeita, nesta sociedade desconfiada de todos, do conhecido, do colega de trabalho, do amigo, do vizinho e até do próprio parente, converte-se em valor supremo, que demite quem suspeita de ter que demonstrar que a prisão era merecida, estava adequada à lei (a Constituição) e que o ato de devolver a liberdade a alguém, este sim, configurou ato ilegal porque deferiu a liberdade a quem haveria de estar preso!
Nossos netos perguntarão em vão como seus pais e avós chegaram a este ponto. Afinal, a democracia e os direitos humanos não venceram a Guerra Fria? A ditadura brasileira não havia ficado para trás, para antes de 1985?
A liberdade, então, não era um direito? A liberdade constituía, a priori, um impedimento a que se responsabilizassem as pessoas por infrações que eventualmente cometeram? Não havia requisitos e critérios legais para determinar os casos em tese excepcionais nos quais a prisão seria necessária?
Antes de se suspeitar da liberdade, as pessoas não procuravam saber se a prisão era um abuso de poder?
As pessoas de um futuro não muito distante terão dificuldade de compreender a diferença entre o antes e o depois de 85, no Brasil.
Aquele País da delicadeza perdida, de que nos fala Chico Buarque de Holanda, Chico também um "suspeito" defensor da liberdade, País que fora controlado e massacrado por uma ditadura civil-militar, entre 1964 e meados dos 80, não se reencontrou com a liberdade em 88.
A liberdade permaneceu na condição de indigna de confiança... acusados de tráfico de drogas devem ficar presos e a sua liberdade é suspeita; acusados de homicídio também; acusados sem crime (imputato senza imputazione, como advertia Foschini na Itália do fim dos 60), a novidade da Lava-Jato no Brasil, uma operação midiático-jurídica em busca de um crime, mas que se prestou a um golpe de estado brando, igualmente devem ser encarcerados.
A presunção de inocência foi degolada na guilhotina da luta política conduzida pelos oligopólios da comunicação social, salvo raríssimas exceções.
Pelo visto, todos devem ser presos... e toda liberdade é suspeita. Há talvez, nas sociedades autoritárias, um Simão Bacamarte escondido em cada um de nós.
A questão que apenas o futuro responderá é esta: será que este Simão Bacamarte conseguiu perceber o sentido da sua própria alucinação autoritária antes de destruir as bases da nossa comunidade?
Não é indelicado lutar por liberdade. Afinal, delicadeza e liberdade andam juntas ou se perdem juntas.
Este é um texto a um tempo contra a estupidez dos autoritários convictos, um convite às pessoas para que reflitam sobre suas condutas autoritárias e uma homenagem a todos os defensores da liberdade.
* Geraldo Prado é Jurista de Resistência, Professor Doutor de Processo Penal da Faculdade Nacional de Direito, Desembargador aposentado, Advogado

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