quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A Silenciosa Morte da Democracia ante o terrorismo fascista e as aberrações dos bolsonaristas, por Alexandre Sant’Ana




Um dos autores mais lidos no mundo, o brasileiro Paulo Coelho, desabafou via Twitter que “se os terroristas que atacaram o Porta dos Fundos não forem imediatamente punidos, isso vai empurrar o país para conflito de proporções gigantescas”
Do Jornal GGN:

A Silenciosa Morte da Democracia

por Alexandre Sant’Ana

Em 2016, uma igreja evangélica na Indonésia foi atacada com coquetéis molotov e quatro meninas ficaram feridas – uma delas, de 2 anos, não resistiu e faleceu. Obviamente, (como não poderia deixar de ser) o ataque covarde foi chamado de ato terrorista, causado por um “terrorista islâmico”, como definiu o site Gospel Prime[1], que, segundo o site cristão Portas Abertas, jogou uma “arma química incendiária”[2] sobre as crianças.
Quando o atual presidente do país levou uma facada durante a campanha, três entidades da classe dos delegados federais e civis de São Paulo não demoraram em classificar o ataque como um “ato de natureza terrorista” inadmissível dentro do Estado Democrático de Direito e “que afronta os princípios mais básicos da democracia”[3]. O próprio Bolsonaro gravou um vídeo no hospital afirmando ter sido vítima de um ataque terrorista orquestrado pelo PSOL[4]. Para o PSL então, em post compartilhado por um dos filhos do candidato, o atentado terrorista ao atual presidente poderia ser comparado ao trágico “11 de setembro” (no qual morreram 2977 pessoas)[5].
Levando em conta estas duas situações acima e a negação por parte da polícia civil carioca de chamar o atentado ao “Porta dos Fundos” de terrorismo,  surgem algumas questões: O que é terrorismo? Só é terrorismo quando morrem pessoas? Para ser terrorismo precisa envolver um político importante? Terrorismo só quando é cometido por um islâmico ou contra políticos e grupos de direita ou conservadores?
Para Guilherme de Jesus France, mestre em história, política e bens culturais, e em direito internacional, autor do livro “As Origens da Lei Antiterrorismo no Brasil”, classificar o ataque ao grupo “Porta dos Fundos” como terrorismo pode banalizar ainda mais o termo, já tão banalizado pela direita brasileira, que qualifica até o MST como organização terrorista. Ele cita os três requisitos básicos para um ato ser enquadrado como terrorismo: 1) ser previsto em lei; 2)ser motivado por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião; 3) provocar terror social ou generalizado. Segundo ele, o ataque foi motivado por homofobia e contra a liberdade de expressão, que estão fora “das possíveis motivações (previstas em lei) para atos terroristas”. Mesmo não concordando em chamar de terrorismo, ele afirma que o atentado faz parte de um contexto maior de crescimento da violência oriunda da extrema direita contra minorias[6].
De acordo com o jurista Walter Faganiello Maierovitch – que não gostou do episódio de Natal do grupo de comediantes – “A melhor definição que se tem de terrorismo […] é a de um sociólogo italiano chamado Domenico Tosini. Ele diz que o alvo direto do ato de violência terrorista não é o alvo principal”. Por conta disso, o ataque ao “Porta” foi sim terrorismo, pois o alvo direto seria a “liberdade de expressão”[7].
Um dos autores mais lidos no mundo, o brasileiro Paulo Coelho, desabafou via Twitter que “se os terroristas que atacaram o Porta dos Fundos não forem imediatamente punidos, isso vai empurrar o país para conflito de proporções gigantescas”[8]. Também pelo Twitter, o blogueiro Felipe Neto seguiu a mesma linha, deixando clara a sua indignação com o “ATENTADO TERRORISTA cuja repercussão se deu em jornais do mundo todo” e chamando o Presidente e seu Ministro da Justiça de canalhas, pois o silêncio de ambos sobre o ataque seria “um incentivo para outros atentados”[9]. Sakamoto também atacou este silêncio, que “se espalha como um vírus, infeccionando a democracia e oferecendo a fundamentalistas religiosos, fanáticos políticos, racistas, fascistas, incels, milicianos ou imbecis mal-intencionados a certeza da impunidade para que imponham mais medo”[10].
Para Reinaldo Azevedo não existe dúvida: foi um ato terrorista e devia ser classificado como tal. Segundo ele, definir de outro modo é dourar a pílula e “infelizmente, há quem evite chamar a coisa pelo nome porque prefere que Moro fique longe da investigação — a exemplo do que vê no caso dos respectivos assassinatos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes”[11].
Terrorismo ou não, o ataque à produtora do “Porta dos Fundos” foi algo extremamente grave, repercutido até em mídias internacionais importantes, como o New York Times, nos Estados Unidos, o Independent, na Inglaterra, e o Clarín, na Argentina[12]. O ato covarde, sem dúvida nenhuma, além de homofóbico, representa um atentado à liberdade de expressão e deixa evidente que a extrema direita perdeu o medo; os extremistas estão sentindo-se livres para atacarem violentamente quem eles consideram inimigos.
Tudo isso em nome de Deus, desejando impor um tipo de ditadura teocrática e militar aos moldes de “The Handmaid’s Tale”. Em 1984, ano do lançamento do livro, o enredo parecia algo totalmente distópico e distante da realidade, mas o modelo está cada vez mais perto de nós, pois no contexto atual cresce “a projeção de ódio contra muitos grupos” e “extremistas de toda denominação expressam seu desprezo às instituições democráticas”[13]. Pior de tudo é a lentidão destas mesmas Instituições Democráticas no enfrentamento a este autoritarismo conservador. O Presidente e seu Ministro da Justiça permanecerem calados, ou deputado de extrema direita apoiando o ataque, (infelizmente) não surpreendem mais. Entretanto, existem outras instituições que deveriam proteger o Estado Democrático de Direito e não é de hoje que elas também permanecem caladas demais, encolhidas no canto e com o rabo entre as pernas. Deste modo silencioso, nossa fraca Democracia – já tão defeituosa e desigual – permanece doente e correndo sério risco de morte.
Alexandre Sant’Ana – Historiador

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor

Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá... Aqui há um espaço para seus comentários, se assim o desejar. Postagens com agressões gratuitas ou infundados ataques não serão mais aceitas.