quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A internacional capitalista impôs o seu candidato, por Álvaro Verzi Rangel é codiretor do Observatório em Comunicação e Democracia (OCD) e do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Com apoio das equipes de investigação do OCD e do CLAE.




A internacional capitalista encontrou em um ex-militar xenófobo, misógino e homofóbico chamado Jair Bolsonaro a figura para conquistar a Presidência do Brasil através dos votos, diante da incapacidade dos golpistas de 2016 para realizar as reformas estruturais que garantam a nula intervenção do Estado nas relações capital-trabalho e nas transações comerciais e financeiras, o “mercado livre” em estado puro.

O trabalho para impor esse discurso no imaginário coletivo dos brasileiros, imersos em uma profunda crise com mais de 13 milhões de desempregados, começou há mais de uma década, a partir dos think tanks do movimento ultraliberal, um enorme financiamento e a ativa participação das igrejas evangélicas, que tiveram um papel crucial na campanha eleitoral e na construção do imaginário coletivo cheio de golpes baixos e fake news (mentiras), como é habitual nesta época de pós-verdade.

A internacional capitalista existe, é organizada pelo movimento libertário de extrema direita, ou os ultraliberais (em inglês, são chamados de libertarians). Obviamente, está muito bem financiada, graças a um imenso conglomerado de fundações, institutos, ONGs, centros e sociedades unidas entre si por conexões difíceis de detectar, entre os quais se destaca a Atlas Economic Research Foundation, ou Rede Atlas.

No Foro Latino-Americano da Liberdade, organizado pela Rede Atlas, que aconteceu no luxuoso hotel Brick de Buenos Aires, em maio de 2017 – com a presença do presidente argentino Mauricio Macri e do escritor peruano-espanhol Mario Vargas Llosa –, os debates abordaram a temática de como derrotar o socialismo em todos os níveis, desde as batalhas campais nas universidades até a mobilização de um país para abraçar a destituição de um governo constitucional, como aconteceu no Brasil.

Quando uma das crises estruturais do capitalismo se fez sentir, em meados dos anos 70, a operação desta rede de intelectuais já se encontrava bastante avançada. Um dos seus campos de experimentação foi o Chile do ditador Augusto Pinochet, levado ao poder pelo golpe de Estado de 1973, promovido pelos Estados Unidos. Daí por diante passaram a proliferar artigos, livros, entrevistas radiofônicas e outros materiais críticos ao conceito de Estado de bem-estar, e esse material foi globalizado pela rede de terrorismo mediático dos grandes conglomerados cartelizados.

Independente das causas reais que impulsaram a socialdemocracia a instaurar o Estado de bem-estar nos países do centro capitalista, especialmente na Europa ocidental, o que contrariava o capitalismo era a regulação das relações capital-trabalho, as políticas redistributivas e os serviços de educação e saúde gratuitos, além da fortaleza dos sindicatos e das organizações populares.

Com os governos de Margaret Thatcher no Reino Unido, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, vieram os processos de privatização, desindustrialização, desregulação, estrangeirização e demolição do Estado de bem-estar, o que significava sobretudo desregular o mercado de trabalho. Mas seu maior sucesso foi, como expressou a própria Thatcher, o de fazer até mesmo os partidos socialdemocratas europeus se converterem ao credo neoliberal – além do britânico Tony Blair, o espanhol Felipe González também foi um exemplo destacado dessa virada de casaca.

As atividades da Rede Atlas começaram em 1981, na cidade de San Francisco, a partir de um sujeito chamado Anthony Fisher, que começou a desenhado o emaranhado de redes e fundações que o público percebia como instituições acadêmicas e imparciais. Logo, cresceram as filiais – com diferentes nomes – em outros países, especialmente os da América Latina e da Europa Oriental, após o fim da União Soviética.

Em 1991, a direção da Atlas passou às mãos do argentino-estadunidense Alejandro Chafuen, que havia apoiado o golpe militar de 1976 na Argentina e desde então dedica sua vida à destruição dos movimentos e governos progressistas na América Latina.

Gigantes corporativos como a ExxonMobil e Mastercard se uniram aos doadores da Atlas, que se “prestigiou” com figuras destacadas entre os ultraliberais, como as fundações associadas com o investidor John Templeton (fundos abutre) e os megamilionários irmãos Charles e David Koch. Assim começaram a surgir as numerosas fundações e organizações conservadoras que hoje compõem a rede.

A administração de Donald Trump está repleta de ex-alunos de grupos relacionados com a Atlas e amigos da rede. Sebastian Gorka, assessor islamofóbico de contraterrorismo de Trump, dirigiu um grupo de reflexão respaldado pela Atlas na Hungria. O vice-presidente Mike Pence já assistiu a eventos da Atlas. A secretária de Educação estadunidense Betsy DeVos liderou (junto com Chafuen) o Instituto Acton, um grupo de reflexão de Michigan que desenvolvia argumentos religiosos a favor das políticas dos ultraliberais, e que agora mantém uma filial no Brasil, o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista.

Mas a figura principal da rede hoje é Judy Shelton, economista que assumiu a direção da Fundação Nacional para a Democracia (NED, por sua sigla em inglês), após ser conselheira da campanha de Trump. Para Chafuen, o caminho está traçado: mais grupos de reflexão, mais esforços para dizimar governos esquerdistas e mais devotos e alunos da Atlas elevados aos mais altos níveis de governo em todo o mundo.

Entre outras atividades, a Rede Atlas produz vídeos virais no YouTube que difundem a propaganda ultraliberal, para contribuir com a reconfiguração do mapa político da América Latina – funcionando, portanto, como um braço da política imperialista estadunidense.

Vários líderes ligados à Atlas obtiveram notoriedade ultimamente: ministros do governo conservador argentino, senadores bolivianos e dirigentes do Movimento Brasil Livre (MBL) que ajudaram a derrubar a presidenta constitucional Dilma Rousseff.

A rede ajudou a alterar o poder político em diversos países e se tornou uma extensão da política exterior dos Estados Unidos – os think tanks associados à Atlas são financiados pelo Departamento de Estado e pela NED organismo importante do soft power estadunidense, patrocinado pelos ultraconservadores irmãos Koch.

A NED e o Departamento de Estado contam com entidades públicas que funcionam como centros de operação e distribuição de parâmetros e fundos, como a Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF, em sua sigla em inglês), a Freedom House e a Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (conhecida como USAid), e são os principais entes que estipulam as diretrizes e os recursos, exigindo resultados concretos na guerra assimétrica que promovem.

A Rede Atlas conta com 450 fundações e grupos de reflexão e pressão, e com um orçamento operativo de 5 milhões de dólares (2016), graças às contribuições de organizações “sem fins de lucro” associadas, que apoiaram as diferentes frentes estabelecidas em cada país como o MBL no Brasil e a Fundação Pensar na Argentina, que foi o principal think tank da Atlas no apoio ao partido PRO (Proposta Republicana), criado por Mauricio Macri; além das forças de oposição na Venezuela e o candidato da direita nas eleições presidenciais chilenas, Sebastián Piñera.

Ao todo, a Rede Atlas possui 13 entidades afiliadas no Brasil, 12 na Argentina, 11 no Chile, 8 no Peru, 5 no México e na Costa Rica, 4 no Uruguai, Venezuela, Bolívia e Guatemala, 2 na República Dominicana, Equador e El Salvador, e uma na Colômbia, no Panamá, Bahamas, Jamaica e Honduras.

Os líderes do MBL e os da Fundação Eléutera – um grupo de “especialistas” neoliberais extremamente influente no cenário pós-golpe hondurenho – receberam financiamento da Atlas e formam parte da nova geração de figuras políticas que passaram pelos seminários de treinamento nos Estados Unidos.

A extrema direita “moderna” é o movimento libertário de extrema direita, que hoje navega sob a bandeira do republicanismo, e que baseia o seu acionar numa deliberada estratégia de desinformar as maiorias para impor suas políticas plutocráticas.

O impulsor deste movimento é o multimilionário Charles Koch, que adotou a tese de James McGill Buchanan – economista da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de economia de 1986 – para desarmar o Estado progressista, com uma estratégia operativa em defesa da santidade dos direitos de propriedade privada e da superação dos modelos estatais. Segundo ele, para que o capitalismo prospere é preciso cercear a democracia.

Entre as organizações mais importantes financiadas por Koch está o Centro Internacional para a Iniciativa Privada (CIPE, em sua sigla em inglês), filiado à NED. O CIPE teve um papel primordial no crescimento e na difusão das ideias da Rede Atlas, além de ser uma das forças principais que atuam para manter os diferentes membros conectados em todo o mundo.

No Brasil

As entidades que trabalharam juntas para atacar as políticas distributivas do Partido dos Trabalhadores (PT) manipularam um grande número de escândalos de corrupção, criaram centros acadêmicos e treinaram ativistas para o combate permanente nos meios e através das redes sociais, para dirigir a maior parte da revolta contra Dilma Rousseff, exigindo sua derrubada e o fim das políticas de bem-estar social.

Os meios internacionais comparam a revolta brasileira com o movimento estadunidense Tea Party, devido ao apoio tácito dos conglomerados industriais locais e uma nova rede de atores midiáticos de extrema direita e tendências conspiratórias. Helio Beltrão, executivo de um fundo de investimentos de alto risco que agora dirige o Instituto Mises (recebeu o nome do filósofo ultraconservador Ludwig von Mises), diz que, com o apoio da Rede Atlas, agora existem cerca de 30 instituições no Brasil “sem fins de lucro” atuando e colaborando entre si, como é o caso do MBL.

Entre elas, pode-se destacar:

– O Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista do Rio de Janeiro, um think tank religioso da Atlas que desenvolve argumentos teológicos para políticas que beneficiem os empresários e os negócios. O centro reproduz o modelo do Instituto Acton. Seu diretório editorial inclui Alejandro Chafuen e o advogado Ives Gandra da Silva Martins, que preparou o ofício para o processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, e os argumentos da defesa para impedir um processo semelhante contra o seu sucessor, o golpista Michel Temer.

– O instituto Millenium, think tank jurídico, também do Rio de Janeiro, que promove atividades para favorecer soluções de livre mercado no Brasil. O grupo foi fundado em 2006 e recebe financiamento de várias grandes corporações com sede no país: Bank of America, Merryll Lynch, Grupo RBS, Gerdau e Am-Cham Brazil, o grupo de empresas estadunidenses no país. O Instituto Millenium foi particularmente ativo na promoção das manifestações de rua contra a presidenta Dilma Rousseff.

– O Instituto Liberal, fundado em 1983 por Donald Stewart Jr., magnata da construção e ativista libertário, que fez boa parte da sua fortuna com contratos ligados à USAid no Brasil, durante a ditadura militar. Este instituto estava entre os primeiros sócios da Rede Atlas na América Latina. Foi financiado parcialmente pela NED e pela CIPE.

É como um time de futebol: a defesa é a academia e os políticos são os atacantes. No meio de campo estão os que produzem conteúdo cultura, e são os encarregados do manejo midiático e da desinformação e manipulação da opinião pública.

Essas entidades patrocinam blogueiros e comentaristas incendiários, entre eles Rodrigo Constantino, conhecido como o Breibart brasileiro – Breitbart News Network é um portal de ultradireita abertamente libertário e pró Israel, criado pelo empresário Andrew Breitbart, durante uma visita a Tel Aviv, em 2007. Constantino polariza a política brasileira com uma retórica ultra sectária. Propenso a permanentes teorias conspirativas, ele preside o Instituto Liberal e popularizou uma narrativa segundo a qual os defensores do PT seriam uma “esquerda caviar”, ricos hipócritas que abraçam o socialismo para se sentir moralmente superiores, mas que na verdade desprezam as classes trabalhadoras que afirmam representar.

A “breitbartização” do discurso é apenas uma das muitas formas sutis pelas quais a Rede Atlas influi no debate político.

Fernando Schüler, acadêmico e colunista associado ao Instituto Millenium, se encarrega de atacar os 17 mil sindicatos do país, e afirma que “com a tecnologia, as pessoas poderiam participar diretamente, organizando por WhatsApp, Facebook e YouTube uma espécie de manifestação pública de baixo custo” (é o que ele entende como participação popular).

A Rede Atlas se dedica precisamente a isso: oferecer bolsas e ajudar para novos grupos de reflexão e laboratórios de ideias, com cursos realizados em todo o mundo, dedicando recursos especiais para induzir os libertários de ultradireita a influir na opinião pública através das redes sociais e vídeos online.

Conclusão

É verdade que o desempenho da direita no primeiro turno eleitoral foi impressionante e trouxe surpresas, como a eleição de figuras identificadas com o bolsonarismo nos governos estaduais e em cargos do Legislativo. Há três semanas, o quadro eleitoral estava definido, com as candidaturas de centro e de esquerda (não opostas ao PT de Lula da Silva) com 42% dos votos, enquanto a soma dos candidatos anti PT mostravam quase 57,6%.

Hoje, há uma consciência no Brasil de que Bolsonaro é apenas o cartão de visitas de algo muito maior, o ultraliberalismo transnacional. O segundo turno será no dia 28 de outubro e apresenta às forças de esquerda o mesmo desafio: construir um bloco democrático, vital para defender a democracia e frear o fascismo.

Álvaro Verzi Rangel é codiretor do Observatório em Comunicação e Democracia (OCD) e do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Com apoio das equipes de investigação do OCD e do CLAE.

Do estrategia.la
Tradução de Victor Farinelli
No Desacato

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