segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A religião matou Jesus e ameaça Francisco



Do Blog Caminho para Casa, de Mauro Lopes:


O teólogo espanhol José Maria Castillo escreve artigo (publicado na manhã deste domingo no site Religión Digital) no qual desnuda a oposição entre a religião e o ensinamento de Jesus:
 “(…) se lemos e analisamos os evangelhos com atenção e detidamente, o que neles encontramos é algo que não apenas nos surpreende, mas nos desconcerta. Trata-se do desconcerto que nos produz o fato de que o conjunto de relatos sobre a vida e ensinamentos de Jesus deixa patente que a religião, como conjunto de leis e rituais, templos, altares e sacerdotes, não aguenta o Evangelho (Boa Nova) e, por isso mesmo, é incompatível com o Evangelho.”
Ele denuncia: os que mataram Jesus são os mesmos que odeiam o Papa Francisco. “A estes, a religião é ótima.”
Leia a íntegra a seguir (a tradução é de minha autoria – Mauro Lopes):
Daniel Bonell, A Crucificação 2 (2000/2005)
É curioso (e chama a atenção) o fato de que a palavra religião (thrêskeia), em seu significado óbvio de “serviço sagrado a Deus”, não é mencionada no Novo Testamento. A palavra “religião” aparece na carta de São Tiago (Ti 1,26-27), mas para dizer que “a religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisso: socorrer os órfãos e as viúvas em suas tribulações”.
Como já se disse muito bem, o cristianismo, fundamentalmente, não exige um comportamento cultual especial  (W. Radl: Dic. Exeg. NT, vol. I, 1898). Para o NT, a “religião” como culto sagrado, liturgia, ritual ou conjunto de observâncias ou dogmas, não existe nem tem presença ou razão de ser. É um assunto do qual não se fala. Não se menciona uma só vez em todo o NT.
Porém não é isto o mais forte. O mais decisivo, neste assunto tão fundamental, é que, se lemos e analisamos os evangelhos com atenção e detidamente, o que neles encontramos é algo que não apenas nos surpreende, mas nos desconcerta. Trata-se do desconcerto que nos produz o fato de que o conjunto de relatos sobre a vida e ensinamentos de Jesus deixa patente que a religião, como conjunto de leis e rituais, templos, altares e sacerdotes, não aguenta o Evangelho (Boa Nova) e, por isso mesmo, é incompatível com o Evangelho.
Se algo é claro –e repetido tantas vezes nos evangelhos- é que os homens da religião não aguentaram o Evangelho de Jesus. E não o suportaram porque os homens da religião viram, no Evangelho de Jesus, um perigo e uma ameaça de vida ou morte.
Foi o que se viu no Conselho Supremo (Sinédrio) quando os dirigentes religiosos viram que o projeto de Jesus centra-se na defesa da vida, como ficou evidente quando Jesus devolveu a vida a Lázaro (não que o tenha “ressuscitado” para a “outra vida”, mas  o fez recuperar “esta vida”).  O projeto dos homens da religião, por seu turno, é defender e manter seu templo, seus ritos e normas, suas dignidades e privilégios, seus poderes sobre o povo (Jo 11, 47-53).
Isto explica por que Jesus pôs sempre em primeiro lugar a cura dos doentes, a presença com os pobres, os pequenos, os pecadores e a todo tipo de gente depreciada e rechaçada pelos dirigentes religiosos. Esta foi a prioridade de Jesus, quebrando as normas da religião, enfrentando seus sacerdotes e atuando com violência contra aqueles que utilizavam o templo como negócio até convertê-lo num covil de bandidos.
Como é lógico, a sequência prolongada de enfrentamentos acabou como era previsível e inevitável naquela sociedade: a religião matou Jesus. É possível dizer com mais clareza que a a religião é incompatível com o Evangelho?
Porém, se isso é assim, como se explica que, neste momento e durante tantos séculos, a religião tenha estado mais presente que o Evangelho na Igreja e na sociedade?
A resposta é: a religião confere poder, importância, fama, enquanto o Evangelho é vivido a partir da fragilidade, do que é marginalizado e excluído. Por isso, a religião faz você viver em segurança, enquanto o Evangelho (vivido de verdade) obriga-nos a viver na insegurança.
Tudo isto foi se transformando na vida da Igreja. E por isso, nela, debilitou-se o Evangelho e se foi potencializando a religião. Já no século II, o clero separou-se e se sobrepôs aos leigos. No século IV, com a suposta conversão de Constantino, a Igreja passou a receber privilégios. A partir de Teodósio, em 381, além de privilégios, também passou a receber dinheiro. Os ricos começaram a entrar em peso na Igreja, em geral para cumprir com funções de liderança como bispos e escritores cristãos (Padres da Igreja e teólogos). A Igreja organizou-se e geriu-se a partir dos ricos e poderosos (Peter Brown, “Por el ojo de una aguja”, pg. 1034).
Assim é que a Europa ficou marcada pela religião cristã, mas muito longe do Evangelho de Jesus.
Por mais estranho que pareça, agora mesmo estamos uma situação inesperada, uma oportunidade. A religião está aos pedaços e afunda. É verdade que há casos em que a política, o nacionalismo, a riqueza pretendem suprir o vazio da ausência da religião (cf. Juan A. Estrada).
Porém, mais forte e determinante é o anseio, o desejo de recuperar os valores evangélicos: que haja vida, humanidade, felicidade para todos. Nem a política, nem a tecnologia, nem a religião respondem a este anseio mundial, a este grito da terra, que a cada dia se faz mais forte e mais insistente. É a voz do Papa Francisco, o grande líder mundial que surgiu inesperadamente, tão mais presente quanto mais odiada por tantos clérigos (e seus acólitos), que, como os fariseus antigos, não suportam o Evangelhos. A estes, a religião é ótima.

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