quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O filme O Jovem Karl Marx de Raoul Peck e a verdade que a ignorância não quer ver


Assista o filme ao final do texto de Renan Kell
Fonte do texto: Contexto Livre
Chega ao Brasil o tão esperado lançamento cinematográfico O Jovem Karl Marx
 (Le jeune Karl Marx), dirigido pelo haitiano Raoul Peck, co-escrito com o 
francês Pascal Bonitzer. Sua primeira exibição foi em fevereiro deste ano no 67º 
Berlin International Film Festival, e recebe suas primeiras críticas do colunista 
Peter Bradshaw do jornal britânico The Guardian, que avalia em quatro das cinco 
estrelas.

Os três pilares
que sustentam a 
película estão 
no movimento
entre a vida, 
a obra de Marx, Engels
e Jenny e o momento 
histórico que vai 
desde o fechamento
do jornal 
A Gazeta Renana (1842)
até as formulações finais do 
Manifesto Comunista (1848). 
O enredo da película
data também os anos 
embrionários do nascimento
 da Liga dos 
Comunistas na Europa, e a atuação de August Diehl (Karl Marx) e Stefan Konarske 
(Friedrich Engels) nos permite um mergulho sem volta na vida, na obra e na cumplicidade 
de Marx e Engels. A câmera de Peck dispara em direção as contradições enfrentadas pelos 
filósofos, tanto no que tange a vida singular de cada um, quanto as polêmicas teóricas tendo 
como interlocutores o francês “pai” do anarquismo, Pierre Proudhon, interpretado por Olivier
 Gourmet, e também com o filósofo anarquista russo Mikhail Bakunin (Ivan Franek).

A evidência, o esforço e a centralidade que se propõe o diretor em desenhar o enredo 
buscando a constituição da nova filosofia, a filosofia da classe trabalhadora materializada
 no Manifesto Comunista e consequentemente na revolução que implodiu por toda Europa 
em 1848, vai desde as cenas iniciais até a finalização do longa-metragem. A sensibilidade 
e a justeza do diretor em caracterizar Jenny Marx (Vicky Krieps) constatando sua força, 
maturidade, responsabilidade e sua contribuição na teoria marxista não pode passar 
despercebida. O diretor evidencia Jenny diferentemente da costumeira caracterização 
que a filmografia hegemônica burguesa desenha o gênero feminino, como tendo um 
papel passivo nas decisões centrais.

A trama expõe que a constituição da nova filosofia da incipiente classe social operária 
proposta por Marx e Engels entra em choque, tanto com as propostas idealistas dos 
hegelianos de esquerda, quanto com as propostas reformistas que vê o salário e o dinheiro 
como o mal a ser combatido. Marx influenciado por Engels nos estudos de economistas 
clássicos como Adam Smith e David Ricardo, expõe uma crítica ontológica no âmago do 
próprio sistema capitalista, sendo estas vinculadas diretamente à categoria do 
trabalho e consequentemente à constituição da mercadoria (relações de produção). 
A lealdade do diretor Peck em moldar as críticas que Marx faz a Pierre Proudhon
desvinculando uma crítica à individualidade do filósofo e preservando a integridade 
nas contribuições tão valiosas que perpassa a obra do filósofo francês.

"Ao longo do filme é possível compreender os esforços de Marx e Engels em desferir
 a crítica ao “velho mundo” e à filosofia ultrapassada, onde aparece excertos de obras 
como Sobre a Questão Judaica, Crítica da Filosofia do Direito 
de Hegel, A Miséria da Filosofia"

Um dos aspectos escritos nas entrelinhas do enredo se encontra na abordagem de 
caracterizar a genialidade do homem em sua intrínseca vinculação com a natureza 
(desmistificando). O evidenciar do estranhamento que constitui o imaginário dos 
marxistas dogmáticos, e a errônea “religião” que foi atribuída ao nome de Marx e Engels,
 cai por terra em seu regurgitar pelas ruas de Paris, em sua constituição enquanto 
homem de seu tempo, e não como um Messias que trouxe a salvação à Terra. 
O que afirmamos está longe de uma caracterização moral das falhas do homem, 
cabe-nos atribuir-lhe características reais e concretas e caracterizar sua 
constituição enquanto partícipe e atuante no cerne da composição do ser social, 
muito mais do que conferir-lhes atributos dualista-maniqueístas,
endemoninhado ou santificando-o.

O limite de um longa-metragem se faz presente em O Jovem Marx e não poderíamos 
deixar de salientar que seria necessárias horas e mais horas para constituir uma obra 
cinematográfica que abarcasse todos os pormenores tanto na vida, quanto na obra 
de Marx e Engels. Porém os roteiristas e o olhar atento do diretor nos permite compreender
o nascimento da filosofia da classe trabalhadora, e como ela se constitui através de mãos 
humanas e não santificadas ou endemoninhadas como querem alguns. A amizade de 
Marx e Engels assim como a sublime importância de Jenny nos ensina que é 
possível a constituição de relações combativas interconectadas umbilicalmente com a 
constituição mais humana entre as relações, rejeitando ferozmente a tão valorizada 
individualidade burguesa e possibilitando uma comunhão real e concreta entre a classe 
trabalhadora pois como afirma Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista:
 “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”.

Renan Kell é estudante de Ciências Sociais da Unesp-Marília e membro do Núcleo de Estudos de Ontologia 
Marxiana (Neom-Unesp) e ex-membro do Coletivo Cine Ocupa também na universidade.
No Vermelho


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