sábado, 1 de julho de 2017

Francisco avança: conservadores desalojados do controle da Cúria romana. Texto de Mauro Lopes


Em menos de uma semana, Francisco avançou celeremente para desalojar os conservadores do comando da Cúria romana e reafirmar sua liderança sobre o Vaticano e a Igreja. Demitiu nesta sexta (30) o cardeal alemã Gerhard Müller da superpoderosa Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição ou Santo Ofício); antes, havia aceitado o pedido de licença (leave of absence) do cardeal George Pell da Secretaria para a Economia para que ele vá à Austrália defender-se de pesadas acusações de pedofilia. No caso de Pell, ninguém em Roma acredita que ele retomará o posto.
O Papa, Müller e Pell: o Vaticano muda como nunca
Em menos de uma semana, Francisco avançou celeremente para desalojar os conservadores do comando da Cúria romana e reafirmar sua liderança sobre o Vaticano e a Igreja. Demitiu nesta sexta (30) o cardeal alemã Gerhard Müller da superpoderosa Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição ou Santo Ofício); antes, havia aceitado o pedido de licença (leave of absence) do cardeal George Pell da Secretaria para a Economia para que ele vá à Austrália defender-se de pesadas acusações de pedofilia. No caso de Pell, ninguém em Roma acredita que ele retomará o posto.
A relação entre o Papa e os conservadores pode ser definida pelo ditado: “os cães ladram e a caravana passa”. Francisco até hoje não reclamou, não respondeu, não retrucou publicamente a um dos seguidos e estrepitosos ataques dos conservadores rebelados contra seu papado. Em silêncio, move as peças do tabuleiro, como um refinado enxadrista jesuíta. O cardeal alemão foi afastado também  da presidência da Pontifícia Ecclesia Dei (responsável pelas relações com os ultraconservadores lefrevianos), da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional.
É um jesuíta o sucessor de Müller na Congregação da Fé: o cardeal espanhol Luis Ladaria Ferrer, atual secretário da congregação –seu nome foi anunciado na manhã deste sábado (1) oficialmente pelo  Vaticano.  Ladaria, sucessor de Müller, está longe de ser um dos cardeais progressistas do círculo mais íntimo de Bergoglio, mas não se admite no Vaticano que ele possa manter a Congregação como um bastião conservador em Roma. Ao contrário, espera-se fidelidade de Ladaria a Francisco e o fim dos tempos da Congregação para a Doutrina da Fé como “polícia” da Igreja, apoio às ações contra os abusos de crianças e jovens e abertura ao protagonismo feminino.
Müller tornou-se um dos arautos do conservadorismo na Cúria ao confrontar-se publicamente com o Papa depois dos dois sínodos sobre a família de 2014 e 2015 e especialmente depois da Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), de 2016. Müller tornou-se, no interior da Cúria, o porta-voz dos quatro cardeais dos “dúbia”, os quatro barulhentos liderados pelo americano Raymond Burke. Francisco atua com paciência. Em vez de confrontar-se abertamente com Müller, esperou o fim de seu mandato de cinco anos como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé –não irá renová-lo. Isso não quer dizer, entretanto, uma espera passiva: o Papa já havia, nos últimos meses, modificado significativamente a liderança do ex-Santo Ofício, com nomeações de pessoas de sua confiança para a liderança da estratégia congregação.
Outra área de atrito de Müller com o Papa foi sua abordagem leniente em relação aos casos de pedofilia. Francisco praticamente decretou uma intervenção na Congregação para a Doutrina da Fé ao nomear como um dos dirigentes do órgão o cardeal franciscano Sean O’Malley, presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores instituída em 2014 e que vinha tendo sua ação cerceada pelo prefeito agora demitido.
O tema do combate à pedofilia no interior da Igreja está de fato no olho do furacão desta rodada de mudanças na cúpula da Igreja.  A presença do australiano Pell como “czar da economia” vaticana vinha sendo criticada não apenas por sua gestão, mas por sua ligação com  os milhares de casos de abusos sexuais do final do século XX que vieram à tona e são objeto de um vigoroso processo da Justiça da Austrália. Pell foi inicialmente acusado de acobertar clérigos abusadores. E foi o principal personagem de uma cena dramática e em tudo lastimável: foi vaiado por dezenas de vítimas de abusos em seu país ao deixar um hotel em Roma, em fevereiro de 2016, onde depusera por videoconferência diante da Comissão Real para Respostas Institucionais a Casos de Abuso Sexual Infantil da Austrália. Na época, Pell, alegou que sua saúde frágil o impedia de viajar à Austrália para depor –uma alegação que foi recebida com desconfiança. Agora, ele viajará a Melbourne para depor em18 de julho, pois as acusações são de que ele mesmo teria abusou de crianças e jovens.
O pedido de Pell para licenciar-se da Secretaria de Economia foi recebido com satisfação entre os auxiliares de Francisco, apesar de uma nota formal de solidariedade a ele. O Papa vinha dando sinais de profunda insatisfação com a gestão do ex “czar da economia” vaticana, que há um ano, enfraquecido, já não fazia jus ao título todo poderoso. De czar, Pell tornou-se um controlador das contas, ao longo dos três anos de seu mandato.  O “estilo empresarial” de Pell, com a contratação de consultorias internacionais a preço de ouro e executivos do mercado financeiro, com “alma de banqueiros”  não combinava em definitivo com a simplicidade franciscana do jesuíta Bergoglio.
O cardeal australiano colheu dois fracassos retumbantes em sua gestão: a incapacidade de estabelecer medidas eficientes de combate à lavagem de dinheiro e anti-financiamento do terrorismo no Banco do Vaticano; e a falta de compromisso com a transparência das contas do Vaticano – das 751 operações identificadas como suspeitas pela independente Autoridade de Informação Financeira (AIF) da Santa Sé desde 2015, apenas duas havia sido processadas pelo Promotor de Justiça, o “promotor” do Vaticano, até a saída de Pell. Um sinal fortíssimo do desprestígio de Pell foi o pedido de demissão em 20 de junho do auditor geral das contas da Santa Sé, Libero Milone, seu homem de confiança, que ele contratara em 2015.
E Robert Sarah?
Os “remanescentes” do tempo de Bento XVI vão deixando o governo da Igreja.
Com a queda de Müller, resta ainda a saída do cardeal Robert Sarah da Congregação para o Culto Divino –sua presença à frente do órgão encarregado da liturgia católica é uma das maiores contradições do papado de Francisco, pois o cardeal ganense é abertamente inimigo do Concílio Vaticano II e defende teses retrógradas como a primazia da missa em latim em pleno século XXI. Para ele, o rito da missa estabelecido pelos padres conciliares  seria responsável por “desastres, devastações e guerras” (aqui).
Francisco, assim como no caso Müller, vem “comendo pelas beiradas”:  nos últimos meses  o Papa destituiu Burke e Pell da direção da Congregação e, para escândalos dos conservadores, nomeou duas mulheres para o órgão, Donna Lynn Orsuto, professora do Instituto de Espiritualidade da Universidade Gregoriana e Valeria Trapani, professora de liturgia na Faculdade de Teologia São João em Palermo. Em  julho de 2016, Sarah fora publicamente repreendido por estimula os sacerdotes a celebrarem as missas de costas para a assembleia dos fieis, costume medieval abolido no Concílio Vaticano II.
Até quando ele ficará? Sua presença significa um retrocesso e engessamento para a liturgia católica, que havia se tornado florescente e complexa até lo inverno aberto por pela eleição de João Paulo II em 1978.

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