quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Cristo, assim como outros que lutaram pela paz, teve morte violenta por sua mensagem e vida questionarem o sistema de poder vigente




Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 Não é estranho, mesmo tragicamente contraditório, o fato de que os que mais fizeram em prol da paz, da justiça, da igualdade, libertação de consciências tenham tido quase sempre morte violenta? Ao menos, no Ocidente que se julga tão especial, isto tem sido quase que uma regra, mas não apenas aqui. Lembremos da morte trágica de Gandhi, que também foi violenta apesar de sua luta pacífica e de diálogo entre as diferenças.  

   A forma como tratamos os melhores homens e mulheres diz muito de nosso estágio evolutivo. Não é preciso expor exemplos inúmeros para confirmar isto. Basta alguns mais. Citemos, entre tantos, os de Sócrates, Jean Huss, Giordano Bruno, ou, mas recentemente, Martin Luther King, a injusta prisão de Nélson Mandela, entre outros casos assemelhados de perseguições a quem luta por justiça e igualdade social... Mas, sem dúvida, na História, talvez o mais conhecido e chocante dos casos tenha sido o de Jesus de Nazaré que, aliás, foi modelo para os citados acima no seu método de enfrentar as injustiças, com exceção de Sócrates e Buda que foram de uma época anterior. Dele sabemos que pregou e exemplificou o amor, a justiça, a irmandade entre todos os homens e mulheres e, com isto, expôs uma ética radical que, para o status quo de sua época - e também hoje -, era inaceitável e o levariam ao suplício.

 Independente de ter ou não Cristo a intenção de criar uma nova religião, não pode haver dúvidas de que ele pretendia despertar consciências, como o fizeram antes dele Sócrates, na Grécia, ou Buda, na Índia. E tal despertar não se faria apenas por uma aceitação "teórica" da paternidade de Deus. Tal realidade nos faz todos irmãos e só tem sentido na vivência ética da irmandade. É isto que fica explícito na doutrina original de Jesus resumida, pelos evangelistas, no famoso Sermão da Montanha, Aqui, destacamos o seguinte trecho do capítulo 25 do evangelho artibuído a Mateus, demonstrando , em sua linguagem poética muito útil para se gravar na memória, bem claramente que Cristo não separava a consciência do Reino de Deus de sua aplicação social na Terra:
34 Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; 
35 Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; 
36 Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver. 
37 Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? 
38 E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? 
39 E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? 
40 E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. 
41 Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; 
42 Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; 
43 Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. 
44 Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? 
45 Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. 
   Compare estas palavras com estas outras, também encontradas no evangelho atribuído a Mateus, capítulo 7:
21 Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. 
22 Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? 
23 E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade. 
24 Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; 
25 E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. 
26 E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; 
27 E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda. 
28 E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua doutrina; 
29 Porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas.
  Portanto, o "Reino dos Cèus" se advém de Deus e de sua justiça, haveria de ser aplicado igualmente sobre a terra. Ou, em outras palavras, o a perfeição da justiça celesta haveria de ser aplicada igualmente na Terra e seu exemplo de vida seria o paradigma disto. Afinal, "o Reino dos Céus está dentro de vós" (Lucas 17:20-21).

  Isto não impedia que o próprio Jesus fizesse críticas severas aos que deveriam, mais que todos, cumprir a Lei Moral do judaísmo, que já traz, no meio de tanta letra morta, as pérolas referentes à regra de Ouro: Fazer a outrem o que gostaria que se fizessem.

  As discussões por vezes quase violentas entre Jesus e os doutores da Lei do Templo são bem conhecidas, como igualmente conhecida é sua atitude de expulsar os vendilhões do templo. Justiça social e crítica à hipocrisia eram expressões do ensinamento de Cristo e foi isto que lhe faria seguir em rota de colisão com os interesses poderosos deste mundo e o resultado final todos conhecemos. Daí também o fato de que a ética radical de Jesus por vezes ficar encoberta pela letra nos escritos que sobre ele foram feitos, anos depois de sua morte sem que, no entanto, impedisse o despertar, ao menos nos três primeiros séculos, de pessoas de todas as classes sociais para a solidariedade e a crítica social, motivo das perseguições violentas aos cristãos até a época de Constantino. Infelizmente, a clareza revolucionária da mensagem original estaria sendo soterrada por uma série de encobrimentos dogmáticos e teológicos à medida que a Igreja se aproximava mais de César que do povo. Fica, então, uma pergunta: em nossa época de egoísmo exacerbado, individualismo e neofascismo galopante, como os poderosos de hoje tratariam Jesus Cristo?

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