Preso na década 90, Osmar Terra, no governo Temer, propõe modelo que Nova Iorque criou e, por piorar a situação, abandonou.
Do The Intercept, de Glenn Greenwald:
EM MEIO A CASOS de massacres dentro dos presídios brasileiros, surge o debate em busca de soluções práticas para a crise no sistema carcerário. Para o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, o certo seria fazer como Donald Trump e seguir as dicas do polêmico ex-prefeito de Nova Iorque Rudolph Giuliani.
Foi sob a tutela de Giuliani que a infame cadeia de Rikers Island bateu o recorde de superlotação, registrou casos de rebeliões e até troca de tiros entre detentos. Mas, segundo o ministro, este é o homem que tem a resposta para as superlotadas cadeias brasileiras. Também durante sua passagem pela prefeitura nova iorquina, o número de pessoas que recebem benefícios sociais diminuiu para menos da metade: de 1,1 milhão para 462 mil.
É esse o tipo de gestor que o líder da pasta de desenvolvimento social — antigo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome — tem como exemplo. E, sob sua alçada, encontram-se programas como o Bolsa Família e o Brasil sem Miséria.
“Nesse momento de epidemia da violência é muito bom ouvir quem conseguiu reduzir”, disse o ministro brasileiro em sua conta de Facebook. Giuliani ficou famoso pela redução de crimes na cidade durante sua passagem pela prefeitura, entre 1994 e 2001.
Ele implementou uma política de policiamento chamada “broken windows” (janelas quebradas), que defendia o combate ativo e agressivo até de pequenas infrações, como beber álcool ou urinar em locais públicos. Sem esse rigor, como defende até hoje o político americano, o respeito a todas as leis seria posto em risco e a criminalidade aumentaria. Daí veio o nome de “tolerância zero” para a política que, anos depois, também ficou conhecida como “incarceration mania” (mania de encarceramento).
O ex-prefeito de NY ainda se intitula o principal responsável pela redução da criminalidade novaiorquina, ignorando, assim, um declínio nos índices registrados em todo o país naqueles anos (e o fato que dois dos seus programas principais foram abolidos por serem inconstitucionalmente racistas e abusivos). Em sua conta de Twitter, o ministro brasileiro do Desenvolvimento Social também defendeu a “tolerância zero” como “a única política que funcionou nos EUA para reduzir a violência”.
O Inspetor Geral do Departamento de Polícia de Nova Iorque publicou uma pesquisa no ano passado que analisa 3,5 milhões de dados de policiamento na cidade entre 2010 e 2015. O resultado: no período, as prisões para pequenos delitos “diminuíram dramaticamente” sem “nenhuma correlação ao longo do tempo com qualquer aumento ou diminuição” de ofensas mais graves.
O relatório conclui ainda que as teorias apontando a tolerância zero como política de segurança pública efetiva “não se baseiam em evidências empíricas”.
A professora de direito penal Ana Claudia da Silva Abreu cita a política de tolerância zero como um exemplo de corrente retribucionista:
“Emprestando um caráter eminentemente totalitário às políticas criminais, o punitivismo retribucionista tem sido empregado com o condão de instrumentalizar, através da intervenção penal, a contenção dos desviados, funcionando como meio de opressão e dominação social.”
Nova Iorque agora está testando tribunais especiais que favorecem penas alternativas para crimes menos graves, como posse de drogas e outras infrações que antes eram o foco do projeto de tolerância zero. Mas, para Terra, essas são “soluções simples, elegantes e totalmente erradas”.
O ministro também afirmou que “os que pregam a liberação das drogas como fórmula não tem exemplos para mostrar!”, outro tiro fora do alvo. Portugal descriminalizou todas as drogas em 2000 sem que houvesse aumento da criminalidade e com uma redução em índices de overdose e de contaminação por HIV. A Suíça também adotou uma política “humana” de “redução de danos” e se tornou modelo mundial.
E nos estados americanos que descriminalizaram ou legalizaram a maconha existem várias estatísticas que apontam a redução na criminalidade juvenil, na sobrecarga do sistema policial e na taxa de overdose. Em contrapartida, o que aumentou — em centenas de milhões de dólares — foram os impostos recolhidos em decorrência das penalidades aplicadas.
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