sábado, 21 de novembro de 2015

Crise econômica foi alimentada artificialmente, diz diretor do Le Monde Diplomatique Brasil


Silvio Caccia Bava participou de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Silvio Caccia Bava participou de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Marco Weissheimer

Fonte: Sul 21
“Em toda a minha vida eu cresci em crises. Não há crise econômica no Brasil. O País tem US$ 370 bilhões de reservas em dinheiro”. A declaração de Abílio Diniz, um dos mais conhecidos empresários brasileiros, surpreendeu muita gente no último dia 2 de novembro e ajudou a colocar lenha na fogueira do debate sobre a real natureza da crise econômica que atinge o Brasil neste momento. Afinal, qual é o principal elemento causador dessa crise? Esta semana, uma declaração do economista Arminio Fraga, apontado como ex-futuro ministro da Fazenda, caso Aécio Neves tivesse ganho a eleição em 2014, disse em entrevista que a solução para a crise é de natureza política. Segundo ele, o impeachment de Dilma Rousseff seria “uma forma de destravar a crise”. Se é assim, qual é o elemento político que define e ilumina o atual momento econômico que vive o país?
Essa questão atravessou toda a palestra do sociólogo Silvio Caccia Bava, diretor e editor chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, que participou nesta quarta-feira (18) de um debate sobre a atual conjuntura econômica e política do país, no auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região. Organizado pelo Fórum21 e pelo Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), com apoio do SindBancários, o debate se concentrou em tentar entender melhor o foco político da crise que marca a conjuntura nacional hoje. Silvio Caccia Bava concordou com o diagnóstico de Abílio Diniz sobre a natureza política da crise e identificou um processo de construção artificial de uma crise econômica, a partir de um conjunto de vozes na mídia e na academia, iniciado ainda no final de 2014, logo após o final das eleições presidenciais que garantiram a reeleição de Dilma Rousseff.
“Objetivo real da crise é rebaixar o custo do trabalho”
“No final de 2014, começamos a vivenciar um clima de terrorismo econômico para forçar uma mudança de rumos na política econômica. Esse clima era alimentado por alertas sobre a iminente perda de controle da inflação e o não cumprimento do superávit primário, entre outras teses que passaram a ser repetidas diariamente nos meios de comunicação”, assinalou Silvio Caccia Bava. O verdadeiro objetivo desse movimento, acrescentou, era um só: o Brasil precisa promover uma recessão para rebaixar o custo do trabalho. Esse objetivo, destacou ainda o diretor do Le Monde Diplomatique Brasil, faz parte de uma agenda global de recuperação de perdas do capital financeiro após a crise internacional de 2008. Quem pagou o pato neste processo é a economia real e todos aqueles que vivem da renda do próprio trabalho. Já o capital financeiro tratou de recuperar o terreno perdido.
“Os grandes fundos de investimento praticamente dobraram de tamanho depois da crise de 2008. No caso o Brasil, o país virou uma plataforma de exploração rentista internacional, com taxas de juros que não têm paralelo no mercado”, observou o sociólogo.
“É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada." Foto: Guilherme Santos/Sul21
“É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada.”
Foto: Guilherme Santos/Sul21
É preciso contextualizar a crise atual, disse ainda Caccia Bava, com o cenário que o Brasil viveu pós-crise de 2008. “É preciso lembrar que cerca de 70% da dívida pública brasileira está nas mãos do sistema financeiro. Não é a toa que o lucro dos bancos tem aumentando em média 20% ao ano, apesar de a economia estar estagnada. Em 2012, a presidenta Dilma baixou os juros da Selic para a casa dos 7%, o que desagradou o sistema financeiro. Dilma mandou os bancos públicos baixarem os juros e, com essa medida, eles expandiram sua atividade no mercado, chegando a ter em torno de 55% do mercado de crédito. O BNDES tornou-se o grande financiador da indústria naval brasileira”. Para Caccia Bava, é neste contexto que devem ser entendidas as raízes da crise atual. “A origem dessa crise é política. O poder do sistema financeiro foi desafiado por uma política econômica que não estava mais no seu controle”.
“Houve a construção sistemática de uma narrativa da crise”
No final de 2014, defendeu, os indicadores internos da economia não eram ruins, considerando o cenário da economia mundial. Os 370 bilhões de dólares em reservas, citados por Abílio Diniz, são um exemplo disso. “Houve a construção sistemática de uma narrativa na mídia e na academia defendendo que era preciso um remédio amargo para enfrentar uma crise que seria profunda. Mas qual era um dos grandes riscos que corríamos: um aumento de 3 ou 4% na inflação, o que não seria nenhuma catástrofe”.
A contraofensiva do capital financeiro estabeleceu uma agenda clara, apontou o sociólogo. “A agenda é recuperar o valor da Selic, abrir o capital dos bancos públicos para que eles não sejam mais indutores de desenvolvimento e reduzir o papel do BNDES nesta mesma direção. Ainda dentro dessa agenda, as cadeias produtivas do petróleo e da indústria naval estão sendo comprometidas. Não interessa nenhum um pouco às multinacionais do petróleo que o Brasil refine petróleo aqui, como está previsto”. No plano internacional, disse ainda Caccia Bava, o objetivo é enfraquecer a Unasul, os BRICS, o banco de desenvolvimento dos BRICS e outras iniciativas dessa natureza.
No plano político, esse movimento do sistema financeiro é acompanhado por um Congresso Nacional onde cerca de 70% dos parlamentares eleitos foram financiados por apenas dez grandes grupos econômicos. Esse perfil resultante do modelo de financiamento empresarial das campanhas eleitorais, implantado a partir de 1997, destacou o sociólogo, deu origem a um sistema político que é capaz mais de dialogar com os diferentes setores da sociedade e processar os problemas políticos. “Os partidos, de modo geral, deixaram de representar esses interesses porque seus parlamentares passaram a responder a interesses privados, de seus financiadores de campanha”.
Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Antídoto para a crise é mais democracia e debate com a sociedade”
Um dos aspectos mais graves da crise atual, destacou Caccia Bava, é que, sob o pretexto do ajuste fiscal, direitos da população estão sendo violados. Só na área da Saúde, exemplificou, temos R$ 12,9 bilhões em recursos contingenciados pelo ajuste fiscal. “A atual política econômica vai aprofundar a recessão e podemos chegar a um desemprego na casa dos 14% em 2016. Além do desemprego, vivemos um processo de polarização social crescente, com a proliferação de ideias conservadoras e reacionárias como a de fazer justiça com as próprias mãos”.
O antídoto para esse quadro, defendeu, é mais democracia e o aprofundamento do debate na sociedade sobre o que está acontecendo no país, quais os agentes que estão atuando e construindo as narrativas da crise. “Estamos vivendo o fim de um ciclo, mas há um fato positivo acontecendo, que é a formação de novas frentes de luta como a Frente Brasil Popular. No entanto, elas ainda não demonstraram capacidade de produzir uma narrativa adequada sobre a crise”. Citando o sociólogo francês Edgar Morin, Caccia Bava afirmou que é possível que tenhamos que fazer frente ao imponderável, algo que ainda vai acontecer. “Apesar de todos os problemas, há coisas novas e interessantes acontecendo, como o Syriza, na Grécia, o Podemos, na Espanha, e a guinada à esquerda do Partido Trabalhista inglês. Em São Paulo temos coisas interessantes acontecendo na periferia, mas ainda são muito moleculares. O que precisamos fazer agora é multiplicar por todo o país debates como este que estamos fazendo aqui no Sindicato dos Bancários”, defendeu.

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