sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Uma análise psicológica junguiana do filme Labirinto, a Magia do Tempo, de Jim Henson (1986)




Carlos Antonio Fragoso Guimarães


“Desenvolver a fantasia significa aperfeiçoar a humanidade”.

Carl Gustav Jung



I - Introdução

Este pequeno artigo visa a uma interpretação do filme Labyrinth (no Brasil, Labirinto – A Magia do Tempo) do diretor norte-americano Jim Henson, o criador dos Muppets e da Vila Sezamo.
Em nossa análise, partimos do pressuposto de que a linguagem do filme é de conotação mítica e, como bem expressam os mitólogos, todo o mito possui um significado simbólico e imagético (a linguagem própria da psique profunda) em que se entrelaçam quatro dimensões distintas: o mito trata de uma visão simbólica sobre os processos de desenvolvimento das forças psíquicas internas próprias do ser humano. Essas forças precisam, para se atualizar, de se enfrentar com os aspectos sociais que se apresentam historicamente, ao mesmo tempo que fazem referência às forças inerentes aos inconsciente e às pulsões mais básicas do ser humano ( a floresta ou o oceano dos contos de fadas populares ), que são as raízes que ligam o ser às estruturas evolutivas estimuladas pelo próprio ambiente e o cosmos inteiro. Nesse sentido, o filme de Henson parece, quer seus autores tivessem ou não consciência disto – o produtor do filme, George Lucas, da série Guerra nas Estrelas, foi profundamente influenciado pelos estudos em mitologia de Joseph Campbell - refletir o esquema básico da mitologia conhecido como A Jornada do Herói – no caso do filme em questão, da Heroína, que parte de um estado de consciência imatura, passa por desafios, e retorna mais amadurecida, com uma nova percepção de si mesma e da vida.

II – A Jornada da Heroína

O psicanalista e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um dos mais importantes estudiosos a se debruçar sobre os aspectos psicológicos dos mitos no século XX. Ele demonstrou que a linguagem mais profunda da psique se expressa simbolicamente e que os mitos, que são frutos da criação coletiva, apontam para aspectos do desenvolvimento humano expressos de modo simbólico através do imaginário.
Suas idéias foram retomadas e desenvolvidas por pesquisadores como Mircea Eliade e Joseph Campbell. Ambos dirão quase a mesa coisa: “as imagens e símbolos expressam as mais profundas modalidades do ser” (ELIADE, 1996), ou, como diz Campbell, os contos e histórias que tem como base uma figura heróica – que não necessariamente precisa ser um indivíduo, mas também pode ser um grupo de pessoas – expressam figuradamente as capacidades de superação e transcendência presentes em todos. Isso lembra os conceitos de processo de individuação, de Jung, ou da confiança básica dos psicólogos humanistas na capacidade de auto-atualização ou auto-realização, como postulam Carl Rogers e Abraham Maslow. Deste modo, costumava dizer Campbell que, em havendo condições favoráveis mínimas, cada pessoa poderá ter a chance de desenvolver suas capacidades a partir dos desafios da vida, como ocorrem nos diferentes mitos do herói:

“Siga sua bem-aventurança até lá, onde há um profundo sentido do seu ser, lá onde seu corpo e sua alma querem ir. Quando você alcançar essa sensação, fique aí e não deixe ninguém arrancá-lo desse lugar. E portas se abrirão onde você nem sequer imaginava que pudesse haver algo."

Em uma análise mais psicológica, Jung dirá que o herói de um conto ou mito é o ego que se vê repentinamente envolto em desafios de toda a ordem, freqüentemente para lhe fazer ver que o mundo é mais amplo e mais dinâmico do que ele imagina. Muitos dos desafios e monstros de sua jornada advém do seu meio, mas eles estão ligados igualmente às forças internas do inconsciente. Deste modo, parte da força que o Ego percebe serem externas são, de fato, projeções de elementos que o próprio sujeito possui e de que seu ego não faz idéia, elementos esses - como coragem, generosidade, compaixão – que só se sabe que se tem diante de desafios.

Neste sentido, o filme de Henson expressa à perfeição essa jornada de auto-conhecimento e maturação. Talvez isso explique, em grande parte, o fascínio deste filme que, apesar de não ter sido um sucesso de bilheteria à época de seu lançamento (1986) se transformou em um Cult, marcou a infância e a adolescência de muita gente e vem se consolidando com uma legião de aficcionados que vem crescendo neste últimos 24 anos.

III – Sinopse da história e interpretação do seu significado.

A jovem Sarah Williams (interpretada pela belíssima Jennifer Connelly que, à época, ainda não tinha completado 15 anos), é uma garota sensível, que adora os personagens do livro Labyrinth. O filme inicia-se com Sarah, vestida ao estilo medieval, citando os trechos finais do livro.
Logo depois, ao badalar do relógio, a jovem é despertada de seu mundo de fantasia e ficamos sabemos que Sarah é uma jovem adolescente órfã de mãe e que se sente ofendida pela madrasta, que a faz ficar em casa tomando conta de seu meio irmão Toby, enquanto ela e o pai saem para se divertir. Sarah se acha impedida de ter vida própria (não é isso o que sete a maioria dos adolescentes, que se vêm crescidos demais para serem vistos como crianças, mas ainda jovens demais para terem a liberdade que sonham?) e, inevitavelmente, culpará os pais e o irmãozinho de menos de dois anos por isso.
A ver que um de seus ursinhos estava faltando em seu quarto, Sarah corre ao quarto do irmão e, irada, pega o ursinho do chão, afirmando que odeia o bebê. Ao mesmo tempo, devido à tempestade que cai lá fora, o bebê, visivelmente assustado com os trovões e relâmpagos, chora desesperadamente. Sarah começa a desabafar contando a história de uma linda garota que era obrigada a cuidar de seu irmão menor. Não agüentando mais o choro do bebê ela expressa o desejo de que o rei dos Gnomos, Jareth (interpretado pelo famoso roqueiro David Bowie) viesse e levasse o irmão para seu reino mágico. E é exatamente o que acontece. Ao agir assim, Sarah demonstra ser como todos os heróis: uma pessoa imperfeita, falível, mas que reconhece seu próprio erro. Ou seja, estava pronta pela vida (e pelo destino) a adentrar em uma aventura que permitesse amadurecer suas qualidades positivas, apesar de seus traços ainda infantis, psicologicamente falando.

É assim que, arrependida do que desejou, Sarah implora ao Rei dos Duendes (que demonstra uma clara “queda” pela mocinha) que devolva o irmãozinho. Jareth de início tenta convencer Sarah, por meio de um afago ao ego, de que estar sem o irmão traria vantagens para ela. Sarah, contudo, já despertou o suficiente para superar essa tentação e implora pela volta do irmão. Jareth então diz que ela o terá de volta se conseguir, dentro de 13 horas (e ai vemos o tempo psicológico transcendendo o tempo cronológico. São 13 horas porque no mundo do desenvolvimento interno o tempo não segue o padrão do relógio que, como sabemos, marca apenas doze horas em seu mostrador), chegar ao centro do labirinto mágico, onde está seu castelo, ladeado pela cidade dos gnomos ou duendes. Vemos que a aventura de Sarah se dá em um espaço diferente do trivial, o espaço da significação psicológica, com características próprias. A busca pelo irmão no centro do labirinto é o caminho de reconhecimento de suas próprias capacidade. Sarah busca o centro do labirinto e, com isso, caminha ao reconhecimento de seu próprio Self, seu centro interno, sua essência.
Sarah recebe o chamado da aventura e não o recusa. Ela assume sua decisão de ir em busca do irmão, passando por inúmeros perigos e dificuldades, mas que a fará conhecer amigos e ajudantes pelo caminho, como o aparentemente inútil Hogle, o afetuoso grandalhão Ludo e o espevitado Fox Terrier Sir Dydimus. Ou seja, ela adentra no modelo do herói: por escolhas acaba por cair em uma aventura e se lança em busca em meio desconhecido, o labirinto, onde passará por dificuldades e enfrentará os perigos até se encontrar, finalmente, com seu grande rival, Jareth, encontrando, pelo caminho, ajuda improváveis.

Cada uma dessas estranhas criaturas ajuda Sarah a entender parte de sua própria realidade e capacidade íntima.

No final, Jareth, aparentemente querendo fazer o mal, é como Mefistófeles no Fausto de Goethe: por mais que queira fazer o mal, acaba por fazer o bem. Jareth é a representação das projeções da própria Sarah, sua sombra, sua personificação de capacidades boas e más. No final, Jareth é seu professor. Poderia, como tenta, fazer Sarah fracassar em seu processo de individuação, quando ele mais uma vez a tenta ao dizer que daria tudo o que ela mais desejasse se ela o amasse e obedecesse. Sarah, contudo, aprendeu com sua viagem por este mundo que esta promessa era mais uma armadilha. Muita gente que assistiu o filme sonha ou desejava que a menina aceitasse o convite de Jareth, o que equivaleria a vender sua alma. Mas a moça integrou a força sedutora dos arquétipos em si, fortaleceu o Ego (que não é mais egoísta) e triunfa do último grande desafio que lhe foi dado: a tentação de viver fora do mundo real (o que derruba muita gente no universo da fantasia com traços da loucura).

Quando, finalmente, Sarah reconhece, na cena do enfrentamento final, que Jareth não tem poderes sobre ela, ela o derrota – ela integrou os aspectos de seu próprio inconsciente, reconhecendo que os poderes do rival são dela mesma – e, supera seu erro e sai da experiência triunfante e amadurecia, renovada e possuidora de um novo patamar de identidade.
O incrível é que essa mesma sensação de completude e alegria atinge uma parte grande das pessoas que assistem o filme, jovens e adultos, indicando que ele desperta nos mesmos uma empatia inconsciente com a personagem central.
A jornada de Sarah pelo labirinto é uma metáfora da jornada ao auto-conhecimento que todos nós somos convidados a fazer pela vida, mas que poucos têm coragem de aceitar.

FICHA TÉCNICA
Diretor: Jim Henson
Elenco: David Bowie, Jennifer Connelly, Toby Froud, Brian Henson, Shelley Thompson, Christopher Malcolm, Natalie Finland, Ron Mueck, Daivd Barclay.
Produção: David Lazer, Eric Rattray.
Roteiro: Lewis John Carlino, Jim Henson, Edward C. Hume, Terry Jones, John Varley.
Fotografia: Alex Thomson
Trilha Sonora: Trevor Jones
Duração: 101 min.
Ano: 1986
País: EUA – Reino Unido
Gênero: Aventura Fantasia


João Pessoa, 05 de novembro de 2010

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