Marcelândia e Querência (MT) deixaram lista prioritária do plano para Prevenção e Controle do Desmatamento, mas retornaram
Por Carolina Bataier e Bruno Stankevicius Bassi — De Olho nos Ruralistas
Estabelecida a partir do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), a lista de municípios prioritários teve sua primeira versão publicada em 2008. Desde então, tornou-se um dos principais instrumentos de política pública por trás da redução drástica do desmatamento no bioma. Em 2012, durante o governo Dilma Rousseff (PT), o corte de vegetação atingiu sua mínima histórica, com 4,6 mil km² de perda florestal anual.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o programa foi paralisado. Uma das poucas atualizações realizadas no período foi a revisão da lista prioritária, publicada em 2021, com 52 municípios. Entre eles, 29 deles pertencem à lista dos cem maiores municípios do país.
Os dados integram o dossiê “Os Gigantes”, publicado no dia 5 pelo De Olho nos Ruralistas. Realizado ao longo de quatro meses, o estudo detalha as políticas ambientais e climáticas dessas cem prefeituras, espalhadas por onze estados e que, juntas, administram uma área equivalente a 37% do território brasileiro.
Oito novos municípios foram incluídos pela primeira vez na lista do PPCDAm, enquanto outros cinco foram devolvidos à condição de prioritários. Entre eles, dois são destaque por integrarem os Gigantes e serem administrados por prefeitos latifundiários: Querência e Marcelândia, ambos no Mato Grosso.
Os dois possuem secretarias de Meio Ambiente unificadas com Agricultura, conforme mostramos em reportagem anterior da série, que detalha os achados do dossiê: “Os Gigantes: 30 municípios têm secretarias de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e turismo“.
Prefeito de Marcelândia é sócio de colonizadora ré por desmatamento
O município de Marcelândia é o 97º na lista dos cem maiores do país. Ele deixou a lista do PPCDAm em 2013. A conquista foi fruto de uma bem-sucedida política de controle estabelecida por Adalberto Diamante (PR), prefeito entre 2005 e 2012.
Na administração seguinte, de Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), as ações regrediram, levando Marcelândia de volta à relação dos maiores desmatadores da Amazônia, formalizada em portaria de 2018. Sob Arnóbio, a perda florestal anual saltou de 12 km², quando assumiu, para 112 km² em 2020 — posicionando o município entre os vinte maiores desmatadores da Amazônia naquele ano.
Ele foi sucedido por outro pecuarista, Celso Padovani (DEM), que concorreu sozinho ao cargo nas eleições de 2020. Na ocasião, ele declarava um patrimônio de R$ 10,5 milhões, que incluía fazendas, veículos e 1.694 cabeças de gado. Em 2024, ele novamente concorre sozinho. Seu patrimônio aumentou para R$ 16,1 milhões.
O político é sócio da Celso Padovani & Cia Ltda., razão social da Pronorte Colonização, uma das principais imobiliárias agrícolas do Mato Grosso. A empresa é ré em uma ação civil pública movida em 2021 pela Força-Tarefa em Defesa da Amazônia (Amazônia Protege). A ação visa a recuperação de 6.117 hectares, desmatados sem autorização no imóvel Projeto Santa Rita, em Marcelândia. A autuação ocorreu em 2007, por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o processo, a empresa reincidiu na prática outras duas vezes, entre 2016 e 2018.
A Força-Tarefa solicita a recuperação imediata da área e pede o pagamento de uma multa de R$ 42,3 milhões. A Pronorte, por sua vez, diz que o corte de vegetação foi realizado por arrendatários e compradores dos imóveis do Projeto Santa Rita, e que não é responsável pelo dano ambiental. O processo corre na 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Sinop (MT).
Em Querência, Gorgen pagou multa de R$ 1,36 mi por desmatamento
Outro dos Gigantes que voltou para a lista de municípios prioritários do MMA, Querência se alterna entre o domínio de dois fazendeiros. O atual prefeito, Fernando Gorgen (União) está em seu quarto mandato: ele comandou o executivo entre 2005 e 2012 e, após um hiato de quatro anos, voltou em 2016; foi reconduzido em 2020, quando declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma fortuna avaliada em R$ 17,3 milhões. Junto dos irmãos, Gorgen comanda um império agropecuário, encabeçado pelas empresas Chapada Água Azul e Javaés.
Um dos integrantes originais da lista de municípios prioritários do MMA, Querência foi reclassificado em 2011, durante a primeira passagem de Gorgen na prefeitura. Nesse período, ele alcançou uma média de 20 km² desmatados ao ano, tirando o município do inglório “top 20” de maiores desmatadores da Amazônia. Seu sucessor, Gilmar Reinoldo Wentz (MDB), manteve a mesma toada, reduzindo a média para 17 km² ao ano — o equivalente a dez Parques do Ibirapuera, em São Paulo.
Quando Gorgen regressou, em 2016, as taxas passaram a subir, chegando ao pico de 69 km² em 2018. No ano passado, o município perdeu 37 km² de floresta. Embora Querência continue distante dos “líderes”, o aumento lhe valeu o retorno ao PPCDAm.
Foi nesse período que Gorgen e sua família tornaram-se alvo da Operação Polygonum, deflagrada em 2018 pelo Ministério Público do Mato Grosso e pela Delegacia de Meio Ambiente. O prefeito, sua ex-esposa Roseli Zang e os sobrinhos Tiago Gorgen, Fernanda Gorgen Cunha e Franciele Gorgen Jacob foram autuados por desmatar uma área de 5.447 hectares.
O caso ganhou repercussão pela suspeita de envolvimento de um superintendente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), que teria fraudado as autorizações de desmatamento expedidas em nome dos Gorgen. O processo foi extinto em 2023 após a família assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), onde se comprometeu a reverter o dano ambiental e a pagar uma multa de R$ 1,36 milhão, quitada em março daquele ano.
Nas eleições de 2024, Fernando Gorgen apoia outro representante do agronegócio, Jean do Coutinho (União). Se eleito, ele será o quarto fazendeiro a comandar Querência, o 61º maior do Brasil. Coutinho disputa contra o ex-prefeito Gilmar Ventz e contra a ex-primeira-dama Roseli Zang.
Nova lista prioritária tem 38 gigantes, oito não firmaram compromisso
Em abril, a ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, lançou o programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia. Pensado como um complemento ao PPCDAm (relançado no ano passado), o novo programa prevê investimentos de R$ 730 milhões em ações de regularização fundiária e ambiental e assistência técnica, visando a ousada meta de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.
O ato de lançamento em Brasília marcou a divulgação da nova relação de municípios prioritários, que substitui a anterior, de 2021. Agora, são 70 prefeituras listadas, responsáveis por 78,1% do desmatamento na Amazônia entre 2021 e 2022. Dessas, 38 estão na lista dos Gigantes.
Os prefeitos e secretários de Meio Ambiente foram convidados a firmar um convênio com o governo federal para acessar os recursos. Até o momento da publicação deste relatório, 53 municípios haviam aderido ao programa.
Entre os dezessete que não assinaram dentro do prazo inicial, oito integram os Gigantes. Destes, seis possuem secretarias de Meio Ambiente subalternas às pastas de Agricultura e Turismo. São eles: Senador José Porfírio (PA) e os mato-grossenses Apiacás, Colniza, Juína, Paranatinga e Marcelândia, do prefeito “colonizador” Celso Padovani.
Ao longo de quatro meses de pesquisa, De Olho nos Ruralistas tentou contato com as secretarias de Meio Ambiente das cem prefeituras que integram a lista dos Gigantes, solicitando informações sobre a execução do orçamento voltado a ações ambientais e a eficácia dessas políticas. Apenas oito responderam. Uma delas foi Querência, que compartilhou informações sobre as ações ambientais realizadas no município.
Em uma segunda etapa, a equipe de pesquisa enviou perguntas específicas relativas aos casos de irregularidades ambientais apontadas no dossiê, envolvendo catorze prefeitos. Entre eles, os titulares de Marcelândia e Querência. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.
Confira vídeo sobre “Os Gigantes”
O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que em relação a Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.
Entre esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.
“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.
Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.
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