Palavras de ordem como “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos só para humanos direitos” são pretensas lacrações que encerram qualquer diálogo
Atribui-se a Gandhi ter dito que a prevalecer a tese do “Olho por olho o mundo acabará cego”. Essa fala vem a propósito da tragédia em Blumenau/SP, na qual quatro crianças foram mortas a machadadas. A prevalecer o olho por olho e dente por dente, as escolas brasileiras deveriam ter um acervo de machadinhas, facas e revólveres. No lugar de material didático adotariam arsenais.
É sabido que notícias e ou falas de ódio nas redes sociais provocam mais engajamento que postagens de paz. A propósito, a difusão maciça desses temas tem o condão de no mínimo provocar uma revolta difusa, capaz de se voltar contra qualquer coisa. É o que pode ter acontecido com o assassino de Blumenau, comprovado admirador do ex-capitão – aglutinador de pervertidos nas redes sociais.
O ex-capitão não inventou o ódio, mas o potencializou em inúmeras cenas, antes, durante e depois de seu desgoverno, e para isso nunca precisou de posto Ipiranga. Seu sonho de explodir bombas em quarteis e a Adutora do Guandu (parte do sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro), matar uns 30 mil começando por Fernando Henrique Cardoso, foi superado pelas 700 mil mortes por Covid.
Como um “serial killer”, o ex-capitão barbarizou e acabou ganhando notoriedade, a mesma notoriedade que parte da imprensa tenta não dar ao assassino de crianças numa creche em Blumenau (SC), enquanto a Rede Massa (TV de Ratinho e parceira do SBT no Paraná), aproveitava para fazer propaganda de Casa Funerária, enquanto transmitia as notícias sobre a tragédia inspirada no ódio nazifascista.
Ações criminosas violentas geram efeito contágio, o que pode gerar mais violência. Parte do esquema neurótico de monstros, serial killers, certos assassinos em geral, focam na notoriedade. Numa das cenas do filme Cidade de Deus, por exemplo, um bandido se revolta contra a imprensa, por atribuir uma matança a outro criminoso. É assim que giram cérebros de monstros como o de Blumenau e do ex-capitão.
Sem resquícios de humanidade, o ex-capitão estimulou violência, criou o falso bem e o mal, e para tanto além do ódio estimulou armar a população. E assim, conseguiu notoriedade em setores inimagináveis, como os religiosos, nos quais pastores abençoam armas e defendem descaradamente a criminalização e marginalização dos diferentes, com teses absurdas ultraconservadoras e apelos ao primitivismo.
Se o ex-capitão inspira, inspirou ou não, o fato é que golpistas presos por invadir e depredar sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, justificaram seus atos terroristas com bases sem fundamento ou inconstitucionais, feitas por ele. Em mais de cem interrogatórios de presos, em dezenas surgem posições defendidas pelo ex-presidente, sempre raivosas, reticentes, potencializadoras de ódio e violência.
Debate aberto sobre o tema, soluções primitivas e estapafúrdias surgem, sobretudo dos setores mais afinados com respostas violentas para tudo. Mais que isso, no lugar de unir forças para tornar a sociedade mais humana, mais solidária, mais sensível a dor do outro, muitos correm no sentido oposto, como os que tentam unir a sociedade para uma vingança, uma reação social coletiva.
A pena não é vingança social. No passado, o ministro Sebastião Reis Júnior (STJ) sentenciou que “O Direito Penal não pode ser um Direito de cólera”. E assim, impediu que um preso recolhido na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) não fosse transferido para uma penitenciária, revertendo decisão da Justiça do Paraná (palco da juíza “copia cola” e do ex-juiz fascistóide).
“Quem deseja vingança não se importa se o indiciado ou réu sofrer tortura para confessar, por exemplo… Afinal, ele mereceu. Quem deseja justiça, acima de tudo, pretende aplicar a pena sem mais sofrimento do que ela representa”, conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, desembargador em São Paulo. A pena visa a reeducação e reinserção social do condenado, preconiza o mundo civilizado.
Extremistas de direita não entendem ou fingem não entender e tentam distorcer o tímido avanço civilizatório. A Humanidade saiu do olho por olho dente por dente, baniu penas cruéis e em muitos países adeptos da pena de morte o réu adormece em dez segundos, salvo erros. Onde predomina a barbárie ainda são comuns apedrejamento, cadeira elétrica, decapitação, forca, fuzilamento…
Para a extrema direita, a pena é sim vingança social. Palavras de ordem como “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos só para humanos direitos” são lacrações que encerram qualquer diálogo civilizado. A rigor, foram motes de campanha do ex-capitão que envenenaram almas, transformando vítimas do opressor em aliadas do monstro, na cultura da destruição do outro.
E, se o ódio é parte do extremismo de direita que sufoca o mundo, é preciso abrir os olhos para quem, no Brasil, catalisa esse ódio. Quem converte ódio em votos, e não há como excluir o ex-capitão desse espectro, tendo sido autor de falas incendiárias, discriminatórias, e foi pródigo até em usar crianças fazendo “arminha”. O ódio chegou às escolas e creches, mas a resposta não pode ser uma vingança.
Há certo romantismo em afirmar que o ódio é um veneno que se toma, na esperança que o outro morra. Mas, a sociedade sabe quem está morrendo, ex-capitão. E essa matança também vai para sua conta.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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Excelente esclarecimento. Parabéns pela riqueza informativa do texto
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