"No tabuleiro do ensino fundamental, a movimentação das peças já começou. Na esfera governamental, tramita no Senado um projeto de lei que quer permitir o pagamento de creches com o dinheiro do Fundeb. Na esfera privada, a Kroton anunciou recentemente a compra da rede de escolas do ensino básico Somos, numa operação avaliada em R$ 6 bilhões. A nima – a mesma que recebeu capital dos fundos de Paulo Guedes – estabeleceu parceria com a escola Lumiar."
Paulo Guedes, o ipiranga |
Texto de Tomás Chiaverini, publicado no A Pública e no Contexto Livre
Na noite de 13 de novembro, centenas de professores se reúnem numa audiência pública contra o projeto Escola sem Partido, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Cansados, apreensivos e irritados, eles parecem refletir as condições gerais da categoria. Alguns dias antes, uma pesquisa da Varkey Foundation tinha mostrado que o Brasil passara da penúltima para a última colocação no ranking de valorização dos professores.
“Vamos ver se o pessoal vai conseguir falar hoje”, diz um assessor do deputado Carlos Giannazi (Psol), responsável pelo encontro. Diante da dúzia de policiais militares que fazem a segurança do evento, a fala soa exagerada. Não é.
Pouco antes das 19 horas, uma mulher sobe ao palco e agita uma bandeira de Israel. A irritação da plateia vira raiva. Professores, alunos e seus apoiadores se levantam e berram em uníssono: “Machistas, fascistas não passarão!”. No palco, a mulher se anima. Aponta os dedos para o público com o gesto de metralhadora imaginária popularizado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Quando o coro engrossa, ela muda o gesto. Ergue os dois dedos do meio. “Eu vou lá. Vou meter a mão nela”, diz uma espectadora na penúltima fila. A frase soa como figura de linguagem. Não é.
O deputado Giannazi sobe ao palco e consegue que a manifestante pró-Escola sem Partido desça de lá. Mas não há refresco. Um deputado recém-eleito pelo PSL –partido de Bolsonaro – consegue um microfone. Douglas Garcia. Ele começa a falar, mas é encoberto por vaias da plateia. Na mesa, Giannazi esbraveja. Em um lapso, os dois futuros colegas estão atracados, um agarrado à lapela do paletó do outro. A plateia vem junto.
A mulher lá de trás como que se teletransporta para o lado do palco e cumpre o prometido: mete a mão na que tinha agitado a bandeira israelense. Professores, deputados e militantes do presidente eleito rolam no chão aos socos. Policiais tentam intervir. Um deles gesticula assustado, mandando o colega chamar reforço.
Por volta das 19h30, a polícia consegue retirar os militantes do PSL e a audiência tem início. O economista e professor da Unicamp filiado ao Psol Plínio de Arruda Sampaio Jr. é um dos primeiros a falar. “O objetivo real do Escola sem Partido é negar a educação à nossa juventude”, diz. “Eles não querem pessoas que pensem. Eles querem pessoas que sejam vítimas de fake news. É disso que eles precisam.”
Arquivado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Projeto Escola sem Partido não é o único fator de risco para os professores, e não apenas porque ele pode ser novamente proposto na próxima legislatura. O enfraquecimento dos 2,5 milhões de professores do país se daria principalmente por meio do aumento do ensino a distância (que substituiria docentes por aulas gravadas) e da expansão das instituições particulares em detrimento das públicas (que tenderiam a precarizar as condições de emprego e carreira).
Na época da audiência, o temor dos professores provinha de três fontes: de falas do presidente eleito, que prometeu educação a distância desde o ensino fundamental (a partir dos 6 anos) e propôs um sistema de vouchers para alunos de baixa renda; do plano de governo do PSL, que também fala, de forma genérica, em ensino a distância e em mais parcerias entre universidades e empresas privadas; por fim, da figura do superministro da Economia, Paulo Guedes, que tem tudo para funcionar como um catalisador tanto do ensino a distância quanto do incentivo à privatização.
Guedes já se mostrou disposto a influenciar diversas áreas do governo, e com a educação não deve ser diferente. Foi dele, por exemplo, a ideia dos vouchers, segundo reportagem da revista Piauí. O sistema foi testado na Universidade do Chile, onde Guedes deu aulas, à época sob intervenção da ditadura de Augusto Pinochet.
A influência de Guedes no futuro das políticas educacionais, contudo, pode ter motivações que vão além de sua visão neoliberal da economia. O futuro ministro atuou com investimentos no setor de educação privada e de educação a distância.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o futuro ministro captou R$ 1 bilhão de fundos de pensão, entre eles Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios). Os primeiros aportes foram feitos em janeiro de 2009, com prazo previsto de seis anos de duração.
Apenas o Fundo de Investimento em Participações (FIP) BR Educacional levantou R$ 400 milhões. Em outubro, as operações de Guedes com os fundos de pensão foram alvo de uma investigação pelo MPF e levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal, no final de novembro.
A apuração se originou na Operação Greenfield, que mira esquemas de pagamento de propina em fundos de pensão com base em relatórios da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Ainda em estágio preliminar e agora correndo em segredo de justiça, o inquérito investiga se houve gestão fraudulenta envolvendo Guedes e os responsáveis pelos fundos.
“O aporte de recursos nesse fundo foi feito às cegas, como que num voto de confiança na equipe de Paulo Guedes”, diz o MPF em um dos documentos sobre o caso.
O primeiro aspecto que chamou atenção da promotoria foi a cobrança de uma taxa de administração de 1,75% sobre o capital subscrito, não sobre o capital de fato investido. Como o capital do fundo vai crescendo aos poucos, as despesas relativas sobem muito quando a cobrança é feita dessa forma. Só no primeiro ano, os custos de gestão somaram R$ 6,6 milhões, 19% do patrimônio líquido médio do fundo no período.
No mesmo documento, o MPF elenca uma série de outras suspeitas. Paulo Guedes era ao mesmo tempo presidente da gestora que captava investimentos e conselheiro de investimentos da nima, uma das empresas de educação que receberam aportes do fundo. Além disso, os R$ 62 milhões aplicados no primeiro ano foram injetados numa única empresa ligada a Guedes, a HSM Educacional S.A. Em seguida essa companhia comprou outra, de um grupo argentino, a HSM do Brasil. Segundo a versão da Previc, o fundo pagou pelas ações dessa empresa R$ 16,5 milhões a mais do que o valor de mercado.
A HSM, na época, era apenas uma marca, não estava realmente em operação, o que tornaria a operação mais suspeita. Ainda segundo a Previc, a ideia era que essa empresa gerasse lucro com eventos, mas ocorreu o contrário: perdas em cascata, principalmente com a remuneração de palestrantes (quase R$ 12 milhões entre 2011 e 2012). Entre eles, estava Paulo Guedes. Em 2013, o fundo remanejou seus investimentos adquirindo outra empresa, a Gaec Educação, dessa vez com um ágio de 1.118% sempre de acordo com informações da Previc.
Atualmente parte dos fundos criados por Guedes está no portfólio da Bozano Investimentos, e uma fatia do dinheiro aplicado ali é reinvestida em oito empresas de educação. Entre elas estão a “Ser Educação”, que tem uma rede de universidades com 150 mil alunos; a “NRE”, com focos em cursos de medicina e 8 mil alunos; e a “Q Mágico”, que vende soluções para ensino digital e ensino a distância.
Além do dinheiro dos fundos de estatais, os fundos de educação da Bozano contaram também com investidores estrangeiros de peso. Em 2014, o grupo alemão de mídia Bertelsmann anunciou um aporte de € 30 milhões (cerca de R$ 100 milhões à época). Na ocasião, Thomas Mackenbrock, presidente do grupo em São Paulo, comemorou a parceria com a Bozano.
“O fundo BR educacional garante acesso antecipado a empresas brasileiras inovadoras em um campo que está repleto de oportunidades graças à digitalização progressiva e à crescente demanda por educação na América Latina. Na Bozano Investimentos, encontramos um parceiro com conhecimento profundo do mercado educacional brasileiro.” Nas palavras do executivo, aquela seria uma parceria “única e mutuamente benéfica”.
Em 2015, o grupo Bertelsmann voltou a aplicar com a Bozano, dessa vez num montante maior, de R$ 800 milhões, e com um foco mais claro: escolas de medicina. À época, a iniciativa foi vista como mais um passo importante na internacionalização do grupo que ajudaria a sedimentar o setor de educação como um pilar importante no portfólio da empresa.
Procurado pela reportagem, o conglomerado não quis comentar um possível conflito de interesses na ponta de seus investimentos. “O senhor Paulo Guedes é fundador e CEO da Bozano Investimentos. Para questões relativas a Paulo Guedes, portanto, procure a Bozano Investimentos”, foi a resposta enviada por e-mail.
A Bozano Investimentos também preferiu responder por e-mail. “Conforme já anunciado, Paulo Guedes já se afastou totalmente de suas funções na empresa para exercer atividade pública. Além disso, todas as providências já estão sendo tomadas para que ele deixe a sociedade, rigorosamente em conformidade com as leis vigentes.” Não houve na resposta nenhuma referência à investigação do MPF, mencionada pela reportagem no contato inicial.
A reportagem procurou também a defesa de Guedes na investigação, que se manifestou por e-mail: “A defesa de Paulo Guedes reafirma a lisura de todas as operações do fundo que, diga-se de passagem, deu lucro aos cotistas, incluindo os Fundos de Pensão. Espera também que a investigação – agora corretamente conduzida no âmbito da Polícia Federal – apure as incoerências do relatório irregular produzido na Previc”.
Por fim, ainda no capítulo dos possíveis conflitos de interesses, é preciso citar Elizabeth Guedes, irmã do futuro ministro, que ocupa a vice-presidência da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup). Ela também não respondeu aos pedidos de entrevista da Pública, mas em entrevista ao jornal O Globo no início de novembro negou que sua posição gere algum constrangimento. “Minha função na Anup não tem nenhuma relação com ele”, disse referindo-se ao irmão.
O ex-sócio de Guedes
O engenheiro Rafael Martinez foi vice-secretário de Educação do Rio de Janeiro e secretário de Educação de Resende. Além disso, foi também sócio de Paulo Guedes, por quem ainda hoje nutre considerável admiração. “O Paulo é um cara extremamente democrático”, disse em entrevista à Pública. “Controlava um sistema de partnership onde todo mundo tinha voz, independentemente do quanto investia.”
Para Martinez, a investigação do MPF não se sustenta. “O fundo BR Educacional deu um retorno para os cotistas de mais de 300% em sete anos. Foi um lucro bem grande e ajudou a diminuir o prejuízo que o governo do PT causou nos fundos de pensão”, disse. Ele acredita que as ingerências de Guedes na educação serão limitadas. “É natural que a atuação dele como gestor público e como investidor seja a mesma, que ele defenda ideias liberais. Mas não acredito que isso tenha alguma ligação com a irmã dele ou com o fato de que ele tem investimentos em educação”, disse.
Como ex-gestor da área, Martinez tem críticas ao Escola sem Partido, mas não considera o projeto de todo ruim. Para ele, a forma como a proposta está sendo feita é errada, mas há casos em que professores forçam a mão. “Existe, sim, uma predominância de ideologia de esquerda nas escolas. E muitos professores tentam passar essa ideologia para os alunos e contar a história de forma enviesada”, disse.
E vê com bons olhos o crescimento de instituições privadas: “A gente pode até questionar a qualidade de alguns grupos privados, mas de fato teve muito investimento em novas escolas, em novas faculdades, e isso acabou gerando um aperfeiçoamento da qualidade geral.”
Apesar dessa visão que pode parecer simpática às ideias do novo governo, Martinez é cauteloso em relação ao que foi esboçado até o momento. Para ele, se o país investir num sistema de liberalismo puro, onde a escola que atrair aluno sobrevive e prospera enquanto as outras definham, o resultado pode ser um desastre. “Isso funciona para uma loja de roupas, não para educação”, disse. “Pode levar dez anos para uma escola ir morrendo aos poucos. E, enquanto isso, os alunos e as famílias sofrem as consequências.”
O ex-secretário apontou problemas no sistema de vouchers, se o governo distribuir um valor fixo e permitir que as famílias o complementem, algo similar ao que ocorreu no Chile. “Um sistema que era para ser mais equânime, garantindo que todas as crianças recebessem o mesmo valor, acabou favorecendo famílias de alta renda”, disse.
O exemplo chileno
O sistema de vouchers no Chile foi criado no governo do ditador Augusto Pinochet em 1980. Ele garantia um valor fixo por estudante, que podia ser usado em escolas públicas ou privadas. Paralelamente a esse processo, os gastos com educação pública caíram pela metade entre 1980 e 1990, de 5% do produto interno bruto para 2,5%. E só se recuperaram depois da democratização e de uma série de governos de centro-esquerda.
O governo fez pouco para fiscalizar as escolas que trabalhavam com o modelo e o problema da desigualdade ficou patente. Estudantes mais pobres tinham dificuldade em usar vouchers – ou porque não conseguiam completar mensalidades ou por questões geográficas. Pelo menos 63 dos 345 municípios chilenos não chegaram a ter escolas que aceitassem vouchers, e a maioria deles ficava em regiões rurais ou pobres.
Como mostrou uma reportagem recente do Washington Post, muitas escolas continuaram a sofrer com falta de verba após a flexibilização do sistema, principalmente as localizadas em regiões carentes, as que recebiam estudantes de alto risco e as que tinham número baixo de matrículas. O percentual de estudantes da rede pública nunca se recuperou. Caiu de 78% do total, em 1981, para 39%, em 2013.
Para a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Cláudia Costin, esses mesmos problemas seriam mais intensos num país com as dimensões e a diversidade do Brasil. “Temos 81,7% dos alunos em escolas públicas”, disse. “Não é possível substituir todas essas escolas por particulares. Quem é que vai querer ter escola pra população ribeirinha no meio da floresta amazônica, no alto das favelas do Rio?”
Ainda segundo Cláudia – que foi ministra da Administração e Reforma do Estado e secretária municipal de Educação no Rio de Janeiro –, há vários projetos sociais que permitem acesso de alunos carentes a escolas particulares. Mas geralmente é uma cota, voltada para os mais brilhantes. “Não se constrói equidade dessa forma”, disse.
Para ela, a solução seria buscar o caminho oposto: investir em educação pública de qualidade e aumentar a valorização do professor. De um lado, remunerando melhor, de outro tornando mais seletivos os processos de seleção. Além de se dificultar o ingresso nos concursos, seria possível, por exemplo, criar-se uma nota de corte artificialmente mais alta nos vestibulares de educação e pedagogia.
Privatização descontrolada
Se o caso do Chile faz prever graves problemas na prometida implantação do sistema de vouchers no ensino básico, já temos bons exemplos do impacto negativo que a privatização descontrolada pode causar no ensino universitário. Segundo o último censo da educação superior, mais de 75% das matrículas em graduação do país ocorrem em instituições particulares.
Esse movimento de expansão do ensino universitário privado começou em 1997, quando um decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso permitiu que as instituições de ensino superior tivessem oficialmente fins lucrativos. Entre 1998 e 2004 as matrículas na rede privada aumentaram 126%; foram 46% na rede pública.
Com a expansão do Fies – o sistema de financiamento governamental que permite matrícula em instituições particulares –, esse crescimento se concretizou. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2010 e 2015, período de maior expansão do programa, grandes redes de faculdade privada viram disparar seus lucros: o da Kroton subiu 22.130%, o da nima, 820%, o da Estácio, 565% e o da Ser Educacional, 483%. Enquanto isso, de acordo com um relatório do Tesouro Nacional, o Fies custou aos cofres públicos R$ 32 bilhões em 2016, ou pouco mais do que os gastos com o Bolsa Família no mesmo ano.
Apesar do crescimento, as instituições privadas não parecem capazes de oferecer a mesma qualidade que as públicas. No último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), por exemplo, as universidades federais tiveram 43% de instituições com conceito 4 e 16% com conceito 5 – o mais alto do teste. Já nas particulares, esses percentuais foram de 19% e 3%.
Disputa de gigantes no ensino fundamental
No tabuleiro do ensino fundamental, a movimentação das peças já começou. Na esfera governamental, tramita no Senado um projeto de lei que quer permitir o pagamento de creches com o dinheiro do Fundeb. Na esfera privada, a Kroton anunciou recentemente a compra da rede de escolas do ensino básico Somos, numa operação avaliada em R$ 6 bilhões. A nima – a mesma que recebeu capital dos fundos de Paulo Guedes – estabeleceu parceria com a escola Lumiar.
Jogadores internacionais também estão se posicionando no ataque. Em 2017, a gestora de fundos americana General Atlantic elevou as participações na SAS, empresa que oferece livros didáticos e consultorias para mais de 700 escolas no Brasil.
“Estamos num momento de disputa bastante significativa sobre a natureza da nossa política educacional”, afirma Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC e membro da ONG Ação Educativa. “No ensino superior, esse tipo de configuração, de grandes grupos privados, oligopolistas, que praticamente dominam o setor com um ensino de baixo custo e de baixa qualidade financiado pelo Estado, é uma realidade.”
Para Ximenes, o terceiro pilar esboçado pelo novo governo – a expansão da educação a distância – faz parte desse pacote de enfraquecimento da educação pública e da figura do professor.
“Educação a distância na educação básica é um retrocesso. Aumenta a desigualdade entre os estudantes de classes populares, de redes mais distantes, e os estudantes de elite, que terão professores bem formados, bem qualificados, presentes. É uma péssima forma de enfrentar o déficit de formação dos professores, que é estrutural no Brasil”, diz.
A exemplo do avanço da rede privada, a educação a distância já é uma realidade no Brasil. Atualmente, de acordo com o censo da educação, um em cada cinco alunos do ensino superior está matriculado num curso a distância. Em 2017, o setor avançou 17,6%, o maior salto desde 2008.
Em abril, o BNDES lançou uma linha de crédito de R$ 20 milhões para “incorporação de tecnologias digitais na educação pública”. Em novembro, o Conselho Nacional de Educação (CNE) liberou até 30% de conteúdo ministrado a distância para o ensino médio. Os resultados, por sua vez, não são dos melhores. Apenas 2,4% dos cursos a distância receberam nota máxima no Enade, ao passo que foram 6,1% dos cursos presenciais.
A distância e no improviso
“As universidades brasileiras têm feito cursos a distância de maneira improvisada”, diz o presidente da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), Fredric Litto. “Tentam repetir modelo presencial, e isso não é bom.” Para Litto, que também é professor emérito da USP, é preciso muito tempo, dinheiro e planejamento para criar materiais de qualidade. E mesmo assim o ensino a distância não pode ser usado indiscriminadamente. Ele é mais eficiente como complemento das aulas presenciais, como alternativa a pessoas que não têm acesso à sala de aula ou para alunos que estejam muito motivados.
Segundo Litto, a ideia de se usar o ensino a distância na educação básica não faz sentido. “Quanto mais jovem for o aluno, mais complicado é o uso de EAD [ensino a distância]. No ensino fundamental, pode-se ter atividades, usar celulares ou computadores com jogos e vídeos explicativos, mas nunca se pensar no conteúdo a distância como um curso completo.”
Para o professor, nascido e educado nos Estados Unidos, os brasileiros têm mania de achar que um mesmo sapato serve para todo mundo. “Eu não vi nenhum plano escrito do que eles pretendem fazer”, disse referindo-se ao plano genérico do novo governo. “Mas sei que não se pode substituir salas de aula presencial de jovens.”
Mais um ministro blogueiro
No final de novembro, depois de ter tido um primeiro nome vetado pela bancada evangélica, Bolsonaro anunciou, pelas redes sociais, o novo ministro da Educação. “Gostaria de comunicar a todos a indicação de Ricardo Vélez Rodríguez, filósofo autor de mais de 30 obras, atualmente professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, para o cargo de ministro da Educação”, escreveu o presidente eleito.
O nome, indicado pelo guru intelectual de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, pegou a imprensa e os brasileiros de surpresa. Alguns dias antes, Vélez Rodríguez havia postado em seu blog o texto “Um roteiro para o MEC”, em que já afirmava ser cotado para o ministério. Mas ninguém prestou atenção.
Apesar do título, o texto não traz de fato um roteiro claro. Fala em um sistema focado nos municípios, em “mais Brasil, menos Brasília”, critica uma suposta burocracia “gramsciana” que elaborou as “complicadas provas do Enem” e pragueja contra a “doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”.
Vélez Rodríguez critica ainda a atuação de empresas financeiras ligadas a fundos de pensão. “Ao longo das últimas décadas, produziram um efeito pernicioso, qual seja o enriquecimento de alguns donos de instituições de ensino, às custas da baixa qualidade em que foram sendo submergidas as instituições docentes, com a perspectiva sombria de esses fundos baterem asas quando o trabalho de enxugamento da máquina lucrativa tiver decaído.”
Tomás Chiaverini
No A Pública
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