terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Conservador sem causa, por Janderson Lacerda



 "A única coisa que estou tentando fazer aqui é compreender o que aconteceu com esta geração que abandonou as legiões urbanas e os movimentos contracultura para filiar-se ao exército da moral e dos bons costumes, que dentre muitas coisas, apregoa o ódio às minorias e censura à liberdade de expressão e de escolha do povo. Vivemos uma nova era, um tempo dos conservadores sem causa."


Conservador sem causa, por Janderson Lacerda

GGN. - Lembro-me da música, “Rebelde sem causa” do Ultraje a Rigor, grande sucesso dos anos 1980, que retratava a história de um jovem que era estimulado a fazer tudo o que desejava pelos seus pais e, exatamente, por este motivo, revoltou-se. Na verdade, o refrão dizia: “Não vai dar, assim não vai dar/Como é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltar”... Este é o legítimo rebelde sem causa. Uma espécie em extinção é preciso dizer. Sim, caro leitor, grande parte dos jovens abandonaram a rebeldia sem causa, tão característica da juventude que sempre apreciou a transgressão, os questionamentos às regras e o culto à liberdade, ainda que utópica.
Não pretendo fazer apologia à rebeldia com esta crônica. Portanto, não precisa colocar meu nome na boca de algum pastor evangélico e expulsar o capiroto que, supostamente, habita em mim. A única coisa que estou tentando fazer aqui é compreender o que aconteceu com esta geração que abandonou as legiões urbanas e os movimentos contracultura para filiar-se ao exército da moral e dos bons costumes, que dentre muitas coisas, apregoa o ódio às minorias e censura à liberdade de expressão e de escolha do povo. Vivemos uma nova era, um tempo dos conservadores sem causa. Até alguns roqueiros, pasmem, estão aderindo a este movimento, a exemplo do próprio Roger Moreira, vocalista do Ultraje a Rigor. A insanidade é tão grande que um grupo chegou a vaiar um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters, após o cantor criticar em um show o, então, candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro.
Agora me responda: quem em sã consciência iria pensar que o ex-lider do Pink Floyd apoiaria a candidatura de Bolsonaro? Tempos estranhos!
Mas, se já era difícil compreender a rebeldia sem causa, os intermináveis questionamentos e a revolta da geração que amava os Beatles e os Rolling Stones, hoje é ainda mais complicado entender o conservadorismo sem causa que despreza as guitarras e aprecia um instrumento que sempre dá a mesma nota -- ra-tá-tá-tá...
Muitos desses jovens exorcizaram a democracia e invocaram com as armas em punho a volta da ditadura; e agora como ovelhas são guiadas pelos campos dos Olavos de Carvalho, que negam a ciência e apresentam-se como fundadores de uma nova direita. A direita que pensa que ser liberal é ser comunista, que Chico Buarque é modinha e que interferir na liberdade individual das pessoas é correto.
Ao longo da história a juventude nunca se identificou com uma postura conservadora. Aliás, é preciso ressaltar que existe uma grande diferença entre o comportamento conservador e o pensamento político conservador. Justiça seja feita – mesmo não concordando – preciso reconhecer que o conservadorismo de Edmund Burke é uma teoria consistente. No entanto, deparo-me no atual momento com jovens conservadores sem causa; a expressão mais viva do tédio e da ignorância sistêmica que parece ter tomado conta dos trópicos.
Se há governo sou a favor!

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