quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Corvo, de Edgar Allan Poe

O Corvo

( The Raven



de

 Edgar Allan Poe 
(1809-1849)

escrito em 1845

 Tradução de 

Carlos Antonio Fragoso Guimarães 



Era meia-noite fria; e eu, já fraco e triste, lia
vagos volumes de saberes ancestrais.
Já quase ia adormecendo, quando ouvi lá fora um bater
como o de alguém a querer atravessar os meus portais.
“É um visitante que intenta atravessar  os meus umbrais”
pensei. – “Apenas isto e nada mais!

Ah, quão claramente me lembro! Era então o gélido dezembro;
e o fogo lançava  ao chão – bem lembro –  sombras fantasmais.
Pela madrugada eu lamentava e nos livros procurava
esquecer a amada que hora errava entre legiões celestiais –
a chamada Lenora entre as legiões celestiais,
 e que aqui já não terá seu nome dito nunca mais.

E como cada suave movimento do escuro cortinado
me deprimia e a mim enchia de terrores espectrais;
 eu, palpitante, calando o peito ofegante,
repetia ainda mais:
 “É uma visita que pede guarita e quer cruzar meus umbrais,
uma tardia visita, apenas, que vem cruzar meus portais.
Apenas isto e nada mais.”

Assim refeito num instante, minh'alma não mais se fez hesitante.
“Senhor” – disse eu– “ou senhora que lá fora me chamais.
Eu, porque quase dormia, mal percebi que alguém batia,
e tão levemente chamava por detrás de meus umbrais,”
mumurei abrindo os portais – “que espero possais desculpar-me.”
E então apenas trevas e nada mais.

A escuridão observando, lá fiquei, tremendo, ouvindo,
imaginando, em incógnitas, imagens que mortal algum jamais sonhou iguais.
Mas o escuro insistia, e a calma era profunda e vazia,
e a única voz que eu ouvia eram os meus profundos ais
ao dizer o nome dela, repetido sorrateiro pelos ecos, dos meus tristes ais.
Foi isto apenas e nada mais.

Ao quarto retornando – e minha alma em mim se conturbando –,
novamente ouvi batidas, mais fortes, por detrais dos meus umbrais.
É alguém que bate fora, junto à minha janela agora
buscando um abrigo, talvez, e implora” – pensei e assim busquei sinais.
“Acalma-te, coração, pois que deve ser por isso estes sinais...
Ou só o vento e nada mais.”

Abri, então, a janela, e eis que vejo por ela
adentrar vistoso Corvo daqueles de tempos ancestrais.
Entrou sem deferimento, não fez qualquer cumprimento,
mas com ares agourentos pousou sobre os meus portais.
Pousou num alvo busto de Palas, que existe sobre os meus umbrais,
Foi lá pousar e nada mais.

Frente à tão estranha ave, surpresa, sorriu-se a minha tristeza
ante o solene decoro de seus ares senhoriais.
“Tens aspecto tosado,” – falei eu – “e assim pareces ousado,
rígido e pretérito Corvo, emergido dos noturnos litorais.
Diz-me se tens um nome lá nas trevas infernais!”
E o corvo disse: “Nunca mais.”

Qual não foi o meu espanto ao ouvir palavras claras e tais
Embora não fizessem sentido ainda que soassem naturais.
Contudo  seria assim possível, de ter alguém então já visto
uma ave  assim pousada por cima dos seus umbrais
com um tal nome  “Nunca mais”?

Mas o pássaro sobre o busto nada mais disse, solene,
além dessas palavras, como se nelas dirigesse toda a alma.
E nada mais pronunciou, nenhuma pena agitou,
De som só o murmurar de meus ais: “Amigos já não os  tenho.
Na manhã, como os meus anseios, aqui também não estarás mais.”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”

Atônito pela clara frase ouvida, perturbado
eu falei ainda: “É tudo o que sabes dizer, e mais que isso não dirás.
Aprendestes ao ouvir de algum dono a cujo triste
destino e abandono acaso acompanhaste com teus olhos penumbrais –
e cuja dor se exprimia em sílabas plenas de ais
em seu surrado falar: ‘Nunca mais.’”

Mas, ainda a ele vir, voltou minha alma a sorrir;
e uma poltrona empurrei para junto dos umbrais.
E, então ali me pondo, uns aos outros fui juntando
mil devaneios, pensando na ave de eras ancestrais,
na lenta, negra, agourenta ave de eras penumbrais
que dizia tão somente “Nunca mais”.

Lá fiquei, ainda, a cogitar, sem mais nada ao Corvo falar
 ainda que seus olhos fixos em meu peito furassem como punhais;
lá fiquei, absorto e mudo, sentado sobre o veludo
a cabeça em tal estudo, sob fagulhas espectrais –
no veludo que então Lenora, entre as sombras desiguais,
não voltará a tocar nunca mais.

Senti que o ar ficou mais denso,  como o perfume de algum incenso
que anjos esparzissem com passagens angelicais.
“Teu Deus” – disse-me a mim – “pelos seus anjos mandou-te
o esquecimento, aliviando-te de dores brutais!
Bebe o nepente e esquece de tuas dores infernais!”
Mas o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Profeta ou demônio” – eu então falei – “que de negro te vestisse!
Se foi a tormenta ou o diabo quem te trouxe aos meus portais;
pergunto se nesta terra arrasada, deserta, agra e amaldiçoada,
se nesta casa assombrada pelo horror, em que não pareces querer sair,
existe alívio – eu te indago, a ti que daí não te queres mais sair!”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Profeta ou demônio” – eu ainda disse – “que de negro te vestisse!
Pelo alto Céu que nos encobre, pelo Deus a quem ambos nos curvamos,
dize a esta alma – te ordeno – se nalgum Éden futuro
ela há de rever o puro ser que agora já não vê mais,
de Lenora  a radiante e pura existência que não se sente mais.”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Que do nosso adeus seja esse teu dito, ave ou negro ente!
Retorna, pois, à tormenta e às trevas infernais!
Sequer uma pluma reste a lembrar do que disseste
em minha solidão! Deixa, pois, os meus umbrais!
Tira o negro bico do meu peito e vai-te embora dos meus portais!”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”

E o Corvo lá ficou, na noite infinda e ainda lá se demora,
pousado no busto branco de Palas, sobre os meus umbrais,
com a aparência tristonha de algum demônio que sonha;
enquanto a luz, no piso, desenha sombras fantasmais;
e eis que, perdida nos contornos das sombras espectrais,
permanece a minh'alma que do chão não se erguerá – nunca mais!

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