Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Extremismos sempre existiram, em todas as áreas. Posicionamentos radicais muitas vezes resultam do medo e do desespero: do medo à liberdade de assumir os próprios atos, preferindo a acomodação de que alguém ou alguma instituição lhes dite o que deve ser feito, e do desespero de, por vezes, se sentir em um mundo que parece hostil ou que entenda as diferenças de cultura e de opiniões como potencialmente perigosas de suas frágeis certezas.
O extremismo religioso é o mais debatido hoje em dia, mas não é o único. Existem também o extremismo econômico (que, atualmente, no seu discurso neoliberal está levando ao desemprego, à poluição, à retirada de direitos sociais, à falência de países inteiros, como a Grécia) e que foi criticado por Chaplin já nos anos 30 do século passado em seu filme Tempos Modernos. Há também extremismo racionalista pragmático, ligado ao político, e que é homogenizador, tecnocrático, que desacredita do singular, do afetivo, do poético, e que foi duramente criticado em filmes como A Laranja Mecânica, Matrix, Gattaca e Equilibrium.
Mas o resultado destes outros extremismos parece ser o estímulo à corrida ao fundamentalismo religioso. Este resulta de uma adesão irracional a uma interpretação literal dos textos considerados sagrados e que, portanto, ao invés de serem lidos e contextualizados, buscando extrair deles os elementos humanistas e espiritualistas que permitam o crescimento individual e coletivo (lembremos da civilização ocidental cristã e das tradições orientais), são aceitos na sua crueza literal (muitas veze em traduções que foram truncadas ao longo do tempo), em uma espécie de embriaguez exclusivista, pois o "meu Deus" é o correto enquanto o de "vocês" é errado e precisa ser erradicado... Dirá Frei Betto em seu texto O Fundamentalismo Cristão que "Para o fundamentalista, a letra da lei vale mais que o Espírito de Deus. E a doutrina religiosa está acima do amor."
O fundamentalista pode até posar de defensor da liberdade de expressão, especialmente a deles, para atacar os diferentes, mas logo mexem seus títeres para abafar a expressão de quem, muitas vezes com fundamento, os criticam.
Frequentemente o fundamentalista se acerca da política. Esta é vista como meio e instrumento de imposição de suas verdades.
O século XXI começou com um retrocesso e uma marca sangrenta eminentemente fundamentalista: Bush e Bin Laden deram o tom da primeira década, e agora, um fundamentalista norueguês atrelado à extrema Direita faz da morte e da destruição instrumento para, em nome de Deus, propagar a exterminação dos diferentes.
Diz Frei Betto no texto citado:
"Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um “altruísta”. Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles!"
A ânsia messiânica (ou virótica) do fundamentalista parece se fortalecer quanto mais consegue converter as pessoas à sua "verdade", daí a imensa obsessão em se impor, qualquer que seja os meios. Quanto mais falam, mas tentam calar a razão e os argumentos de quem não pensam como eles.
Hoje, o Brasil está sendo tomado pelo fundamentalismo evangélico de estilo pentecostal, espetaculoso e imediatista, para não dizer materialista. Edir Macedo, Silas Malafaia, R. R. Soares e tantos outros constroem impérios econômicos explorando a fé do homem simples. Eventos como um tal de Encontro para a Consciência Cristã foi formulado, com a ajuda dos políticos envagélicos, para destroçar eventos de ecumenismo e diálogo interreligioso denocrático, como é o Encontro para a Nova Consciência, realizado em Campina Grande, Paraíba, na época do Carnaval. Ameaças e mesmo violência são aplicados por fundamentalistas no Brasil contra católicos, espíritas, budistas, umbandistas e outros e a situação tende a piorar. Até antigos teatros, cinemas e clubes, à exemplo da ASUFEP que pertencia à recreação e socialização dos servidores da Universidade Federal da Paraíba e que foi vendido pela incompetência de um ex-professor da UFPB, estão sendo transformados em centros de lavagem cerebral coletiva, a partir de certos modelos (veja-se o dócumentário "Jesus Camp") importado dos EUA.
De fato, a corruptela interpretativa literalista, exclusivista e descontextualizada de muitos fundamentalistas, especialmente os cristãos pentecostais midiáticos, não escapou ao senso mesmo de muitos teólogos evangélicos. Um exemplo conhecido é dado pelo pastor Ed René Kivtz que narra suas críticas ao fundamentalismo religioso midiático dos pentecostais em "O Evangelho dos Evangélicos" (facilmente encontrado na internet em áudio e em texto). Deste trabalho destaco a seguinte passagem:
"Estou convencido de que um é o evangelho dos evangélicos, outro é o evangelho do reino de Deus. Registro que uso o termo “evangélico” para me referir à face hegemônica da chamada igreja evangélica, como se apresenta na mídia radiofônica e televisiva.
"O evangelho dos evangélicos é estratificado. Tem a base e tem a cúpula. Precisamos falar com muito cuidado da base, o povo simples, fiel e crédulo. Mas precisamos igualmente discernir e denunciar a cúpula. A base é movida pela ingenuidade e singeleza da fé; a cúpula, muita vez é oportunista, mal intencionada, e age de má fé. A base transita livremente entre o catolicismo, o protestantismo e as religiões afro. A base vai à missa no domingo, faz cirurgia em centro espírita, leva a filha em benzedeira, e pede oração para a tia que é evangélica. Assim é o povo crédulo e religioso. Uma das palavras chave desta estratificação é “clericalismo”: os do palco manipulando os da platéia, os auto-instituídos guias espirituais tirando vantagem do povo simples, interesseiro, ignorante e crédulo."
Veja-se que, portanto, a crítica ao perigo do fundamentalismo dito "cristão" se faz dentro das próprias igrejas, de várias denominações.
É ainda Frei Betto que nos esclarece:
"Reforçam o fundamentalismo cristão todos os que são indiferentes ao diálogo inter-religioso e consideram a sua igreja como a única verdadeira intérprete dos mandamentos e da vontade divinos. Por isso, é importante estabelecer os critérios éticos que propiciam a base sobre a qual as diferentes igrejas e religiões devem dialogar e somar esforços. São eles: a ética da libertação num mundo dominado por múltiplas opressões; a ética da justiça nessa realidade estruturalmente injusta; a ética da gratuidade nessa cultura mercantilista onde imperam o interesse e o negócio; a ética da compaixão num mundo marcado pela dor de tantas vítimas; a ética da acolhida, já que há tantas exclusões à nossa volta; a ética da solidariedade numa sociedade fortemente competitiva; a ética da vida num mundo ameaçado pelos sinais de morte na natureza e nos pobres.
"O fundamentalismo é irmão gêmeo do moralismo. E o moralista é capaz de ver o mosquito no olho alheio, como observou Jesus, sem atinar para a trave no próprio olho. No caso de certos políticos imperiais, quem sabe a solução para a paz seja considerar a guerra um atentado ao pudor..."
Ainda é tempo de despertar para uma espiritulidade sadia, dialógica e compreensiva. Do contrário, iremos céleres para uma nova Idade das Trevas, com uma teocracia de interesse de alguns em detrimento da paz e liberdade espiritual de milhões.
Excelente Texto, e digo, não apenas à estas religiões como a todas as que seus membros agem de forma Fundamentalista.
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