Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Uma palavra que vem sendo muito utilizada - e infelizmente, várias vezes, muito mal utilizada, até mesmo para justificar as mazelas do mecanicismo - com o fim de discernir a sutil mudança da sociedade a partir de uma nova maneira e/ou de novos insights compreensivos sobre a forma de se compreender o mundo é a palavra paradigma na frase já meio banalizada, mudança de paradigmas, ou seja, a mudança de um conjunto de idéias básicas generalizadas e compartilhadas sobre a maneira de funcionar do mundo para novas possibilidades de entendimento do real, mudando-se ou ampliando-se o entendimento convencional do real. Esta palavra foi popularizada pelo físico Thomas Kuhn em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, publicado em 1962.
A palavra paradigma significa, portanto, um modelo ou um conjunto das formas básicas e dominantes do modo de se compreender o mundo e o modo de uma sociedade ou mesmo de uma civilização - do modo de se perceber, pensar, acreditar, avaliar, comentar e agir de acordo com uma visão particular de mundo, numa descrição mais aceita, culturalmente repassada pela educação, do que seja a nossa realidade, numa bem sucedida maneira de ver, se ver, nos vermos o/ou o mundo e que é culturalmente transmitida às novas gerações. Atualmente, vivemos numa era onde o triunfo capitalista estabelece algumas idéias como sendo "naturais" tais como a competitividade, a eficácia tecnológica e que o acúmulo de conhecimentos técnicos tão amplamente cultivados e incentivados, dentro do contexto de uma sociedade industrial e tecnicista qual a nossa, é o processo comum de se atingir o progresso geral, e onde as únicas avaliações válidas são as dos balanços contábeis sobre mercadorias, pouco ou nada se importando com o desenvolvimento humano ou com a preservação da natureza, a não ser se esta lhe trouxer lucros imediatos.
Assim, valores mais humanos, como irmandade, cooperação, comunidade, união e partilha de bens e informações soam estranhas, ultrapassadas ou sem um sentido de mercado utilitarista/pragmático dentro deste universo de entendimento/comportamento competitivo atual. A"mentalidade" dominante aceita leva a um comportamento compatível com a mesma, por isso podemos dizer que a época atual é a época do individualismo parcial levado ao mais alto grau, pois assim são, também, as empresas e instituições privadas, detentoras dos meios de produção e do processo de formação e distribuição de riquezas, ao mesmo tempo que da impessoalidade provinda da cultura e consumo de massas ligadas à indústria de produção em série e ao mercado financeiro e, por isso, as detentoras do acesso, ou não, da população ao mercado de trabalho. Como detêm o dinheiro e, conseqüentemente, o PODER econômico e político, estes não se cansam de gritar aos quatro ventos (com a conivência da mídia comercial) o capitalismo é o estado natural da humanidade. Se existem pessoas, grupos e organizações não governamentais que se preocupam com o homem, eles dão de ombros, pois a única coisa que realmente lhes é significativa é o máximo lucro obtido no menor prazo de tempo possível. Os homem só tem significado como produtor ou consumidor anônimo (de preferência, como consumidor) de mercadorias, tendo, ele próprio, se transformado em mercadoria no que se refere à questão do trabalho assalariado, ou como apêndice da máquina. De qualquer modo, a mercadoria, como objeto de venda e de lucro, tem primazia sobre o homem, pois este além de "dar trabalho", é mais indócil que a mercadoria, que não se pode queixar da alienação, infelicidade e desajuste social. Aliás, quanto menos "homens" em uma fábrica, maiores os lucros. O mais grave, porém, é que esta visão mecanicista e mercadológica de mundo é imposta constantemente pelos meios de comunicação, e, como uma sutil lavagem cerebral, vai sendo incorporada ao psiquismo coletivo, sem grandes questionamentos.
Lewis Munford observa que "Cada transformação do homem... apóia-se numa nova base ideológica e metafísica (= visão de mundo); ou melhor, sobre as comoções e intuições mais profundas, cuja expressão racionalizada assume a forma de uma teoria ou visão de cosmos, homem e natureza" (cit. in Harman, 1989).
Cada sociedade existente ou que já existiu tinha por base - o que lhe dá ou davam suas características próprias - alguns pressupostos comuns, compartilhados a toda a sua população, ou à uma parcela significativa dela, na forma de um conjunto de premissas básicas que dão identidade à uma forma de ser no mundo. Estas pressuposições básicas são formadoras do pensamento coletivo e constituem um conjunto de referenciais teóricos (ainda que tacitamente vigentes) e que estabelecem em linhas gerais quem somos, em que tipo de universo estamos, e o que é importante ou não pa nós (ou que pensamos ser para nós). Muitas destas pressuposições são visíveis na constituição de instituições e costumes culturais (por exemplo, na divisão tripartite dos poderes no Estado moderno, elaboração e criação feitas pelo Iluminismo), padrões de pensamento e sistemas de valores vigentes na sociedade, e são tão aceitas, como lugar comum, que são ensinadas de modo indireto pelo contexto social em que se vive, ou/e tão assimiladas e introjetadas que passam a ser encaradas (caso se pensam nelas), como o óbvio (por exemplo, a competitividade das pessoas refletindo a das empresas que, por sua vez, refletem a "natural" competitividade animal - que realmente tem bem pouco da feroz competitividade refletida do homem,etc) e dificilmente são questionados.
Mas, dentro de nossa época mecanicista e altamente neurótica, que tipo de evidência há que nos mostre que isso, esse império ideológico, está a se transformar? Bem, para podermos indicar estes indícios ( uma pessoa do século XVII também não tinha muita consciência da revolução científica que estava se processando em seus dias ) teremos que nos ater ao modo como a ciência tem formulado a atual visão de mundo, visão mecânica e pragmática, bem evidenciada, enquanto crítica social, no filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin...
Em todo o processo de desenvolvimento humano, nossos atos sempre seguem em harmonia com um entendimento ou concepção de mundo, já o dissemos. Igualmente, por ser formada por homens, a ciência, em todas as suas fases de desenvolvimento, nos mostra que a teoria e a prática científicas são baseadas em uma visão de mundo implícita, em especial na dos econômicos setores que financiam a pesquisa científica. Ou seja, tanto o homem/mulher comum quanto o cientista - que também é um homem/mulher comum com um treinamento mais aprofundado em certas técnicas de pesquisa, procuram explicar os fenômenos que lhes interessam dentro de um conjunto de pressupostos mais ou menos conscientes, que são as linhas lógicas que estabelecem o vínculo do raciocínio. A diferença entre o homem comum e o cientistas está em que este último geralmente adota - e isto é ainda mais real na ciência moderna - um conjunto de pressupostos que o fazem explicar os fenômenos de uma maneira apropriada a certos critérios aceitos como sendo científicos, critérios estes que em muitas ciências apresentam um aspecto reducionista, ou seja, explicado a partir da redução de fenômenos complexos a certos elementos ou acontecimentos elementares. O sucesso e o poder deste método é o que estabelece que o que é "verdadeiro" é o que pode ser enquadrado no critério da medição, da mensuração e das relações numéricas, garantido a tal da objetividade científica, ou seja, de fatos constatáveis por todos (ou quase todos, já que o formalismo matemático há muito que se transformou numa linguagem esotérica, acessível a uma minoria de iniciados ), sendo as impressões psicológicas e emocionais elementos subjetivos que devem ficar longe do domínio do cientificismo - crença irracional e fanática na "verdade" e no "poder" da ciência - a nova "religião" dominante, mesmo não sendo necessariamente a melhor...
Esta tendência matemática e reducionista da ciência teve inúmeras repercussões e trouxe, sem dúvida alguma, seus frutos úteis, principalmente por distinguir as explicações objetivas de interpretações simplórias como as dos caprichos de deuses, demônios e outras entidades fantásticas, ou de interpretações equivocadas, como os postulados da física de Aristóteles, ou a visão de universo de Ptolomeu, por exemplo. Porém, como todo conhecimento humano, está vinculada a uma época, é fruto de um momento histórico e possui suas limitações, tanto que teorias - por mais bem sucedidas que sejam em dado momento - são sempre substituídas por outras, ainda melhores.
Nunca é demais falar do impacto deste paradigma dito "científico" nas chamadas ciências humanas. Por exemplo, em Psicologia e Neurologia, até fins dos anos 50, a principal característica básica das ciências do comportamento estava na ênfase em que somente atitudes e estímulos mensuráveis poderiam ser pesquisados seriamente; daí a forte influência do Behaviorismo na América capitalista, tendo moldado várias gerações de psicólogos.
Nestes termos, o domínio da experiência psicológica subjetiva só poderia ser considerado se fosse redutível à análise e medida do comportamento observável, dentro dos critérios de estímulo e resposta. Enfoques que tentavam a tratar da percepção e da consciência, como a das escolas da Gestalt , fenomenologia e outras, eram desprezadas, e só a muito custo - devido ao poder político dos médicos - a psicanálise pôde fincar raízes nos meios acadêmicos da América. Cientistas comportamentais (behavioristas) se mostraram altamente contagiados pela obsessão de fazer de sua ciência uma "física humana" ao proclamarem que uma psicologia só seria confiável se fosse erguida sobre sobre os critérios de estímulos e respostas, como as forças de ação e reação da dinâmica newtoniana, e que era pura fantasia tentar erguer uma ciência calcada em relatos individuais de experiências subjetivas internas. (Harman, 1989; Capra, 1986; Grof, 1988).
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