Funcionários que recebem baixos salários servem o presidente nos palácios do Planalto e da Alvorada, onde circulam ministros doentes de covid-19.
Amanda Audi — 18 de Março
QUEM VÊ DE FORA não imagina, mas 3.234 pessoas trabalham no Palácio do Planalto, onde despacham Jair Bolsonaro e o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional. O general está infectado pelo coronavírus, assim como outros 17 integrantes da comitiva presidencial que foi aos EUA e confraternizou com o presidente americano, Donald Trump – com direito a calorosos apertos de mão.
Nem todos têm contato direto com Bolsonaro – que não publicou os resultados dos exames que fez para a doença, limitando-se a dizer que foram negativos. Mas boa parte dos que têm são pessoas com empregos simples e que recebem baixos salários: secretárias, garçons, copeiros, seguranças, assessores, ajudantes de ordens militares. Além, claro, das faxineiras que limpam os banheiros, copos e xícaras usados pela cúpula do poder.
Até o momento, não há notícia de funcionários com sintomas da covid-19. Pessoas que trabalham no almoxarifado, portaria, garagem e restaurante popular do Planalto com quem conversei disseram saber apenas dos casos de infectados na alta cúpula do governo. Há máscaras apenas no restaurante – mas por determinação do Sesi, que gerencia o estabelecimento, e não do governo. Os demais só tem acesso ao álcool em gel, que já existia por ali desde antes da pandemia. Que se alastra pelos gabinetes de Brasília: no fim da tarde desta quarta, o Senado confirmou que seu presidente, Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, tem o coronavírus.
Apenas no Palácio da Alvorada, onde vivem Bolsonaro e a mulher Michelle, trabalham 107 pessoas, aponta um relatório de julho passado. São cozinheiros, garçons, camareiros, motoristas, faxineiros, roupeiros, piscineiros, jardineiros e seguranças que têm como única função servir à família presidencial, seus parentes e convidados. Dos 107 funcionários, 55 recebiam menos que um salário mínimo, que hoje é de R$ 1.045.
No Palácio da Alvorada, trabalham mais de cem pessoas, das quais só os cozinheiros não têm contato direto com Bolsonaro e seus convidados.
Trata-se do perfil da primeira morte confirmada pela covid-19 no Brasil: um porteiro de 62 anos de São Paulo, diabético e hipertenso. O segundo caso, que ainda está sob análise, é de uma faxineira que vivia em Miguel Pereira, no Rio de Janeiro, e pode ter sido infectada pela empregadora que havia viajado para a Itália. Hoje, foram confirmadas outras duas mortes em São Paulo, de idosos de 65 e 80 anos, que ainda não tiveram as identidades reveladas.
Pior: boa parte desses servidores é terceirizada e não conta com a segurança que os servidores públicos, os ministros e a família presidencial possuem. Fornecidos por uma empresa chamada Apece, eles são mal pagos, custam pouco para o governo, têm contratos de trabalho precários e podem ser facilmente substituídos se adoecerem. É exatamente o grupo que mais deve sofrer com o novo coronavírus. Perguntei ao Planalto e à empresa quantos são – não obtive resposta.
Também questionei quais medidas efetivas estão sendo tomadas para evitar o contágio num ambiente em que circulam pessoas comprovadamente infectadas. Novamente, nenhuma resposta até o fechamento deste texto. Se elas vierem, serão incluídas.
Um ex-ministro que bateu ponto no Planalto por longos anos me disse que o presidente costuma ter contato direto com cerca de 50 pessoas durante o expediente, do chefe de gabinete aos faxineiros. No Alvorada, os únicos funcionários que não trabalham próximos a ele, ainda segundo o ex-ministro, são os cozinheiros.
Jornalistas que cobrem o Planalto diariamente dizem que quase nada mudou desde o início da pandemia – o que parece refletir a opinião pessoal do presidente de que tudo não passa de “histeria”. Inicialmente, a orientação oficial do Planalto foi de que funcionários só seriam liberados do trabalho com atestado médico. Enquanto isso, o grupo de Bolsonaro circula livremente pelos prédios do governo.
É uma rotina que contrasta com a do Ministério da Saúde, que passou a realizar entrevistas coletivas diárias por videoconferência – para tratar, justamente, do coronavírus – ou da Economia, que restringiu a presença de jornalistas e suspendeu entrevistas por tempo indeterminado.
Na tarde desta quarta, Bolsonaro e vários ministros deram uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Ela começou com a notícia de que outro ministro, Bento Albuquerque, de Minas e Energia, tem o novo coronavírus. Na mesa, todos usavam máscaras – mas quase todos as retiraram para falar. Dezenas de jornalistas se aglomeraram para ouvir o presidente, além dos usuais assessores palacianos, seguranças presidenciais e garçons servindo água e café. Poucos usavam máscaras.
Uma medida publicada no Diário Oficial desta terça-feira determina que “órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal suspenderão a realização de eventos e reuniões com elevado número de participantes enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. Parece não valer para o presidente – e quem trabalha com ele.
Festa para o coronavírus
Mesmo que não esteja infectado, Bolsonaro é obrigado, pelas normas sanitárias, a respeitar o período de isolamento de 14 dias recomendado para qualquer pessoa que teve contato com portadores do novo coronavírus.
Ele usou máscara na live semanal de quinta-feira passada. Depois disso, contudo, abandonou a precaução – ainda que esteja realizando exames para diagnosticar o coronavírus. Na segunda à noite quando foi interpelado por um imigrante haitiano em frente ao Palácio do Planalto, o presidente e seus seguranças não usavam máscaras – ainda que Bolsonaro fosse se submeter a mais um exame nos dias seguintes.
Até agora, o presidente tem ignorado sistematicamente as recomendações do seu próprio ministro da Saúde e da Organização Mundial da Saúde sobre como lidar com a pandemia. Mesmo tendo liderado uma comitiva de pelo menos 23 pessoas que visitou os EUA, Bolsonaro participou dos protestos pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, no domingo, e travou contato direto com pelo menos 272 manifestantes.
No dia seguinte, disse que é problema dele caso tenha se contaminado – ignorando a responsabilidade do cargo que ocupa. O pouco-caso de Bolsonaro não ajuda a adoção de medidas rígidas contra a doença, que já matou quase 7 mil pessoas em todo o mundo e pode matar quase 500 mil brasileiros se nada for feito para contê-la.
Ontem, os ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, anunciaram medida que autoriza o governo a prender quem não respeitar as medidas de quarentena e isolamento necessárias para conter a epidemia. Faltou dizerem se ela vai valer para o presidente da República, chefe de ambos.
Com a negligência de sempre, Bolsonaro promete uma festa de aniversário para o fim de semana, quando completa 65 anos de idade. Será uma festa para a proliferação do coronavírus – e, se for no Alvorada, colocará em em risco a saúde dos funcionários convocados para servir os convidados.
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