terça-feira, 20 de novembro de 2018

Resistir ou contestar? A dialogicidade como caminho viável, por José Erick Gomes da Silva



 "Norberto Bobbio (2004, p. 61), após afirmar que o alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder, diferencia resistência de contestação. Para o autor, enquanto a resistência implica uma ação prática – que pode ou não ser um ato de violência, a contestação é expressa no discurso crítico, isto é, um protesto verbal de não aceitação. Essa distinção é central porque torna possível a compreensão de que existem muitas formas de proceder em meio aos tempos de retrocessos sociais consideráveis. A ação acompanhada de estratégias argumentativas aparenta ser a maior das chances de tomada de poder na pós-modernidade. E embora essa suspeita não garanta a vitória de quem efetivamente defenda o Estado Democrático de Direito, ela proporciona esperança de que, nesse ambiente, mentes e corações possam ser disputados."

Do site Justificando:

Resistir ou contestar? A dialogicidade como caminho viável


Segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Resistir ou contestar? A dialogicidade como caminho viável

Imagem: grafite do artista Bansky. 
Por José Erick Gomes da Silva
As ações grupais, a exemplo daquelas exercidas pelos movimentos sociais, ganham contornos ainda mais característicos em conjunturas consideradas desfavoráveis às minorias sociais. Nesse contexto, é comum que se utilize dos termos tais como “luta”, “enfrentamento” e “resistência” como sendo próprios de um vocabulário engajado com as demandas em pauta. É quando também surge a oportunidade de refletir sobre o sentido e o alcance das palavras utilizadas e acerca da sua (in)compatibilidade com os caminhos a percorrer.
Desde logo, necessário esclarecer que não se trata, esta abordagem, de mera discussão terminológica, mas de uma reflexão que toma os usos linguísticos de modo a reconhecê-los dotados de uma carga de significativos que extravasam as possibilidades semânticas. Noutras palavras, o discurso é a externalização de ideias e pensamentos, e, além de afirmar pretensões de ação, é, em si, um agir, e como tal, capaz de influir na vida social, ainda mais nos ambientes permeados por questões de cunho ético, político e/ou jurídico. Logo, as palavras, faladas ou escritas, são também microestruturas de influência, de interação política, hábeis a proporcionar evoluções ou involuções nas tratativas humanas. Merecidamente, o discurso é aspecto comportamental que carece de atenção e, sobretudo, de compatibilidade com as ideias consagradas.
Norberto Bobbio (2004, p. 61), após afirmar que o alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder, diferencia resistência de contestação. Para o autor, enquanto a resistência implica uma ação prática – que pode ou não ser um ato de violência, a contestação é expressa no discurso crítico, isto é, um protesto verbal de não aceitação. Essa distinção é central porque torna possível a compreensão de que existem muitas formas de proceder em meio aos tempos de retrocessos sociais consideráveis. A ação acompanhada de estratégias argumentativas aparenta ser a maior das chances de tomada de poder na pós-modernidade. E embora essa suspeita não garanta a vitória de quem efetivamente defenda o Estado Democrático de Direito, ela proporciona esperança de que, nesse ambiente, mentes e corações possam ser disputados.
Tem-se como uma das mais lúcidas afirmativas a da deputada federal Talíria Petrone (PSOL/RJ) em entrevista ao veículo de comunicação El País quando diz da necessidade de se “voltar aos territórios, para as bases, mas não para levar uma verdade, mas para escutar”. É bem verdade que as pessoas que mais “resistem” estão às margens e sentem na pele as dores próprias das regiões consideradas suburbanas, dos municípios interioranos, dos morros e favelas. Ora, é preciso ouvir essa gente, sentir e dialogar um tanto com essa realidade. Esse é o arcabouço mais próximo para subsidiar as contestações que se agigantam capazes de devolver a sensibilidade ao cenário brasileiro.
O processo político pode ganhar com um esforço prático de ouvir mais do que semear verdades para contestar mais do que se apresentar imbatível, inflexível, rígido e resistente. Na lógica de Paulo Freire, estariam os agentes políticos deixando-se mediatizar-se pelo mundo, na convicção de que ninguém ensina ninguém, mas aprende em comunhão, no diálogo, na solidariedade, no ato de ouvir os sofreres e contestar ameaças autocráticas.
Atos de rua, ocupações, afrontas corriqueiras e demais estratégias de resistência marcam a política e podem ser fundamentais para a atuação da sociedade organizada em determinados momentos históricos. Contudo, soa urgente retomar esforços prioritários por um agir contestador, que, mais do que embates, busque o convencimento das pessoas, isso através da dialogicidade, habilidade inerente à condição humana.
José Erick Gomes da Silva é Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Monitor da disciplina de Teoria da Constituição. Coordenador-geral do Centro Acadêmico Guedes de Miranda. Estagiário na Justiça Federal em Alagoas.
Referências
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.  Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
EL PARIS. A esquerda precisa voltar aos territórios. Não para levar uma verdade, mas para escutar. El Paris Brasil. Disponível em: . Acesso em: 18 Nov. 2018.

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