segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Alain de Botton e a construção do Reich bananeiro, por Fábio de Oliveira Ribeiro




"Engajada na campanha de guerra contra o PT que resultou no golpe de 2016 contra Dilma Rousseff e, posteriormente, na eleição de Jair Bolsonaro, a imprensa brasileira se tornou uma característica fundamental do autoritarismo. Em breve os jornalistas serão convidados a ser fiadores da tirania bolsonariana que já se insinua nas redações dos jornais, nas ruas e nas escolas públicas. "


Por Fábio de Oliveira Ribeiro, no GGN:

A eleição de Bolsonaro e as primeiras ações do Sieg Heil Führer me fizeram readquirir interesse por esse livro que comprei e li há alguns anos.
“Na política moderna, existe uma noção fundamental – uma ideia muito bela e majestosa – de que cada cidadão, ainda que de forma modesta, é governante do país onde vive. O noticiário desempenha um papel central no cumprimento dessa promessa, por ser o canal por meio do qual encontramos os dirigentes, avaliamos sua capacidade de gestão e desenvolvemos nossas posições sobre os desafios econômicos e sociais mais prementes da época. As agências de notícias estão longe de ser características secundárias das democracias – na verdade, são suas fiadoras.”(Notícias – Manual do usuário, Alain de Botton, Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015, p. 27).
Engajada na campanha de guerra contra o PT que resultou no golpe de 2016 contra Dilma Rousseff e, posteriormente, na eleição de Jair Bolsonaro, a imprensa brasileira se tornou uma característica fundamental do autoritarismo. Em breve os jornalistas serão convidados* a ser fiadores da tirania bolsonariana que já se insinua nas redações dos jornais, nas ruas e nas escolas públicas. 
Bolsonaro não é tolerante como Dilma Rousseff. A presidenta petista caiu porque preservou a liberdade de imprensa. Desde que foi eleito o Sieg Heil Führer tupiniquim deixou bem claro que não irá tolerar críticas. Ele prometeu punir financeiramente as empresas de comunicação que façam oposição ao seu governo. Isso foi o suficiente para convencer* algumas delas a demitir jornalistas que criticaram Bolsonaro.
A censura estatal é proibida expressamente pela CF/88. A autocensura derivada do medo de uma punição financeira pode ser considerada imoral, mas dificilmente um Tribunal a consideraria ilegal a redução e/ou o redirecionamento das verbas públicas de propaganda da União e de suas autarquias e empresas públicas. Além disso, Bolsonaro pode perfeitamente disfarçar sua estratégia recorrendo à uma outra: usar as empresas que irão apoia-lo para inundar a sociedade com Fake News e informações favoráveis ao seu governo disfarçadas de notícias isentas:
“Um ditador contemporâneo empenhado em se firmar no poder não precisaria tomar uma atitude tão declaradamente sinistra quanto proibir a divulgação de notícias. Bastaria dar um jeito para que as organizações jornalísticas divulgassem uma torrente de boletins aleatórios, fornecendo uma grande quantidade de informações, mas com pouco explicação do contexto. Além disso, dentro de uma programação que não para de mudar, tratando como sem relevância uma questão que pouco antes parecia premente e salpicando atualizações constantes das peraltices interessantes de assassinos e estrelas de cinema. Isso já seria mais do que suficiente para minar a capacidade da maioria de compreender a realidade política e qualquer determinação que por acaso tivessem mobilizado para modificá-la. Uma enxurrada de notícias, e não sua proibição, seria suficiente para deixar o status quo inalterado para sempre.” (Notícias – Manual do usuário, Alain de Botton, Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015, p. 29)
Nenhuma tirania pode construir a realidade através da propaganda ou usar o jornalismo para impedir sua destruição eleitoral programada. Mas é evidente que um tirano pode se manter no poder por um tempo razoável se for capaz de criar múltiplas realidades para dividir a população e manter seu foco de atenção distante dos abusos governamentais. Putin tem utilizado essa estratégia para ser reeleito indefinidamente. Em troca de favores financeiros, a Rede Globo ajudou os militares a ficarem no poder 20 anos. O clã Marinho elegeu Fernando Collor e ajudou a derrubá-lo.
O poder simbólico da TV aberta está decrescendo em virtude da internet. Entretanto, a história recente do país demonstrou que os blogues não foram capazes de garantir o mandato de Dilma Rousseff ou impedir a eleição de Bolsonaro.
Há alguns meses a imprensa deu grande importância à possibilidade da eleição de 2018 ser anulada por causa do uso eleitoral de notícias falsas https://veja.abril.com.br/brasil/luiz-fux-eleicoes-podem-ser-anuladas-por-causa-de-fake-news/. Algumas empresas de comunicação deixaram de insistir nesse tema assim que Jair Bolsonaro conseguiu se eleger presidente pagando e coordenando uma campanha massiva de Fake News. O que mudou entre abril e novembro de 2018?
Do ponto de vista jurídico nada mudou. A única mudança que ocorreu desde então foi a seguinte: o tema Fake News somente poderia ser explorado pelos adversários do PT se Fernando Haddad ganhasse a eleição e isso não ocorreu. A percepção de que a eleição de Jair Bolsonaro é ilegítima - porque ele espalhou Fake News massivamente usando o Whatsapp - não interessa aos juízes, empresários, barões da mídia, investidores internacionais que ficaram satisfeitos com o resultado da eleição.
“São tantas versões da ‘realidade’ que é impossível falar da nação como se fosse uma coisa só. Passível de ser apreendida a cada dia, mesmo pelas agências de notícias mais determinadas. Talvez o noticiário adquira ares de maior autoridade quando o assunto é formar um retrato da realidade. Talvez alegue ter a resposta para a questão impossível que é saber o que está de fato acontecendo. Entretanto, a verdade é que ele não tem a capacidade universal de transcrever a realidade, apenas se limita a moldar a realidade por meio de escolhas que faz quanto às histórias que serão postas em foco e às que serão deixadas de lado.” (Notícias – Manual do usuário, Alain de Botton, Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015, p. 38)
Nenhum analista político sério deixou de admitir que Jair Bolsonaro se beneficiou da Lava Jato. Ao convidar ser Sérgio Moro para ser seu Ministro da Justiça o Sieg Heil Führer tupiniquim pagou tributo ao seu maior cabo eleitoral. O fato de Bolsonaro ter pertencido ao PP - ou seja, ao partido que mais recebeu propinas da Petrobras https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/24/politica/1524605415_828915.html - foi convenientemente varrido para debaixo do tapete pela imprensa brasileira. Desde que a Lava Jato começou os barões da televisão simplificaram a narrativa da operação para que a corrupção da Petrobras pudesse ser associada apenas às lideranças petistas.
“O que o noticiário deve fazer com os vilões? Hoje em dia, ele se empenha em entregar os piores deles à polícia. Ainda assim, a maioria dos casos é tratada com o instrumento mais característico do jornalismo: a humilhação. O noticiário evidencia níveis constantes de entusiasmo por histórias sarcásticas, entrevistas improvisadas na porta de alguém, fotografias tiradas em segredo e correspondência vazada. Pessoas que cometeram erros precisam ser transformadas em notícia para então enfrentar a repulsa e a indignação da maioria moralizante. A ideia implícita é de que a sociedade será reformada pela ruína de reputações e pela abjeção pública.” (Notícias – Manual do usuário, Alain de Botton, Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015, p. 56)
A imprensa criminalizou o PT e absolveu Jair Bolsonaro da corrupção praticada pelo partido a que ele pertencia antes de se filiar ao PSL. Apesar de ser competente, honesto e transparente, Fernando Haddad perdeu a eleição porque não conseguiu se livrar do estigma inventado pela mídia de que todos os petistas são desonestos. A reputação dele foi arruinada e assassinada para que o resultado da eleição pudesse favorecer dois vilões: o autoritário e corrupto Jair Bolsonaro e o parcial e dissimulado Sérgio Moro. Isso confirma uma outra tese do autor:
“As matérias jornalísticas tendem a aprender as questões de maneira a reduzir nossa vontade e até mesmo nossa capacidade de imaginá-las sob ângulos muito diferentes. Pela força de intimidação, o noticiário entorpece. Sem que ninguém busque um resultado em particular, ideias mais hesitantes, porém, potencialmente importantes, ficam debaixo do rolo compressor.” (Notícias – Manual do usuário, Alain de Botton, Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015, p. 66)
Bolsonaro não é o único culpado por ter chegado à presidência. O rolo compressor antipetista da imprensa criou o rolo compressor político que ocupará o Palácio do Planalto e utilizará o poder financeiro da União e o Ministério da Justiça para punir os críticos do Reich bananeiro e reprimir qualquer tipo de dissonância política. Sugiro aos interessados que comprem imediatamente um exemplar do livro resenhado, pois a venda dele será desestimulada* nos próximos anos.

*eufemismo.

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