sábado, 31 de agosto de 2024

MPF move ação civil contra militares por tortura e assassinato na ditadura

 

Do Jornal GGN:


União, Estado de São Paulo e nomes como Carlos Brilhante Ustra e Sérgio Fleury estão entre os citados; veja acusações e punições apresentadas




Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã


O Ministério Público Federal (MPF) deu entrada a um processo contra a União, o Estado de São Paulo e 46 militares e agentes públicos por crimes de tortura cometidos durante o período da ditadura militar.

Assinado pela procuradora da República Ana Letícia Absy, o documento é uma iniciativa do MPF em relação às violações cometidas durante a ditadura militar no Brasil, “visando a concretização de uma efetiva justiça de transição no Brasil através de medidas de justiça, reparação, memória, verdade e responsabilização”.

No documento, vários indivíduos são mencionados como torturadores e participantes diretos das práticas de repressão durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Veja alguns dos citados:

1. Sérgio Fernando Paranhos Fleury – Delegado do DOPS/SP, conhecido por sua participação ativa em torturas, sequestros e execuções de opositores políticos.

2. Carlos Alberto Brilhante Ustra – Coronel do Exército Brasileiro e chefe do DOI-CODI de São Paulo, considerado um dos principais responsáveis pelas torturas e assassinatos de presos políticos.

3. Carlos Alberto Augusto (Carteira Preta ou Carlinhos Metralha) – Investigador de polícia e integrante da equipe de Fleury, conhecido por sua brutalidade nos interrogatórios.

4. Harry Shibata – Médico-legista, envolvido na falsificação de laudos necroscópicos para encobrir mortes por tortura, como a de Vladimir Herzog.

5. Durval Ayrton Moura de Araújo – Policial vinculado ao DOPS/SP, envolvido diretamente nas operações repressivas e torturas.

6. Aloysio Fernandes – Delegado de polícia, associado a práticas de tortura e ocultação de cadáveres.

7. Sylvio Pereira Machado – Médico-legista que também forjou laudos para mascarar mortes por tortura.

8. Décio Brandão Camargo – Delegado e torturador que participou das operações repressivas contra dissidentes políticos.

9. João Carlos Tralli – Policial da equipe de Fleury, mencionado em ações de sequestro e tortura de presos políticos.

10. Absalon Moreira Luz – Policial envolvido em operações de repressão e tortura.

11. Erar de Campos Vasconcelos – Delegado e torturador do DOPS/SP.

12. Rubens Cardoso de Mello Tucunduva – Delegado do DOPS/SP, conhecido por participação em operações que resultaram em torturas e mortes.

13. Alcides Cintra Bueno Filho – Delegado do DOPS/SP, também envolvido em operações repressivas e torturas.

14. Paulo Augusto de Queiroz Rocha – Delegado associado a torturas e perseguições políticas.

15. Orlando José Bastos Brandão – Delegado de polícia vinculado a atos de repressão e tortura.

16. Ivahir Freitas Garcia – Investigador de polícia, também associado a práticas de tortura.

17. Walter Francisco – Membro do aparato repressivo do regime militar.

18. Humberto de Souza Melo – Envolvido em ações de repressão política, incluindo torturas.

19. Ernesto Milton Dias – Médico-legista que participou na falsificação de documentos para encobrir mortes decorrentes de tortura.

Esses nomes estão listados como réus na Ação Civil Pública do Ministério Público Federal por envolvimento em tortura, desaparecimentos forçados, homicídios e outras graves violações de direitos humanos.

A maior parte dos citados atuava principalmente no DOI-CODI, DOPS, e outras unidades de repressão.

Práticas de tortura

O documento descreve detalhadamente as práticas de tortura cometidas durante a ditadura militar no Brasil por órgãos de repressão, como o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).

Essas práticas foram usadas contra dissidentes políticos, “com métodos cruéis para extrair informações ou punir opositores ao regime”, diz o documento. Veja abaixo algumas das práticas adotadas pelos militares contra os militantes políticos:

1. Pau de Arara: Um dos métodos de tortura mais comuns. Consistia em pendurar a vítima pelos pulsos e tornozelos, usando barras de metal, de modo que ficasse suspensa e vulnerável a agressões físicas. Esse método era frequentemente combinado com choques elétricos e espancamentos.

2. Choques Elétricos: Aplicados com frequência nos órgãos genitais, seios e outras partes sensíveis do corpo. Os choques eram ministrados com fios elétricos ligados a geradores manuais, causando intensa dor e, muitas vezes, levando à perda de consciência.

3. Afogamento Simulado (Waterboarding): O prisioneiro era imobilizado e sua cabeça era submersa em água ou coberta com pano molhado, causando a sensação de afogamento. Esta prática provocava pânico e risco de morte por asfixia.

4. Agressões Físicas: Os detidos eram frequentemente espancados com socos, chutes, cassetetes e outros objetos contundentes. Algumas vítimas sofriam fraturas, lesões internas e ferimentos graves devido à brutalidade dos ataques.

5. Violência Sexual: Incluía estupros e outras formas de violência sexual, muitas vezes em mulheres grávidas. Os torturadores usavam a violência sexual como forma de intimidação e humilhação.

6. Privação Sensorial e Confinamento Solitário: As vítimas eram mantidas em celas sem luz, em condições insalubres, sem contato com o mundo externo, ou expostas a ruídos altos para impedir o sono, induzindo medo extremo e exaustão.

7. Forjamento de Laudos Médicos: Médicos legistas, como os mencionados no documento, forjavam laudos necroscópicos para ocultar sinais de tortura. Alegavam causas de morte como suicídio ou acidentes, mascarando os reais motivos dos óbitos, frequentemente associados a torturas brutais.

8. Tortura Psicológica: Incluía ameaças constantes de morte ou de violência contra familiares, simulação de execuções, e exibição de outros prisioneiros torturados para quebrar a resistência psicológica das vítimas.

O texto destaca ainda a participação de dois médicos legistas como responsáveis pela falsificação de laudos necroscópicos para encobrir mortes por tortura durante a ditadura militar no Brasil:

Harry Shibata: Médico-legista do Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo. Ele foi um dos responsáveis por forjar laudos que mascaravam as verdadeiras causas de morte de vítimas da repressão, como no caso do jornalista Vladimir Herzog. A versão oficial indicava que Herzog teria se enforcado na cela, mas testemunhas e evidências posteriores revelaram que ele morreu sob tortura.

Sylvio Pereira Machado: Médico-legista que também assinou laudos necroscópicos fraudulentos para encobrir mortes por tortura. Esses laudos frequentemente atribuíram a causa da morte a suicídios ou acidentes, quando na verdade as vítimas tinham morrido em decorrência das torturas sofridas nas dependências de órgãos de repressão.

Ainda de acordo com o citado relatório, “as mortes desses opositores – ocorridas por causa de torturas sofridas nas prisões mantidas pelo regime – foram justificadas, naqueles laudos, por outras razões, normalmente suicídio ou atropelamento”.

Punições aos envolvidos

No documento, o Ministério Público Federal (MPF) propõe várias punições e medidas de responsabilização para os acusados de tortura e outros crimes cometidos durante a ditadura militar.

As punições pedidas visam não apenas a punição individual dos réus, mas também a reparação às vítimas, a preservação da memória e a reforma institucional para evitar a repetição de tais práticas. Veja abaixo os pedidos apresentados:

1. Responsabilização dos Violadores de Direitos Humanos:

   – Condenação dos réus (pessoas físicas) a repararem os danos morais coletivos causados, mediante pagamento de indenização revertida ao Fundo de Direitos Difusos, em montante a ser fixado na sentença.

   – Perda de funções e cargos públicos, efetivos ou comissionados, atualmente exercidos pelos réus, e proibição de investidura em novas funções públicas.

   – Cassação dos benefícios de aposentadoria ou inatividade de todos os réus, independentemente da data em que foi concedido o benefício, caso a cassação ainda não tenha ocorrido em razão de decisão judicial.

2. Declaração de Omissão e Responsabilidade do Estado

   – Declaração da omissão da União e do Estado de São Paulo no cumprimento de suas obrigações de investigar efetivamente as circunstâncias e os responsáveis pelas prisões ilegais, torturas, mortes e desaparecimentos das vítimas.

   – Reconhecimento da responsabilidade desses entes públicos pela ocultação da real causa das mortes, e pela criação de uma relação jurídica entre os réus e a sociedade brasileira consistente no dever de reparar os danos imateriais causados.

3. Reparação dos Danos às Vítimas

   – Condenação dos réus a repararem regressivamente os danos suportados pelo Tesouro Nacional em indenizações pagas aos parentes das vítimas, conforme previsto na Lei nº 9.140/95, com valores atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios.

   – Realização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos narrados, em desagravo à memória das vítimas e à falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por torturas, sequestros, desaparecimentos e mortes.

4. Reforma Institucional

   – Condenação da União e do Estado de São Paulo a criar, em conjunto com os Ministérios da Defesa, Educação, Direitos Humanos, Cidadania e Igualdade Racial, um módulo educacional sobre igualdade de gênero, redução de discriminações, e combate às desigualdades entre homens e mulheres, a ser cursado obrigatoriamente por todos os integrantes das Forças Armadas e Polícias.

5. Preservação da Memória

   – Condenação da União e do Estado de São Paulo a publicar a sentença integral e seu resumo por um período de pelo menos um ano nas páginas eletrônicas oficiais, de forma acessível ao público, e promovê-la nas redes sociais.

   – Divulgação permanente dos fatos relativos às vítimas em equipamentos públicos destinados à memória da violação de direitos humanos durante o regime militar.

6. Medidas de Atenção à Saúde Física e Mental

   – Adoção de medidas de atenção à saúde física e mental dos familiares das vítimas, conforme sua vontade e de maneira consensual, visando a sua reabilitação.

7. Outras Medidas de Reparação

   – Pedido formal de desculpas a toda a população brasileira, incluindo referências explícitas aos casos específicos das vítimas mencionadas, em reconhecimento das violações de direitos humanos cometidas.

   – Cerimônia pública de reconhecimento de responsabilidade, com a presença de representantes dos Ministérios e Secretarias de Direitos Humanos, Justiça, Comunicações, Cultura, Defesa, Educação e Justiça e Segurança Pública, bem como das Forças Armadas e das vítimas.

Essas punições e medidas visam alcançar uma justiça de transição efetiva, promovendo a verdade, memória, reparação e responsabilização dos responsáveis pelos crimes da ditadura.

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