domingo, 8 de junho de 2014

Carl Rogers, o humanismo em Psicologia e a Abordagem Centrada na Pessoa


Texto de

Carlos Antonio Fragoso Guimarães






  Destacado pioneiro no desenvolvimento da chamada Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia - seguindo a classificação de Abraham Maslow -, Carl R. Rogers (1902-1987) foi um dos principais responsáveis - embora quase nunca se fale nisso - pelo acesso e reconhecimento dos psicólogos ao universo clínico, antes dominado pelapsiquiatria médica e pela psicanálise - que, nos EUA, era exercida exclusivamente por médicos até bem pouco tempo atrás. Sua postura enquanto terapêuta sempre esteve apoiada em sólidas pesquisas e observações clínicas, podendo-se, sem sombra de dúvida, dizer que o campo de pesquisas objetivas voltadas para o referencial teórico da Abordagem Centrada na Pessoa é formado por um número considerável de trabalhos e estudos, indo mesmo além  do número de pesquisas feitas sobre muitas outras abordagens, incluindo a psicanálise (Rogers & Kinget, 1977; Hart & Tomlinson,1970; Hall & Lindzey, 1993).

  Nascido em Oak Park, Ilinois, EUA, em 8 de janeiro de 1902, Carl Ranson Rogers era o filho do meio de uma grande família protestante de vertente fundamentalista - vertente esta que Rogers iria romper e criticar -, onde os valores tradicionais e religiosos, juntamente com oincentivo ao trabalho duro eram amplamente cultivados. Aos doze anos,Rogers e sua família mudam-se para uma fazenda, onde, em terreno tão fértil eestimulante, passou a se interessar por agricultura e ciências naturais.

  Posteriormente, na universidade, Rogers se dedicaria, inicialmente,   ao aprofundamento de seus estudos em ciências físicas e biológicas. Logo após graduar-se na Universidade de Wisconsin, em 1924, Rogers passou, como era de se esperar diante das espectativas de sua família, a frequentar o Seminário Teológico Unido, em Nova York, onde, felizmente, recebeu uma liberal visão mais filosófica que fundamentalista da religião. 

  Transferindo-se para o Teachers College da ColumbiaUniversity, foi introduzido no estudo da psicologia. Nesta mesma universidade obteveseus títulos de Mestre, 1928, e Doutor, 1931. Suas primeiras experiências clínicas, calcadas de início na tradição behaviorista e, ainda mais, psicanalista, foram feitas como interno do Institute for Child Guidance, onde sentiu a forte ruptura entre o pensamento especulativo freudiano e o mecanicismo medidor, interventivo e estatístico do behaviorismo. 

  Depois de receber seu título de Doutor, Rogers passou a fazer parte da equipe do Rochester Center, do qual passaria a ser diretor. Neste período, Rogers muito  havia aprendido e sido provocado pelas idéias e exemplos de Otto Rank, um clínico e teórico que havia se separadoda linha ortodoxa de Freud.

  Foi trabalhando em Rochester que Rogers atingiu novos insights e percepções do tratamento psicoterpêutico, o que lhe liberou da forte amarra acadêmica e concentual que havia (e ainda há) no ensino e prática da psicologia nas universidades:


“A equipe era eclética, constituída de elementos de várias procedências, e nossas discussões sobre métodos de tratamento baseavam-se na nossa experiência pessoal diária com nossos clientes (crianças, jovens e adultos). Era o princípio de um esforço transdisciplinar que muito significou para mim, e com o qual podíamos descobrir a ordem que existe em nossas experiências ao trabalhar compessoas (...)" (Rogers, 1977).

  Em 1939, Rogers passou a ocupar a cátedra de Psicologia da Universidade de Ohio. Por ter passado muito tempo envolvido diretamente coma clínica, a passagem para o meio acadêmico foi muito dura para ele. Ficou claro que, durante seu trabalho ativo com clientes, ele tinha atingido novas formas de pensar a prática psicoterapêutica que eram muito diferentes das abordagens acadêmicas convencionais e sua postura intelectualista. De todo modo, as críticas iniciais a que foi submetido e o interesse que os estudantes demonstravam em sua teoria compeliu-o a explanar melhor seus pontos de vista, resultando uma sériede livros, principalmente seu Counseling and psychoterapy (1942).

  Em 1945, Carl Rogers tornou-se professor de Psicologia na Universidade de Chicago e secretário executivo do Centro de Aconselhamento Terapêutico, quando elaborou e definiu ainda mais seu método de terapia centrada no cliente, a partir do legado de outros teóricos, principalmente Kurt Goldstein (c.f. a home page Psicologia Holística), formulando uma original teoria da personalidade e, ainda mais importante para o destaque de seu trabalho, conduzindo pesquisas sobre psicoterapia, o que muito pouco era feito comrelação à abordagem do momento, a Psicanálise (Hall & Lindzey, 1993;Rogers, 1951; Rogers & Dymond, 1954).

  A partir de 1957, Rogers passa a ensinar na Universidade em que se graduou, Winconsin, onde permanecerá até 1963. Durante esses anos, ele liderou um grupo de pesquisadores que realizou um brilhante estudo intensivo e controlado, utilizando a psicoterapia centrada com pacientes esquizofrênicos, obtendo, em alguns pontos, muito material sobre a relação terapêutica e muitos outro sdados de interesse científico, em termos estatísiticos, com estes pacientes e com seus familiares.  Foi o início de uma abordagem mais humana junto aos pacientes hospitalares e o início de um movimento de questionamento das técnicas padrão de tratamento manicomial.

 Em 1964, Rogers associa-se ao Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla, Califórina, entrando em contato com outros teóricos humanistas, como Abraham Maslow, e filósofos, como Buber e outros. 

Rogers passou a ser agraciado por muitos psicólogos pelo seu trabalho científico, e atacado por outros, que viam nele e em sua teoria uma abordagem tola e/ou perigosa para o status e o poder que tinham, principalmente nos meios médicos que se viram forçados a reconhecer, à custas das inúmeras pesquisas sérias levantadas por Rogers eseus auxiliaraes, que o psicólogo pode ter tanto ou mais sucesso no tratamento piscoterapêutico quanto um psiquiatra ou psicanalista... É duro para a medicina perder um espaço que lhe diminui o poder político e mítico sobre a visão que dela têm as pessoas comuns. Rogers foi, por duas vezes, eleito presidente da Associação Americanade Psicologia e recebeu desta mesma associação os prêmios de Melhor Contribuição Científica e o de Melhor Profissional.

  Carl Rogers morreu ativo, em 1987, aos 85 anos de idade.

 
O posicionamento filosófico de Rogers, e sua perspectiva e visão do ser humano foram bastante avançadas para a sua época, pois apresentam e representam um entendimento altamente holista, existencialista e sistêmico do homem, que fica extremamente claro em seus livros, e, em resumo, nesta passagem de Liberdade para aprender:


 “Sinto pouca simpatia pela idéia bastante generalizada de que ohomem é, em princípio, fundamentalmente irracional e que os seusimpulsos, quando não controlados, levam à destruição de si e dosoutros. O comportamento humano é, no seu conjunto, extremamenteracional, evoluindo com uma complexidade sutil e ordenada para osobjetivos que o seu organismo, como um todo sistêmico, se esforça poratingir. A tragédia, para muitos de nós, deriva do fato de que as nossasdefesas internas nos impedirem de surpreender essa racionalidade maisprofunda, de modo que estamos conscientemente a caminhar numadireção, enquanto organicamente caminhamos em outra".

  A Visão Sistêmica de Rogers
  

   É extremamente interessante que Rogers se refira à lógica do organismo como um  todo vivo, em processo de desenvolvimento contínuo, intuindo um tipo de racionalidade orgânica-holística que é muito mais sutil e mais profunda que o tipo de racionalidade intelectual, analítica e linear que, ordinariamente, se põe como a única coisa digna deste termo, racionalidade, eque, via de regra, se resume à capacidade de reter algumas informações ouhabilidades técnicas, adestradas a partir da educação formal. Nisto, podemos lembrar a célebre citação de Pascal de que "O Coração possui razões que aprópria razão desconhece".
  
   É este tipo de sabedoria interna ao organismo que se expressa noequilíbrio ecológico de todo o sistema vital encontrado no planeta. Assim como no amplo espectro do leque natural, a mesma racionalidade implícita à vida se expressano homem, como tendência à auto-atualização, que é a tendência natural doorganismo para atingir um grau de maior harmonia dinâmica interna e externa,exercitando suas potencialidades adaptivas de acordo com o seudesenvolvimento global junto ao meio em que vive. 

 Escreve Rogers: 


"É este impulsoque é evidente em toda vida humana e orgânica - expandir-se, estender-se,tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer - a tendência a expressar eativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o self" (c.f. Fadiman &Frager, 1986, p. 229).

 Desta forma, Rogers e sua teoria está inteiramente conforme à nova visão holística, ecológica, organísmica e sistêmica, dentro dos novos paradigmas orgânicos que surgem nas ciências físicas e biológicas, indo muito além do reducionismo simplista do Behaviorismo, ou do determinismo mecanicista da psicanálise e seu modelo hidráulico da psique humana, ainda muito aceito e comentadodevido à mística da abordagem mecanicista na cultura acadêmica, sempre a última a se abrir aos avanços do pensamento humano. Assim mesmo, convém lembrar que Rogers sempre concordou com pontos importantes destas duas escolas, e via em Freud um grande teórico, embora consideressa seu escopo e visão de homem, restritivo.

  A Escola Humanista

  Rogers, juntamente com outros teóricos, como Maslow, Goldenstein e outros, está convencido de que, tal como ocorre com uma planta que, mesmo em locais insalubres, luta em busca do sol e da vida, embora os meios lhe sejam adversos, nós, os seres humanos, temos um impulso inerente ao organismocomo um todo para nos direcionarmos ao desenvolvimento de nossascapacidades tanto quanto for possível, quer sejam físicas, intelectuais oumorais, em conjunto. 

  Embora Rogers não tenha incluido formalmente umadimensão espiritual ou transcendente em sua formulação da Tendência à Auto-Atualização, ele deixa claro suas percepções de um nível transpessoal em seusúltimos livros, particularmente em seu livro "Um Jeito de Ser", e a grande aproximação entre seus insights do contato profundo e transcendente no encontroterapêutico com a nova visão de mundo da Física Moderna, que é um ponto comum à Psicologia Transpessoal, a abordagem mais sofisticada emtermos de psicoterapia, atualmente. De qualquer forma, outros autores, comoCampbell e McMahon estederam a teoria rogeriana para descrever algunsaspectos da experiência de percepção transcendental.

  De um modo geral, as escolas humanistas de psicologia, na qual se insere o trabalho de Rogers e Maslow, opõem-se às concepções fragmantadoras da visão de homem de outras escolas. É por isso que elas criticam à psicanálise ortodoxa, por esta ter como visão de homem uma concepção semi-animalizada, onde a pessoa é movida muito mais por forças pulsionais ou, como na tradição anglo-saxônica, instinitvas de prazer eagressão, ao qual só por meio de muitas restrições culturais se pode, quandomuito, aplicar um certo verniz de civilização e socialização precária, com uminevitável preço de frustrações e de Mal estar na Civilização. Maslow, especialmente, criticou vementemente a psicanálise ortodoxa freudiana porgeneralizar suas conclusões sobre o ser humano a partir da observação clínicade indivíduos emocionalmente perturbados, do que resultou uma visãopessimista da natureza humana (Maslow, 1993). 

  Os humanistas também se recusam a aceitar a visão do behaviorismo radical de Skinner, que identifica o homem ao robô ou marionete do meio, cuja natureza comportamental é moldada, manipulada e controlada pelo condicionamento ambiental (idéia cara ao capitalismo e à propaganda homogeneizante). Seria um crasso erro, segundo os humanistas, a tendência exagerada a generalizar conclusões obtidas a partir de experimentos - muitos deles crueis e extremamente artificiais - realizados comanimais; ou mesmo quando, ao se fazer experimentos com pessoas, ao fato dese reduzir (por princípio de visão de mundo) a aspectos fisiológicos ou outrosmecanicistas, perdendo a dimensão psicológica propriamente dita. Os psicólogos humanistas preferem o estudo do homem em seupotencial mais positivo e a abordar a Psicologia a partir do prisma da saúde e do crescimento psicológico.

  Além deste aspecto teórico altamente positivo, a contribuição de Rogerspara a psicoterapia é constituída pelos princípios de sua experiênciaterapêutica denominado propriamente de "Terapia Centrada na Pessoa", onde é de fundamental importância a ênfase na experiência atual, relacionado aomaterial trazido pelo cliente no momento do encontro terapêutico, e que éligado à totalidade da experiência subjetiva vivenciada, o que se liga,igualmente, ao amplo oceano fluido e corrente dos sentimentos mais íntimos.Ela se refere ao que se é sentido imediatamente e que é implicitamentesignificativo para o sentimento que o sujeito experimenta ao ter umaexperiência. 

  O terapêuta, assim, age como um facilitador e um espelho para ossentimentos e pensamentos do cliente, que passa a tomar maior consciência econtato com o seu material vivencial, "percebendo" aspectos de suapersonalidade e de seus comportamente que lhe escapavam anteriormente.Daí, o cliente, auxiliado pela ajuda terapêutica, acaba por modificar ouamadurecer o conceito que tem de si e, consequentemente, a reavaliar suasestratégias de vida e visão de mundo. No fundo, todo o processo, em seuandamente, é fruto da ação do próprio cliente, de sua imersão ou não noprocesso terapêutico e de seu grau de investimento no mesmo. Daí o nome "Abordagem Centrada no Cliente ou na Pessoa".

  Sendo assim, os principais aspectos da abodagem rogeriana são:

  Atenção ao impulso sutil, mas sempre existente, em direção ao crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia nada mais é que a ajuda para a libertação do cliente em sua busca natural para o crescimento e o desenvolvimento normais.

  Maior ênfase aos aspectos afetivos e existenciais, que são muito maispotentes que os intelectuais.

   Maior ênfase ao material trazido pelo cliente e à sua situação imediatado que ao passado.

  Ênfase no relacionamento terapêutico em si mesmo, que constitui um tipo de entidade orgânica que se forma a partir do encontro entreterapêuta e cliente e que, em si, traz uma forte força para a experiência decrescimento de ambos, cliente e terapeuta. 


   Muito apropriadamente, Rogers usa a palavra "cliente" ao invés do termo "paciente", carregado do ranço mecanicista da abordagem biomédica. Um paciente é visto como alguém doente, que se submete passivamente à ação ativa de profissionais formados, que são mais "sábios" e competentes que ele mesmo. Um cliente é alguém que deseja um serviço que não pode executar sozinho,mas que está mais em pé de igualdade e, por isso, é menos "incompetente"que o paciente, ou seja, o cliente é visto como uma pessoa inerentementecapaz de entender e atuar sobre a sua própria situação. Há uma igualdade implícita no modelo terapêuta-cliente, hoje, terapeuta-pessoa, que não existe na abordagemmecanicista médico-paciente:

    "O indivíduo tem dentro de si a capacidade, aomenos latente, de compreender os fatores de sua vida que lhe causaminfelicidade e dor, e de reorganizar-se de forma a superar tais problemas".Rogers, portanto, entende a terapia como um processo que leva uma pessoa adescobrir as nuances de seu próprio dliema com o mínimo de ação por partedo terapêuta, que funciona como um espelho para o cliente. A terapia é "aliberação de capacidades já presentes em estado latente (...). Tais opiniões seopõem diretamente à concepção da terapia como uma manipulação, por umespecialista, de um organismo mais ou menos passivo" (Rogers & Kinget,1977, p. 192).

  Tal aspecto é fundamentalmente diferente da abordagens ondeo terapêuta é visto como o "mecânico" apto a "consertar" o problema do"paciente".

   Outra extraordinária contribuição de Rogers à psicoterapia foi sua dedicação à dinâmica da psicoterapia de grupo. Rogers compreendeu profundamente que os indívíduos em um grupo deixam-se envolver mais fortemente por um clima terapêutico, e que o grupo, em si, é um organismo, um sistema auto-regulador, onde cada indívíduo é parte fundamental constituinte do todo, ao mesmo tempo que também é um todo em si. Caracteristicamente, todos os grupos de encontro possuem um clima de segurança psicológica queencoraja a expressão de sentimentos à estímulos dos membros do próprio grupo, e abrange sempre o envolvimento afetivo como um todo. O modo como se dá o desenvolvimento do grupo é, quase sempre, imprevisível, mas segue, via de regra, um percurso auto-reguldor e auto-dirigente de uma criatividadeimpressionante, levando eficazmente a uma atuação terapêutica e cartáticagrupal, ligando os indíviduos do organismo coletivo, mesmo que haja um amplo amálgama de sentimentos díspares em momentos críticos do encontro coletivo.

   Por tudo isso, está claro que o legado de Rogers é de extremaimportância e atualidade, não podendo certos representantes da correnteracionalista dominante, por uma questão simplória de poder, defini-lo comoultrapassado ou superficial. Diante das mazelas de nossa época tecnocrata,onde as coisas estão cada vez pipores em termos de qualidade de vida, nãopode alguém que se diz representante de uma abordagem com 102 anos searvorar como sabedor de toda a verdade, pois, apesar dela, o mundo está cadavez pior. Neste momento, o aspecto existencial e otimista da PsicoterapiaCentrada no Cliente parece ser um método altamente positivo para nossasaúde psíquica. Cabe ao tempo, enfim, confirmar ou não tudo isso.

  

Um comentário:

  1. De todos os textos que li, o melhor sem dúvida. Obrigada pela explanação perfeita da história de Rogers.

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