Saiu na Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/revista/750/o-torturador-ofendido-8267.html
Política
Bahia
O torturador ofendido
O pastor Átila Brandão, destacado
agente da repressão na ditadura, tenta calar um jornalista que lembra seu
passado
por Leandro Fortes — publicado 24/05/2013
15:00, última modificação 26/05/2013 09:21
De Salvador
Censura. O agora evangélico (direita) conseguiu na Justiça retirar da internet um artigo revelador do jornalista Emiliano José.
Nas manhãs de sábado, o pastor Átila Brandão,
líder máximo da Igreja Batista Caminho das Árvores, faz uma exaltada pregação
na TV Aratu, retransmissora do SBT na Bahia. É uma mistura de ignorância,
oportunismo e preconceito. Exemplo: o ser humano é inteligente por falar e não
por pensar. Outro: o anticristo será um homossexual nascido de uma prostituta.
Não se assuste, o pastor tem a solução contra o mal. Além do apego ao Evangelho
e à Bíblia, Brandão acredita-se destinado a presidir o Brasil.
Infelizmente, a estratégia
para derrotar o coisa-ruim via Palácio do Planalto corre sérios riscos.
Atualmente, torturador de palavras e consciências, Brandão destacou-se nos anos
70 por outro tipo de barbárie, bem mais grave. Teve passagem marcante pelo
aparato de repressão da ditadura.
Denunciado pelo ex-deputado e jornalista Emiliano
José, o pastor perdeu a fleuma religiosa e ressuscitou seu velho estilo,
consagrado nos anos de chumbo. Então oficial da Polícia Militar da Bahia,
Brandão comandou espancamentos contra estudantes em Salvador entre 1968 e 1973.
Em um prazo de três meses, o evangélico fez um boletim de ocorrência, registrou
uma queixa-crime e abriu duas ações judiciais contra José. Seu objetivo
principal é censurar o jornalista por causa do artigo intitulado “A premonição
de Yaiá”. Publicado em fevereiro passado no jornal A Tarde e disponível na
internet, o texto trata de uma história assustadora.
Com base em um depoimento
gravado, o ex-deputado relata um momento na vida de Maria Helena Rocha Afonso,
conhecida como Dona Yaiá, mãe do preso político Renato Afonso de Carvalho,
ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Segundo Dona Yaiá,
em 1971, após sentir terrível angústia no peito, decidiu por conta própria
pegar um táxi e visitar o filho, então com 23 anos, preso no quartel da PM dos
Dendezeiros, na chamada cidade baixa. Carvalho havia sido preso no Rio de
Janeiro em fevereiro daquele mesmo ano por agentes da repressão e levado ao
quartel da Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, um dos mais cruéis
centros de torturas do regime. Por dois dias, ficou pendurado em um pau de
arara. Foi espancado e submetido a choques elétricos e afogamentos. Depois,
enfrentou um fuzilamento simulado. Como, ainda assim, não entregou ninguém, seu
assassinato parecia iminente.
Graças a um pedido do pai,
Orlando de Carvalho, e da interferência de Dom Eugênio Salles, à época
arcebispo do Rio de Janeiro, o militante foi salvo e transferido a Salvador.
Sob custódia da PM baiana, achou que a fase das torturas havia passado. Engano
absoluto. O militante do PCBR, hoje um respeitado professor de História na
capital da Bahia, reencontrou no quartel dos Dendezeiros um velho desafeto, o
capitão Átila Brandão.
Três anos antes, em 1968,
Carvalho havia integrado um movimento para expulsar Brandão da Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Bahia onde ambos estudavam. Em companhia de
outros militantes do movimento estudantil baiano, acusava o policial militar de
ser um dos muitos agentes infiltrados pela ditadura no campus, estratégia comum
naqueles tempos. Diversos estudantes identificaram o então tenente Brandão como
comandante de tropas da PM que durante manifestações de rua contra o regime
liderava com brutalidade desmedida a repressão aos manifestantes.
À frente de uma equipe de torturadores,
Brandão encontrou Carvalho em um dos porões do quartel, mas não quis conversa
sobre o passado. Assim que o viu, disparou socos, chutes e xingamentos, tática
normalmente usada antes das sessões de choques elétricos e afogamentos. O PM
queria saber se o estudante conhecia um grupo de militantes do PCBR preso no
Paraná pelo Exército. Quando estava prestes a montar o pau de arara e ligar a
máquina de eletrochoques, o oficial foi interrompido por um soldado. Dona Yaiá
havia passado pelas sentinelas e, resoluta, estava no corredor em frente ao
porão onde o filho era torturado.
Segue o relato de Dona
Yaiá, reportado por José, sobre a premonição naquele fevereiro de 1971: “Soube
que o soldado entrou, cochichou no ouvido de Átila, e ele, irritado, mandou
parar tudo, juntar o pau de arara e o resto, e se retirou. Cessou a tortura. Quando
Renato saiu da sala, eu o abracei, perguntei-lhe se estava tudo bem, ele disse
sim, mas pediu para que avisasse o advogado Jaime Guimarães. Queriam voltar a
torturá-lo. Fiz o que Renato pediu. Não voltou a ser torturado”.
Brandão nega tudo, apesar
das evidências. Entre elas, o documento número 45/69 da agência baiana do
antigo Serviço Nacional de Informações datado de 13 de outubro de 1969, em que
ele é citado reiteradas vezes como agente da repressão. O nome do ex-PM está na
ficha montada pelo SNI sobre Rosalindo Souza, militante do PCdoB, morto e
desaparecido na Guerrilha do Araguaia, em 1973. Assim como Carvalho, o
guerrilheiro estava entre os estudantes que pediram a expulsão do policial
militar da Faculdade de Direito em 1968.
O pastor reagiu à divulgação
do artigo, à repercussão na Bahia e, claro, às ameaças a suas antigas
pretensões eleitorais. Em 2006, foi candidato ao governo pelo PSC, partido do
deputado Marco Feliciano, de São Paulo, com quem divide as mesmas opiniões
homofóbicas. Em 2012, apoiou ACM Neto à prefeitura de Salvador e ganhou, como
prêmio, a nomeação de um filho, Átila Brandão de Oliveira Júnior, para o cargo
de assessor especial da subchefia de gabinete do prefeito do DEM. Júnior era
diretor da Faculdade Batista Brasileira, um dos negócios do pai.
Nas ações judiciais, Brandão acusa o jornalista de
“pau mandado” e “papagaio de pirata”. Para calá-lo, pediu uma indenização de 2
milhões de reais e a retirada do artigo “A premonição de Yaiá” do site do
ex-deputado, com multa diária de 10 mil reais, no caso de desobediência. Em 13
de maio, a juíza Marielza Brandão Franco, em decisão liminar, mandou retirar o
texto, a esta altura reproduzido em centenas de sites pela internet, da página
de José e reduziu a multa diária a 200 reais. “Esta é a primeira tentativa
clara de cercear minha liberdade em 35 anos de carreira jornalística”, lamenta
o ex-deputado.
Enquanto aguarda a decisão
final do Tribunal de Justiça sobre as ações, o jornalista coleciona apoios de
entidades de defesa de direitos humanos e reúne novos documentos sobre a
participação do ex-capitão da PM na repressão durante a ditadura. Brandão
deverá ser um dos primeiros convocados pela Comissão Estadual da Verdade, a ser
instalada nos próximos dias, em Salvador, pelo governador petista Jaques
Wagner. Também deverá ser convidado a falar na Comissão da Verdade da
Assembleia Legislativa, também instalada recentemente.
Em 25 de abril, em
depoimento ao Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia, Carvalho havia confirmado a
exatidão do conteúdo tanto do relato da mãe, Dona Yaiá, quanto do artigo do
ex-deputado. Na terça-feira 21, a CartaCapital o professor afirmou ter
reconhecido o capitão Brandão no instante em que ele entrou na sala onde o
haviam colocado para ser torturado, no quartel dos Dendezeiros. “Ele também me
reconheceu, da Faculdade de Direito, tanto que me chamou de Renato, e não de
‘Joel’, meu nome de guerra no PCBR.”
No fim do ano passado, em um evento para empresários evangélicos,
Brandão confessou a uma plateia na qual estava o deputado federal Anthony
Garotinho que antes de ser cristão era um advogado corrupto e corruptor, além
de cidadão “pronto para matar alguém”. Portava sempre uma pistola calibre 45
com dois carregadores cheios de balas. O pastor não respondeu aos pedidos de
entrevista da revista. Segundo uma secretária da Igreja do Caminho das Árvores,
ele estava em viagem.
Bom trabalho, dá pra perceber o perigo que as bandeiras religiosas representam na política.
ResponderExcluirPOLÍTICA E RELIGIÃO NÃO SE MISTURAM, PORQUE SUA MISTURA É FÉTIDA!
ResponderExcluir