Texto de Mustafá Ali Kanso
Site Hyperscience
Muitos colegas de trabalho, clientes,
alunos e até familiares elogiaram minha aquisição, citando todas as inegáveis
vantagens dessa “maravilha da tecnologia”:
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Além de telefone é máquina fotográfica;
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É também computador,
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Possibilita o acesso à internet,
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Possui GPS integrado,
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Pode carregar e-books, ler e enviar e-mails,
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Etc., etc., etc.
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Ficando cada vez mais surpreso com
minha inteligência e meu senso de oportunidade por tê-lo comprado. (Hoje vejo
que a inteligência e o senso de oportunidade foi de quem me vendeu o aparelho).
De fato fiquei muito feliz com a
compra naquela ocasião.
Fui órfão dos “Pocket-PCs” por muito
tempo e quando pude aliar telefone ao computador numa única gerigonça portátil,
fácil de carregar pelos aeroportos da vida, tornando-se tábuas de salvação em
intermináveis horas de espera em “check ins” por esse mundo afora, comecei a
ter fé nos tecnólogos de plantão.
Sem perceber que eu tinha sido
fisgado vivi o sonho durante um semestre.
Em agosto de 2011 o mesmo aparelho
ainda figurava em minha aljava e meus antigos admiradores transformaram-se em
meus inquisidores:
- Ainda com o mesmo aparelho?
- Não vai trocar?
- Já chegou o novo modelo, sabia?
- Deixa de ser pão-duro!
E assim por diante.
Eu nem cogitava trocar de aparelho.
Afinal o pobrezinho estava
praticamente novo e atendia todas as minhas necessidades.
Quando manifestei essa ideia de gente
comedida – que só compra coisas que realmente necessita – quase fui
crucificado.
A lição do pós-modernismo é simples:
- Mantenha seu status a qualquer
preço.
Afinal a imagem de pessoa “antenada”
que eu havia conquistado não tinha preço!
Em verdade tinha preço, sim! – e era
muito alto.
Ora, dane-se! Afinal eu “podia”
comprar um aparelho novo! Eu trabalhava para isso. Para me proporcional
esse conforto.
O fato de que o antigo continuasse
atendendo minhas necessidades era apenas um detalhe. Eu poderia vendê-lo,
doá-lo, etc.
- Afinal, o novo modelo era mais
bonitinho e tinha uma tela 0,25 polegadas maior!
Com esses e outros pensamentos,
confesso que quase sucumbi à tentação – mesmo percebendo a sutil armadilha do
consumismo:
- Tentado fazer com que eu preenchesse
com coisas materiais um vazio que não poderia nunca ser preenchido com coisas
materiais.
Eu sabia que o telefone era apenas a
ponta do iceberg. Teria o carro zero, a moto, o trailer, o barco, a casa de
praia, a casa de campo, a casa da montanha, a casa da serra, a casa do bosque…
De repente entendi por que meu vizinho
trabalhava muito, fazendo o que não gostava, para comprar tantas coisas que não
precisava:
- Ele queria muito impressionar um
monte de pessoas que não conhecia!
Acho que devido a esse exemplo de
obsessão e infelicidade que grassava ao meu lado eu não me conformava com a
ideia:
Por que estourar meu cartão de
crédito para comprar coisas que eu não preciso?
Sem tantas contas para pagar eu posso
trabalhar menos. Ter mais tempo para descansar, curtir a família e os amigos.
Ser um pouco mais livre e ter
um pouco mais de vida, afinal!
Para concluir,
Uma releitura de uma das fábulas de
Louis Pauwels, de como as antigas tribos caçavam os macacos que compunham
parte de seu cardápio:
Eles amarravam nos coqueiros
preferidos desses primatas algumas cumbucas, todas cheias de pistaches.
No entanto, a abertura de cada
cumbuca era estreita o suficiente para permitir a passagem de apenas uma das
mãos – e esta – sempre estando aberta.
Uma vez que o animalzinho fechasse
sua mão sobre a prenda, o punho assim cerrado ficaria preso no estrangulamento
da cumbuca, aprisionando, por sua vez, o próprio animal.
Evidentemente se o animal abrisse a
mão, ele escaparia facilmente. No entanto, seu instinto não o permitia.
E assim, ficava o infeliz aprisionado
à cumbuca, gritando, forçando suas amarras, sem abrir sua mão e, portanto, sem
conseguir escapar de seu destino.
Por vezes eu flagro boa parte da
humanidade nessa mesma situação:
- Sendo prisioneira de seus pertences.
E nas palavras de Pauwels:
“- É necessário apalpar, examinar os
frutos-armadilhas, depois afastarmo-nos com rapidez. Satisfeita a curiosidade,
convém dirigir imediatamente a nossa atenção para o mundo em que estamos,
recuperar a nossa liberdade e a nossa lucidez, retomar o caminho sobre a Terra
dos Homens da qual fazemos parte.”
Muito interessante este texto.... Adorei
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