terça-feira, 30 de abril de 2013

Leonardo Boff e a Libert-Ação


Libert-ação: ação que liberta a liberdade cativa

29/04/2013

Liberdade é mais que uma faculdade do ser humano  de poder escolher ou exercer o livre arbítrio. A liberdade pertence à essência do ser humano. Mesmo sem poder escolher, o escravo não deixa de ser, em sua essência, um ser livre. Pode resistir, negar e até se rebelar e aceitar ser morto. Essa liberdade ninguém lhe pode tirar.
Entre muitas definições, penso que esta é, para mim, a mais correta: liberdade é capacidade de  auto-determinação.
Todos nascem dentro de um conjunto de determinações: de etnia, de classe social, num mundo já socialmente construído e sempre por construir. É a nossa determinação. Ninguém é livre de alguma dependência. Ela pode ser uma opressão como o trabalho escravo ou o baixo salário. Ao lutar contra, exerce  um tipo de liberdade: liberdade de questionar, de resistir desta situação. É a luta por sua in-dependência e  autonomia.   Ele se auto-determina: assume a determinação mas para superá-la e ser livre de, livre dela.
Mas existe ainda um outro sentido de liberdade como  auto-determinação: é aquela força interior e própria (auto) que lhe permite ser livre para: para construir sua própria vida, para ajudar a transformar as condições de trabalho e para criar outro tipo de sociedade onde seja menos difícil ser livre de e para. Aqui se mostra a singularidade do ser humano,  ser histórico, construtor de si mesmo, para além das determinações que o cercam. A liberdade é uma libert-ação, vale dizer, uma ação autônoma que cria a liberdade que estava cativa ou ausente.
Estes dois tipos de liberdade ganham uma expressão pessoal, social e global.
Em nível pessoal a liberdade é o dom mais precioso que temos depois da vida: poder se expressar, ir e vir, construir sua visão das coisas, organizar a vida como gosta, o trabalho e a família e eleger seus representantes políticos. A opressão maior  é ser privado desta liberdade.
Em nível social ela mostra bem as duas faces: liberdade como independência  e como autonomia. Os países da América Latina e do Caribe ficaram independentes dos colonizadores. Mas isso não significou ainda autonomia  e libertação. Ficaram dependentes das elites nacionais que mantiveram as relações de dominação. Com a resistência, protestação e organização dos oprimidos, gestou-se um processo de libertação que, vitorioso, deu autonomia às classes populares, uma liberdade para  organizarem outro tipo de política que beneficiasse os que sempre foram excluídos. Isso ocorreu na América Latina a partir do fim das ditaduras militares que representavam os interesses das elites nacionais articuladas com as internacionais. Está em curso um processo de libert-ação para, que não se concluiu ainda mas que fez avançar a democracia nascida de baixo, republicana e de cunho popular.
Hoje precisamos também de uma dupla libertação: da globalização econômico-financeira que explora mundialmente a natureza e os países periféricos, dominada por um grupo de grandes corporações, mais fortes que a maioria dos Estados. E uma libertação para uma governança global desta globalização que enfrente os problemas globais como o aquecimento, a escassez de água e a fome de milhões e milhões. Ou haverá uma governança colegiada global ou há o risco de uma bifurcação na humanidade, entre os que comem e os que não comem ou padecem grandes necessidades.
Por fim,  hoje se impõe urgentemente um tipo especial de liberadade de e de liberdade para. Vivemos a era geológica do antropoceno. Isto significa: o grande risco para todos  não é um meteoro rasante, mas a atividade irresponsável e ecoassassina por parte dos seres humanos (ántropos). O sistema de produção imperante capitalista, está devastando a Terra e criou as condições de destruir toda a nossa civilização. Ou mudamos ou vamos ao encontro de um abismo. Precisamos de uma liberdade deste sistema ecocida e biocida que tudo põe em risco para acumular e consumir mais e mais.
Precisamos também de uma liberdade para: para ensairmos alternativas que garantam a produção do necessário e do decente pra nós e para toda a comunidade de vida. Isso está sendo buscado e ensaiado pelo bien vivir das culturas andinas, pela ecoagricultura, pela agricultura familiar orgânica, pelo índice de felicidade da sociedade e outras formas que respeitam os ciclos da vida. Queremos  uma biocivilização.
Como cristãos precisamos também libertar a fé cristã de visões fundamentalistas, de estruturas eclesiásticas autoritárias e machistas para chegarmos a uma liberdade para as mulheres serem sacerdotes, para os leigos poderem decidir junto com o clero os destinos de sua comunidade, para os que tem outra opção sexual. Precisamos de uma Igreja que, junto com outros caminhos espirituais, ajude a educar a humanidade para o respeito dos limites da Terra e para a veneração da Mãe Terra que tudo nos dá.
Esperamos que o Papa Francisco honre a herança de São Francisco de Asssis que viveu uma grande liberdade das tradições e para novas formas de relação para com a natureza e com os pobres.
A luta pela liberdade nunca termina, porque ela nunca é dada mas conquistada por um processo de libert-ação sem fim.

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