quarta-feira, 5 de março de 2025

O Oscar e o “patriotismo”!, por Dora Incontri

 

O Brasil inteiro explodiu e comemorou quando da costumeira frase: And the Oscar goes to…I’m still here! O grito foi do Oiapoque ao Chuí



O Oscar e o “patriotismo”!

por Dora Incontri (publicado no Jornal GGN)

E a semana se passou e ganhamos pelo menos um Oscar, o primeiro da história. Em que pese o descontentamento cabível pelo fato de Fernanda Torres e Demi Moore – ambas protagonistas de filmes críticos – terem perdido para uma atriz de um filme tipicamente hollywoodiano, o nosso Oscar de melhor filme internacional não teve menos sabor por isso.

Há que se abrir também o parêntese de que se trata de uma premiação embebida no domínio cultural dos Estados Unidos. Mesmo assim, ou por isso mesmo, o quanto é significativo abrir essa brecha para a premiação de um Oscar para um filme brasileiro que, no fundo, é uma crítica ao país que ajudou a implantar o golpe de1964 e treinou os torturadores que mataram Rubens Paiva!

O que chamo à análise neste texto, porém, é o grito uníssono, entusiástico, que explodiu no Brasil inteiro quando da costumeira frase: And the Oscar goes to…I’m still here! Do Pelourinho a Curitiba, foliões nas ruas interromperam o samba para comemorar o prêmio. Por uma feliz coincidência, o povo estava reunido para o Carnaval e festejou o Oscar a plenos pulmões. É verdade que houve bolsonaristas rangendo os dentes nas redes – pela temática do filme e pela natural ojeriza que a extrema direita tem a qualquer bem artístico e cultural. Mas, mesmo assim, houve um momento de grande congraçamento, de catarse popular, de alegria pura.

Isso pode nos levar a uma reflexão importante sobre a questão do patriotismo. A extrema direita se autointitula patriota, mas entrega o pré-sal brasileiro, comporta-se de maneira subserviente ante o imperialismo estrangeiro, despreza a cultura nacional e nunca está alinhada aos interesses legítimos do país.

Já a esquerda tem uma tendência mais internacionalista: nem pátria, nem patrão é um slogan anarquista; trabalhadores do mundo, uni-vos! – é a convocação comunista. O nacionalismo sempre foi um movimento de direita e, quando mais acentuado, de extrema direita, e continua sendo assim nas tendências atuais de ascensão de governos anti-imigrantistas, de proteção de fronteiras, por exemplo.

Hoje, com o entendimento da economia global e do sistema ambiental todo interligado do planeta, torna-se infantil não reconhecermos que pertencemos a uma só humanidade, fazendo parte vital de uma só planeta. Somos interdependentes. Somos irmãos, segundo a proposta antiga do cristianismo, no que tem da essência do ensino de Jesus.

Apesar desse entendimento necessário, científico, filosófico e espiritual, ainda vivemos entrincheirados, em guerra permanente, fomentada pela indústria bélica, pelos Estados imperialistas e pela força do capital, que pretendem manter seu domínio para até não sei quando. Há uma urgência em nos sentirmos parte de um todo, inteiro e indivisível por essas fronteiras artificiais. Há uma carência de nos considerarmos irmãos uns dos outros e estendermos nossa empatia para além do nosso quintal.

Isso tudo, porém, não exclui o amor que possamos ter por nossa terra – sem fanatismo, sem exclusivismo, sem hostilidade ao outro. Essa sensação de pertencimento, de orgulho, de autoestima, em relação ao país onde nascemos, à língua que falamos, aos bens culturais e artísticos que nos alimentam – tudo isso nos faz um bem danado, porque nos fincamos no solo que é nosso, de onde podemos anunciar a nossa contribuição para o mundo.

Devo dizer que a postura de Fernanda Torres durante todo esse processo de indicação e premiação do filme Ainda estou aqui, foi simplesmente exemplar, mostrando a nossa melhor parte: ela se comportou de maneira alegre, leve, satisfeita com o trabalho feito, crítica da história, espontânea e afetiva como só um(a) brasileiro(a) sabe ser, em tudo fraterna e respeitosa com os concorrentes ao prêmio. Tudo isso lavou a nossa alma diante do ufanismo patrioteiro (aliás traidor da pátria) dos bolsonaristas de plantão.

Então, sim, podemos nos orgulhar do rincão onde nascemos, onde também nasceram Eunice Paiva e… apenas para citar alguns, Guimarães Rosa, Drummond, Chico Buarque, Nise da Silveira, Lelia Gonzalez e infinitos outros, que fazem o Brasil ser Brasil. Sem termos de enveredar por um ufanismo burro, tornando-nos incapazes de sermos humanos, planetários e universalmente fraternos.

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

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