segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Crimes nazistóides da seita fanática da elite bolsonarista em reportagem de O Globo: 'Se ele (Hitler) fez com judeus, eu faço com petistas': discriminação e ameaças invadem escolas e universidades no cenário pós-eleição

 

Intolerância dos alunos se deve às falhas em métodos escolares que não preveem diálogo ou participação ativa dos estudantes sobre esses temas


Por Malu Mões - O Globo — São Paulo

 


Aluno de um colégio de elite em São Paulo onde se promoveu a intolerância, Antonio Biebi é militante do movimento negro e atua em diferentes causas sociais
Aluno de um colégio de elite em São Paulo onde se promoveu a intolerância, Antonio Biebi é militante do movimento negro e atua em diferentes causas sociais Edilson Dantas


Quando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial foi confirmada no último domingo, o adolescente de 15 anos Antonio Biebie viu suas redes sociais serem tomadas por mensagens com discurso de ódio, disseminadas por alunos da Fundação Visconde de Porto Seguro, colégio de elite em Valinhos, interior de SP, onde ele cursa o primeiro ano do ensino médio.

Um estudante do colégio afirmou que “petista bom é petista morto” e também compartilhou pelos stories de seu perfil no Instagram uma foto de Hitler: “Se ele fez com judeus, eu faço com petistas”, dizia o post. No grupo de WhatsApp, no qual Antonio, que é negro, foi adicionado sem que tivesse solicitado, mensagens como “Quero que esses nordestinos morram de sede”, “Fundação pró-escravização do Nordeste” e “Quero ver pobre se f… mais ainda” foram publicadas. Figurinhas nazistas também inundaram o grupo, batizado “Fundação Anti Petismo”, que já contava, quando Antonio entrou, com 32 participantes.

Diante da divulgação do caso, o colégio Porto Seguro disse, em nota, “repudiar qualquer ação e ou comentários racistas” e “não admitir nenhum tipo de hostilização, perseguição, preconceito e discriminação”. Afirmou ainda que faz palestras e projetos sobre diversidade de opinião, raça e gênero, o que Antonio aponta como eventos raros. Na última sexta-feira, oito alunos foram expulsos do colégio.

— Me revolta saber que existem pessoas assim na minha escola. Mas, se resolver, eu vou me sentir mais livre — desabafou Antonio, antes de saber da decisão pela expulsão tomada pelo colégio.

Ele conta que as mensagens de intolerância e racismo vão ficar na sua cabeça ainda por um tempo e que isso atrapalha seu desempenho escolar.

    A história de Antonio é uma entre muitas outras de intolerância e discriminação relatadas nos últimos dias por pais e alunos de escolas e universidades espalhadas pelo Brasil. Diante das eleições polarizadas, discursos de ódio e violência políticas se multiplicaram. E se estenderam após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL).

    Antonio, que é simpatizante do PT e militante de causas sociais, conta ter ficado tenso ao ver o conteúdo ofensivo de seus colegas. Ao lado da mãe, que é advogada, o jovem denunciou o caso, agora investigado pela Polícia Civil, mas fica com medo de ser “cobrado” por outros estudantes.

    Antonio afirma que, quando foi procurada, a escola não tomou medidas para acolhê-lo, apesar de ter suspendido, de imediato, o aluno que compartilhou a foto de Hitler.

    — Seria importante existir um comitê antirracista ou antipreconceito (no colégio)— sugere Antonio.

    Falta diálogo

    A pedagoga Luciene Tognetta, professora do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que casos de intolerância política entre alunos são comuns, mas vêm sendo “abafados” pelas escolas.

    Luciene atribuiu a intolerância dos alunos a falhas em métodos escolares que não preveem diálogo ou participação ativa dos estudantes sobre esses temas:

    — Essa imposição (de um aluno) sobre o outro é resultado de anos de práticas autocráticas de escolas. Ou seja, o professor é o único que fala, e as regras são feitas apenas por eles e pelos diretores, sem discussão com os alunos.

    Ela recomenda que as escolas ouçam mais a opinião dos estudantes e que as aulas sejam feitas em círculo. Em episódios de intolerância ou conflitos, afirmou ser importante debater, em roda, com os estudantes como eles se sentem.

    — Os alunos não aprendem formas mais assertivas de resolução de conflitos porque eles não são convidados a se colocar no lugar do outro e entender por que estão pensando desse outro jeito. Isso culminou nessa polarização que vivemos no país — avalia.

    Os casos de intolerância pós-eleição têm acontecido em várias cidades do país, com estudantes do ensino fundamental ao superior. Em Porto Alegre (RS), adolescentes do Colégio Israelita Brasileiro (CIB) fizeram, às gargalhadas, uma live no TikTok com insultos preconceituosos a pobres e nordestinos, atribuindo a eles uma suposta culpa pela vitória de Lula. A conta da estudante que publicou a transmissão foi apagada da rede social.

    “(A vitória do Lula) não muda nada na minha vida, sua pobre, vagab…, não vem reclamar depois que meu pai for te demitir”, diz a estudante na live. Na sequência, outro aluno diz que “todos os nordestinos deveriam tomar no c...” e que “600 pila pra gente não é nada”, em referência ao Auxílio Brasil. A aluna, então, conclui: “A gente limpa o c… com 600 reais, não faz diferença, por isso a gente deixa pra vocês”.

    Em nota, o CIB reforçou “firme repúdio às manifestações”: “O discurso de ódio não será tolerado. Serão aplicadas as penalidades cabíveis. Essas ações em nada refletem nossos princípios filosóficos e nossa prática pedagógica”, informou a escola, sem especificar que medidas seriam tomadas.

    Agressões físicas

    Na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande (MS), o ambiente também foi afetado por manifestação política com violência. Cerca de 70 alunos de cursos ligados ao agronegócio protestaram a favor de Bolsonaro dentro da faculdade na última segunda-feira. Gritando “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”, eles fizeram o ato no bloco de cursos de saúde e ciências humanas durante o horário de aula. Aproximadamente 20 apoiadores do petista reagiram, falando “ei, Bolsonaro, vai tomar no c…”.

    O grupo bolsonarista carregava duas bandeiras, a do Brasil e outra associada a movimentos de extrema-direita. Uma estudante simpatizante do PT tentou tomar a bandeira dos bolsonaristas e foi empurrada e chutada pelos militantes de direita, e teve de ser amparada por um professor. Ela fez um boletim de ocorrência do episódio. Carros com adesivos do petistas também foram danificados.

    A aluna agredida e outros estudantes antibolsonaristas afirmaram ao GLOBO sentirem medo de andar pelo campus e estarem preocupados com represálias.

    — Eu me sinto coagida. Ficamos com medo — disse a estudante, que pediu para não ser identificada.

    O GLOBO procurou manifestantes bolsonaristas que participaram do evento na universidade, mas não obteve retorno. A UCDB afirmou, em nota, “prezar pela democracia, mas repudiar qualquer atitude que vá contra a integridade física e moral das pessoas”.

    Dentre outros casos recentes tum aconteceu em Curitiba, no colégio Marista Santa Maria, onde alunas vestidas de vermelho foram insultadas e empurradas ao estenderem uma bandeira do PT. Poucos dias depois, circulava pelas redes sociais a imagem de um aluno do mesmo colégio com uma suástica pintada com ketchup.

    E em Florianópolis, foi divulgada, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma carta de cunho nazista e racista dizendo que “gays, negros, mulheres femininas, gordas e amarelos” serão “destruídos”.

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