sexta-feira, 18 de junho de 2021

Como a guerra da cloroquina (que encheu empresários de dinheiro no Brasil) emburreceu o país bolsonarizado, por Luis Nassif

 A questão toda é que, quando Donald Trump e seu êmulo provinciano, Jair Bolsonaro, resolveram desfraldar a bandeira da cloroquina, a politização sufocou qualquer discussão racional.

E não sem razão. A suposta eficácia da cloroquina serviu de álibi para Bolsonaro montar seu terraplanismo, combatendo a vacinação, o isolamento e até o uso de máscaras. 

Por Luis Nassif

A CPI da Covid convocou dois especialistas, aparentemente técnicos, para defender o uso da cloroquina. Deram explicações razoáveis em defesa da eficácia do remédio contra o Covid.

Se estão certos ou não, obviamente não serei eu a dizer.

Mas me chamaram a atenção para a dimensão de Fla-Flu junto ao público leigo. Ficam os jornalistas, até os melhores, pescando explicações aqui e ali, que possam reforçar suas convicções, sem ter a menor formação sobre o tema.

Por exemplo, os defensores da cloroquina dizem que eles combatem a doença.

Aí os críticos dizem que não, porque ela bloquearia uma porta de entrada do virus, mas não uma segunda porta.

Os defensores rebatem sustentando que o papel da cloroquina é reduzir ao máximo o nível de contaminação, antes da internação. E, se fecha uma porta, automaticamente estará reduzindo. Ou seja, ela não é vacina, não resolve definitivamente, mas pode deixar o organismos em melhores condições, por fechar uma das portas de entrada do virus.

Não tenho formação para saber se o argumento procede ou não. Mas há lógica nas justificativas deles sobre a resistência da chamada ciência em aceitar conclusões provenientes das observações de campo.

Segundo os médicos que foram à CPI, o método científico na avaliação de medicamentos é definitivo, mas demorado e custoso. Exige muitos testes, muitos recursos. Depois, há o tempo de desenvolvimento da tese, em cima das conclusões. Finalmente, a apresentação do projeto para publicação em revistas. Há o júri que precisa analisar o trabalho. E, depois, ele precisa aguardar na fila para publicar. Daí a demora.

Enquanto isto, as observações empíricas são testadas em populações menores e leva algum tempo para que a soma desses testes possa originar um trabalho de maior fôlego.

A questão toda é que, quando Donald Trump e seu êmulo provinciano, Jair Bolsonaro, resolveram desfraldar a bandeira da cloroquina, a politização sufocou qualquer discussão racional.

E não sem razão. A suposta eficácia da cloroquina serviu de álibi para Bolsonaro montar seu terraplanismo, combatendo a vacinação, o isolamento e até o uso de máscaras. 

Ora, médicos têm que saber analisar as sequelas dos tratamentos propostos. E a sequela óbvia foi a legitimação da política genocida de Bolsonaro. A cloroquina não era apresentada como um medicamento auxiliar na luta contra a pandemia, mas como a solução do problema. Esse aval desarmou milhões de brasileiros que deixaram de tomar cuidados básicos confiando nos efeitos milagrosos do remédio.

Agora, fica-se nesse impasse. As pesquisas continuam. Há uma probabilidade, lá na frente, da cloroquina ser reconhecida como um tratamento positivo – ainda que secundário – contra a Covid. Como ficaremos? Aceitar os resultados significará fortalecer Bolsonaro em um ponto relevante de seu discurso político. Não aceitar significará sonegar ao público algo que poderá aliviar seu tratamento.

Enquanto isto, os tribunais medievais vão lançando à fogueira quem defende e quem ataca a cloroquina.

Definitivamente, a polarização transformou o Brasil em um país de ignorantes.

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