sábado, 6 de julho de 2019

"Veja", depois de anos queimando sua seriedade, agora, com a Vaza Jato, luta para escapar da irrelevância. Análise de Igor Fuser





Não tenho informações sobre o que acontece nos bastidores da Veja, revista onde trabalhei durante nove anos, entre 1988 e 1997. Só consigo imaginar.

Desde que expulsou Joice Hasselman e sustentou que o nazismo não é de esquerda, Veja passou a ser atacada pelos fascistas-bolsonaristas, que a chamam de "comunista", mesmo sem saberem direito o que é isso.

Certamente a direção percebeu que não há meio de manter a aliança com o fascismo vigente nos tempos em que a prioridade era derrotar o petismo. Cumprida essa tarefa "histórica" da burguesia brasileira, a revista agora se vê na necessidade de se diferenciar da turba de imbecis e de milicianos que chegaram ao poder em Brasília. Precisa demarcar campo perante o extremismo histérico à la Diogo Mainardi e Mario Sabino, seus ex-quadros que hoje se tornaram porta-vozes do olavismo.

A Veja é neoliberal, elitista e golpista, pró-EUA e com padrões éticos muito discutíveis (para dizer o mínimo), mas não tem como se tornar uma publicação de extrema-direita para agradar seu público. A revista sempre exibiu posições progressistas em temas como homossexualidade, feminismo e racismo. Defende a herança do Iluminismo, a ciência e os rituais da democracia representativa. Torceu por Hillary Clinton contra Trump.

No momento, Veja trata de reassumir seu antigo perfil de "centro-liberal", evitando confrontar com os leitores (ampla maioria) que ainda idolatram Bolsonaro.

Reparem que a revista escreveu na capa "Justiça com as próprias mãos", quando a palavra correta, obviamente, seria "injustiça". Fez isso por medo de queimar definitivamente os navios com seu público reacionário. E também porque tenta se esquivar ao imperativo básico de coerência que a interpela a explicar o papel infame que exerceu, durante anos, em apoio à grande fraude da Lava-Jato.

Veja nesta semana mostrou que ainda está viva. Mas não tem jeito. Vai perder muitos e muitos leitores de direita, sem reconquistar espaço na centro-esquerda. Consultórios médicos e dentários continuarão cancelando suas assinaturas. Essa é a sina da publicação que em um passado nem tão distante se vangloriava de ser uma das maiores revistas semanais do mundo.  

Veja deve sobreviver ao naufrágio da Editora Abril, ainda que se torne muitíssimo menor do que já foi. A parceria com Glenn Grenwald é uma chance de escapar da irrelevância a que parecia condenada.

Igor FuserProfessor de relações internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC)


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