terça-feira, 15 de outubro de 2019

Um Papa que é líder de católicos, protestantes, espíritas e ateus… progressistas, por Dora Incontri



O Papa Francisco, desde que subiu ao Vaticano, como líder da Igreja, tem se destacado por seu humanismo, sua mentalidade aberta, seu engajamento por um mundo melhor, criticando sem reservas o capitalismo impiedoso com o ser humano e predatório da natureza.


Foto: Vatican News

O papa que é líder de católicos, protestantes, espíritas, ateus… progressistas

por Dora Incontri

Quando um líder espiritual transcende os dogmas específicos de sua religião, para trabalhar por princípios universais, que estão presentes em todas as formas de espiritualidade ou filosofias progressistas e humanistas – esse líder se torna admirado por todos e todas que se sentem confortados e estimulados por verem alguém que se importa com o que realmente importa.
Assim foi por exemplo o santo mais popular dentro e fora da Igreja Católica, Francisco de Assis. Assim foi Gandhi, assim foi Martin Luther King. Não por acaso, o Papa que está agora na chefia da Igreja Católica Apostólica Romana adotou o nome de Francisco. Não por acaso, esse santo é o protetor dos animais, um precursor de ideias ecológicas, porque era capaz de sentir compaixão e conexão com todas as formas de vida. Falava com os pássaros e amansava os lobos.
Na mesma trilha de Francisco de Assis, que na vigência das Cruzadas, teve um gesto de diálogo com o sultão muçulmano Melek-al-Kamel,esse Francisco do século XXI se abre ao diálogo com outras tradições espirituais e abre a Igreja para os povos nativos da Amazônia, ouvindo-os e finalmente reconhecendo a dívida secular de colonização e opressão europeia, de que a Igreja infelizmente fez parte, salvo exceções. Lembro aqui da primeira pessoa que denunciou as matanças e a devastação das Américas pelos colonizadores: o frade dominicano Bartolomé de Las Casas.
Na história das religiões – e isso é muito claro na história da Igreja Católica – sempre temos aqueles que se aproveitam da estrutura hierárquica, do poder sobre as consciências, para oprimir, explorar, dominar e colonizar as consciências. E sempre há aqueles outros que vivem de fato os princípios superiores que a sua tradição preconiza: o serviço à comunidade, a fraternidade, a compaixão, o esforço pela paz e pelo respeito à dignidade humana. Entre esses últimos, estão os missionários, os santos, os iluminados, como nessa semana relembramos Irmã Dulce, que acaba de ser canonizada por esse mesmo Papa, como a marcar o quanto a entrega aos que precisam e a preocupação com o social devem fazer parte imprescindível de uma vida que se pauta no cristianismo.
O Papa Francisco, desde que subiu ao Vaticano, como líder da Igreja, tem se destacado por seu humanismo, sua mentalidade aberta, seu engajamento por um mundo melhor, criticando sem reservas o capitalismo impiedoso com o ser humano e predatório da natureza. Tem por isso sofrido perseguições internas e externas, principalmente com o instrumento de ataque mais comum em nossa sociedade virtual: as fakenews.
Na abertura do Sínodo da Amazônia, vimos o Papa fazer uma bela homilia, mas seu rosto está cansado.
Trata-se de um Sínodo histórico, pois além de procurar integrar a voz indígena, pode (tomara que se consiga) empoderar mulheres para assumirem o papel sacerdotal.
Embora eu faça parte de uma filosofia (a espírita) em que não consideramos a necessidade e a pertinência de sacerdócio, essa devolução histórica da Igreja às mulheres seria algo justo, devido e para ser celebrado.
Trata-se também de um Sínodo histórico, por trabalhar num patamar de ideias que Leonardo Boff, por exemplo, vem desenvolvendo e que o próprio Papa Francisco desdobrou: a ecoteologia. Uma teologia que reconhece a presença de Deus na natureza e se preocupa com o cuidar da nossa casa terrena – uma urgência urgentíssima.
Acima de tudo, o que me encanta em Francisco e lhe confere a autenticidade de um líder que vive o que prega e não está fazendo apenas marqueting populista: seu despojamento verdadeiramente franciscano. Anda no meio do povo, desce do trono de Pedro, pega fila para o café, vive com simplicidade. Os Papas, durante muitos séculos, foram adorados de joelhos, cobertos de ouro e púrpura – e essa foi uma das críticas de Lutero, que quebrou a hegemonia da Igreja Católica, pretendendo refundar o cristianismo de forma mais fiel à proposta de Jesus. Passados 500 anos – vejam só como o mundo dá voltas – temos um presidente (sic) do Brasil ajoelhado diante de um bispo evangélico (pressupostamente dentro da remota herança de Lutero) e temos um Papa católico que não permite que ninguém se humilhe diante dele.

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