sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O desgaste do governo Bolsonaro e o exílio de Jean Wyllys, por Roberto Bitencourt da Silva




 "Dominação bruta, sem pluralismo, nem apelo e respeito mínimo à heterogeneidade social, econômica e cultural, é o jogo protagonizado pelos setores em torno do reacionário, entreguista e despreparado presidente Jair Bolsonaro. O exercício do poder, assim, tende a tornar-se mais instável do que já é. Os Marinhos sabem muito bem disso. E o seu noticiário atual é reflexo, lembrando às vezes que podem fazer algo parecido com jornalismo."




O desgaste do governo Bolsonaro e o exílio de Jean Wyllys
Por Roberto Bitencourt da Silva, historiador e cientista político.

Tendo em vista as iniciativas que romperam com a soberania popular do voto, em 2016, com o assimétrico pacto interclasses assegurado pela Constituição de 1988, redundando em uma mutação semissilenciosa do regime político, entendo que três grandes ordens de ação e/ou de agentes sociais e políticos podem propiciar, no curso do tempo, senão condições para superar o atual e lastimável estado de coisas que vigora no País, ao menos amenizar os retrocessos e danos aos interesses populares e nacionais, a serem provocados pelo governo Bolsonaro.
Em primeiro lugar, mencione-se a possibilidade de alguma fissura no bloco hegemônico das classes dominantes. No seio das Organizações Globo, por exemplo, que desempenham há tempos papel de intelectual orgânico e coletivo das classes dominantes no Brasil, a dimensão da legitimidade no exercício do poder é decisiva. E legitimidade, envolvendo variáveis como moral, incorporação ou neutralização parcial do descontentamento político etc., é aspecto que se distancia, e muito, do comportamento dos grupos políticos no poder.
Dominação bruta, sem pluralismo, nem apelo e respeito mínimo à heterogeneidade social, econômica e cultural, é o jogo protagonizado pelos setores em torno do reacionário, entreguista e despreparado presidente Jair Bolsonaro. O exercício do poder, assim, tende a tornar-se mais instável do que já é. Os Marinhos sabem muito bem disso. E o seu noticiário atual é reflexo, lembrando às vezes que podem fazer algo parecido com jornalismo.
Ainda no andar de cima da hierarquia social, não seria surpresa alguma atitude de organizações representativas do grosso das exportações brasileiras, especialmente agropecuárias, visando pressões e medidas que influam em alguma potencial reorientação da política externa em vigência – acintosamente servil aos EUA, em consonância com o projeto lesa pátria de incremento do neocolonialismo, desde o golpe de 2016.
Ásia, América Latina, Oriente Médio e África, em conjunto, respondem por cerca de 65% do escoamento das exportações brasileiras.  O “3º mundo”, pois, responde pela maioria das trocas comerciais do nosso País. De modo que, entre outras graves lacunas do agrupamento no poder, falta saber o que é e mirar a balança comercial. Completos analfabetos políticos, sujeitos intelectualmente indigentes, os personagens do bolsonarismo não sabem do que se trata. Em poucos dias o novo e já desgastado governo sofreu retaliação da Liga Árabe, que suspendeu a compra de carne bovina. A seguir assim, arrisca o miserável governo Bolsonaro cair a partir de reunião promovida pelos fazendeiros da UDR... Uma ironia não muito longe da complexidade brasileira.
Em segundo lugar, consistindo na hipótese que o escrevinhador dessas linhas manifesta absoluta preferência, ainda que não veja ensaio mínimo de probabilidade no horizonte de curto prazo, a reorganização e a mobilização das entidades populares e sindicais, poderiam viabilizar, ao menos, a existência de um contrapeso nas lutas políticas, acentuando as lutas sociais promovidas pela enorme ganância das classes dominantes domésticas e transnacionais.
Qualquer resposta política consequente, que não apenas assegure, mas recupere direitos sociais, individuais e econômicos do Povo Brasileiro, como até mesmo os amplie, forçosamente passa, entre outros, pelo movimento sindical. Em particular, pela coordenação das centrais sindicais, para que se realizem ações de impacto dos trabalhadores em escala nacional.
O condomínio do poder no Brasil – fazendeirões, conglomerados multinacionais, banqueiros, especuladores, em geral –, precisa temer a capacidade de ação e escolha das classes trabalhadoras médias e populares. Para isso é requisito elementar a formação de uma identidade política com contornos mais nítidos de classe e de atenção aos interesses nacionais. Algo que somente se faz na luta social, política e econômica. Há anos, as centrais sindicais abdicaram da liderança, abrindo margens para uma frouxa identidade do trabalhador – suscetível a apelos estranhos a seus interesses até mesmo do cotidiano – e para as seguidas perdas de direitos. Mas, com o tempo isso irá mudar.
Uma terceira fonte potencial de desgaste do projeto golpista e entreguista de 2016, articulado com o seu grotesco filhote, o bolsonarismo, é a articulação de denúncias internacionais. Ao seu modo, em conjuntura e, sobretudo, circunstância diferente, o deputado federal Jean Willys, que abdicará do mandato e irá morar no exterior, fez o que o ex-presidente Lula deveria ter feito.
A mudança autocrática de regime político, mais violento e descomprometido ainda com a legalidade, para atender ao propósito maior de intensificação do neocolonialismo, de rebaixamento do já modesto perfil de inserção da economia brasileira na divisão internacional do trabalho, demanda atitude firme de denúncia, por parte dos representantes e líderes políticos de expressão e dotados de responsabilidade. Sobretudo denúncias com capacidade de reverberação global.
O pronunciamento do deputado Wyllys denuncia temores à sua vida, devido ao caráter miliciano/pseudo religioso e irracional do grupo político no poder, em especial a família Bolsonaro. O presidente e um dos filhos chegaram a debochar da tomada de decisão do deputado federal rumo ao exílio. Incrível! Como esse grupo no poder é impressionante e demasiadamente despreparado e incompatível com qualquer noção mínima de Estado de direito, não se dá ao trabalho sequer de disfarçar suas misérias, impressões e comportamentos. Com isso, por óbvio, é bastante plausível que as repercussões externas se farão sentir, no momento, sobre as escolhas e ações do rudimentar governo e das classes dominantes no país.
Diplomacia e comércio internacional, interligados, são vetores poderosos para fazer lembrar certas coisas básicas da convivência social e política e promover a aplicação doméstica de garantias legais aos cidadãos. É comum que enquadrem – para o bem e para o mal, violando soberanias nacionais ou alinhando-as a requisitos civilizatórios mínimos – aspirações e pulsões arbitrárias ou não de lideranças nacionais.
Jean Willys é o primeiro exilado político após o golpe de 2016. De forma ousada, denuncia, com o seu gesto, a apologética e hipócrita ideia que atribui “pleno funcionamento” às instituições brasileiras. Estas longe estão de qualquer coisa que se possa chamar de democracia, mesmo sob a tímida forma liberal e representativa. A voz de Wyllys, mesmo à distância, será importante fonte de denúncia do governo Bolsonaro e do estado de exceção em vigor e que pode ainda ganhar contornos mais nebulosos, fechados e drásticos.  
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Cumpre ainda observar que uma circunstancial aventura bélica contra a Venezuela pode servir como adicional fator de desgaste ao projeto, aos grupos e personagens vende pátria no poder. Mácula terrível para a imagem brasileira, em face dos povos coirmãos latino-americanos, com desgaste em curso, por suas ações “diplomáticas”. Ignóbil docilidade aos interesses golpistas e imperialistas estadunidenses, representantes de um mundo agonizante, que perde terreno para a multipolaridade emergente nas relações internacionais.
Um novo mundo cujos protagonistas em ascensão são dois especiais aliados do governo bolivariano de Nicolás Maduro: China e Rússia. Países que respondem, juntos, por cerca de 30% do comércio exterior brasileiro. A absoluta incapacidade de procurar atender às necessidades reais e gigantescas do País e do Povo, podem levar as classes dominantes e o governo Bolsonaro a optarem irresponsavelmente, como têm feito, pela tentativa de deslocar conflitos para fora do País, visando angariar alguma credibilidade. O preço lhes será muito caro. Muito mesmo.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

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